Análise a Heroes & Legends: Conquerors of Kolhar
“Este jogo é para quem?”. Para mim é uma pergunta-chave neste tipo de análises.
E neste caso a resposta é: não sei; porque Heroes & Legends: Conquerors of Kolhar é daqueles jogos contraditórios. Heroes & Legends custa neste momento 9.99€ no Steam, é um jogo indie, há que se desculpar certas coisas em indies, certo?
Steam, temos de ter uma conversa, eu e tu. A sós.
A Phoenix Online Publishing lançou Quest for Infamy, um jogo que foi regra-geral apreciado pela crítica; antes disso, focou-se a 100% no point and click com Cognition, Face Noir, Moebius, entre outros, uns mais apreciados, outros menos. Quest for Infamy é um jogo que faz homenagem aos clássicos da Sierra Entertainment, com elementos de point & click e de RPG. Parece que o publisher quer dedicar-se plenamente aos RPGs com Heroes & Legends; só que infelizmente, Heroes tem mais semelhanças com um tower defense do que com um RPG.
Para ser honesto, este jogo é uma vergonha; (mas já lá chego).
Um dos poucos elogios que lhe posso fazer é que tem uma componente viciante (mas muito leve), que costuma existir nos tower defense. Outro elogio é que nunca joguei nada de igual, mecanicamente; muita coisa parecida, mas nada de igual. Há vestígios de genialidade nas mecânicas; (de novo: muito leves, mas há).
De resto, é um jogo incrível, nos piores sentidos. Fez-me rir, (de frustração, como um louco): o Steam diz-me que joguei 7 horas; pareceu-me muito mais, mas acredito, isto porque para jogo de PC (e não mobile) é um absoluto tédio; a curva de dificuldade é uma reta horizontal, que se torna vertical a partir do nível 11, e dessas dessas 7 horas, sei que metade ou mais foi desperdiçada nos últimos níveis.
Mostrei o jogo a outra pessoa; “é um jogo ideal para se ir beber um café e voltar, enquanto o jogo se joga a si próprio”; não tinha aberto a boca, nem feito comentário nenhum, só lhe disse para executar o programa.
De facto essa é a sensação com que se fica, pelo menos, “o jogo joga-se a si próprio” – e isso ainda é mais verdade no início.
Liguei o jogo pela primeira vez. Carreguei em “play”, fui transportado, para um mapa, uma cutscene: e o primeiro nível começou; aparece um “how to play” que serve de legenda para os símbolos do jogo, diz-me como trocar a posição dos personagens, como equipar itens e como usar habilidades. “Ok”, disse eu.
Os meus três personagens começam a atacar três inimigos; “ok”. Sem eu lhes mandar. “Ok”… Os três inimigos morreram, e foram substituídos por outros três. “Ok”. O background ficou igual. O background é uma imagem parada. Os inimigos são imagens paradas também, que se deslocam meio centímetro para a frente e para trás quando atacam. Cada personagem ataca quando quando uma barra (que simboliza a velocidade de ataque) fica cheia. Cada inimigo tem também uma barra dessas e ataca quando fica cheia.
E eu fiquei a olhar para o ecrã. “É suposto eu fazer o quê?” Trocar de posição. Equipar. Usar habilidades.
Parecia-me mais Plants vs Zombies, ou outro tower defense qualquer; só que em Plants vs Zombies, por exemplo, não há só 3 linhas de inimigos; o ecrã de jogo é enorme; consegue-se ver os inimigos mais ao fundo, que estão “na fila” para nos encher de tareia, (em Heroes & Legends só vemos os inimigos que estão à nossa frente) – em Plants vs Zombies há inúmeras opções de posicionamento, muitos tipos de unidades, tanto do lado inimigo como do nosso, com habilidades e funções muito variadas; o jogador não controla a ação diretamente, mas não fica a olhar passivamente para o ecrã; o cursor do rato não pára quieto.
Os primeiros 10 níveis de Heroes & Legends são o oposto disto. No nível 4 aborreci-me e decidi ver quanto tempo é que levaria a morrer, sem tocar no rato ou no teclado; cheguei a meio. De momento, para agradar aos leitores mais supersticiosos, estou preso no nível 13; no fim deste nível, como acontece nalguns outros, há um boss; tradução: é um inimigo com muitos (demasiados) pontos de vida.
Outra pergunta importante, “porque é que havia de querer terminar o jogo, se não estivesse a analisá-lo, e estivesse bem de saúde mental?”; pela história? Afinal, para muita gente, um RPG com gameplay problemático pode redimir-se narrativamente. Também não.
Sempre que um personagem diz alguma coisa, tem que reafirmar o seu único traço de personalidade.
Há um sewer level – num jogo 2D, em que os inimigos são sprites estáticas (alguns deles parecem que estão a dançar o thriller de Michael Jackson), e em que o cenário é um desenho.
Há um botão com um ponto de exclamação no mapa (da mesma cor do botão para fazer grinding, que sim, existe); carregando neste surge um choose-your-own-adventure aleatório, apresentado como um com textinhos, com duas opções, e uma consequência é imediata após a escolha; “queres ganhar pontos de ataque, ou pontos de defesa?”; há uma dúzia deles e vão-se repetindo.
Quando falei de cutscenes, estava a falar de texto por debaixo do retrato do personagem que está a falar, sem som, e com um background que metade das vezes nem tem nada a ver com o cenário descrito.
E estão a ver aqueles nomes inventados na hora? Quem é que conhece “Azeroth”? E “Tamriel”? “Faerûn”? “Thedas”? Ainda não comecei a inventar nomes, vá, algum esforço – “Eberron”? Esse é fácil. “Tyria”? “Antaloor”? “Faranga”?
“Enroth”? “Aventuria”? “Myrthana”? Tive que usar o Google.
O jogo está cheio deles. Eu não sei o que é o que é “Kolhar”, porque Heroes & Legends: Conquerors of Kolhar não me explicou. Seja o que for, se é um setting, é do mais genérico que um derivado de Tolkien pode ser.
Visualmente, não é nada atrativo. A estética, desde a interface ao jogo em si, o som, música, sons – mais ou menos tudo – faz lembrar um jogo mobile ou de rede social.
A maioria dos botões são gigantes, e algum do input é drag-and-drop de touchscreen, mas convertido para o rato. O que é estranho porque também há botões que são mais pequenos, como os de level-up. E isso pôs-me a pensar: este projeto talvez fosse originalmente para o mercado mobile, e a meio do desenvolvimento decidiram que seria para PC. Faria sentido: encaixa tudo, até a dificuldade absurda lá para o fim, porque há um “crafting system” fora do jogo, que é o esqueleto de um sistema de micro-transactions, que dá ao jogador os melhores itens de equipamento do jogo.
Seja como for, cobrar 10€ por isto não faz sentido, é descarado.
Depois de passar horas a tentar progredir sem sucesso, a experimentar diferentes combinações de habilidades no menu das personagens, e a fazer grinding para obter bom equipamento na “forge” – dois sistemas que o jogo não explicou, ou mencionou sequer – desisti; e comecei a investigar.
Escolher “fastest” ou “fantastic” como opção gráfica (na janela para executar o jogo) não tem qualquer impacto gráfico. No menu de opções in-game, só dá para regular o volume da música e dos sons de jogo. Era um mobile game; estava convencido.
“Blending combat and strategy, Heroes and Legends: Conquerors of Kolhar challenges you to pit your wits and reflexes against an array of vicious enemies in both story-driven and randomly-generated adventures (…) and Legends: Conquerors of Kolhar invites you to experience the adventure of a lifetime”, diz a página da Steam.
“Cuve Games”; muito bem – que outros jogos é que estes senhores fizeram? Dois. Heroes & Legends: Conquerors of Kolhar, e QuestRun.
Deixa ver.
Ah.
QuestRun é um jogo que ia ser originalmente originalmente para o mercado mobile, mas que decidiram que seria para PC, porque teve a sorte de ser aprovado na Steam Greenlight, e Heroes & Legends é um re-skin de Quest Run.
O jogo é uma contradição dos pés à cabeça; chegou-me a parecer um teste de avaliação psicológica infantil, alinhar os três protagonistas aos três inimigos certos, o herói com mais ataque vai para o inimigo com mais vida. Isto é a core de um jogo mobile.
Obrigar o jogador a fazer “heal” de x em x tempo, ou adicionar armas que disparam noutros inimigos não muda isso; aumentar riculamente o ataque e vida dos inimigos também não.
“6,99€? Acho que podemos ir mais longe”, varinha mágica, puff, 9,99€.
Caso resolvido.