E uma Passagem do Terror que muitos podem ter ignorado

Isto de passar grande parte dos últimos dois anos a analisar videojogos já começa a entrar na minha forma de viver. Quando comecei este artigo chamei-lhe discretamente “A análise”. “Análise”? Sejamos sinceros: qual a estranheza de analisar um evento deste género? Ainda por cima haviam ali zonas da FIL que criavam algum lag gráfico e os 60 fps baixavam para números assustadores, deixando de excitar ao máximo do overclocking do meu cortéx visual, cones e bastonetes. Decidi mudar-lhe o título para “O Guia Definitivo” numa tentativa presunçosa de aproximar este texto aos manuais Michelin, mas a minha intenção caiu por tardia: definir o que ver num local que já não existe per se é o equivalente de comparecer a um encontro à hora marcada, mas com alguns anos de atraso. O título ficou, definitivamente, e apenas, “A conclusão”. Acima de tudo porque é isso que sempre definiu o Rubber Chicken e que sempre tentou ser a sua demarcação: a vertente opinativa forte que nos compõe.

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LGW: a nossa feira possível?

Depois de visitar uma das maiores feiras de videojogos do mundo, a Gamescom, é fácil fazer comparações. E não o faço naquela postura portuguesa-medíocre de afirmar que o “lá fora” é que é bom. Faço-o porque acredito que limadas as arestas, estes poderão ser os primeiros passos de um grande evento, que surgiu sobre as cinzas de outro evento que teve a importância que teve. E paz à sua alma.

A LGW quer ser mais Gamescom do que XL Party, mais Feira do que Encontro, mais novidade do que certeza. Ver filas para experimentar os mais recentes títulos remete-me quase de imediato para Colónia e para as filas que duravam horas para jogar em primeira mão o Evolve, o Evil Within, o CoD: AW, entre muitos outras que obrigavam a largas horas de espera, acompanhados por livros e bancos portáteis para descansar as pernas. Ter num evento português algumas novidades trazidas pelas diversas companhias demonstra que existe um respeito e uma compreensão da força (ainda que relativa) do mercado português.

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Novidades e surpresas

É claro que – ignorando a dimensão incomensuravelmente diferente entre a Gamescom e a LGW – uma das diferenças principais é a representação do mercado como um todo. O que significa que – e aplaudo o esforço das editoras e distribuidoras em solo nacional – a exposição do mercado actual é apenas parcelar, estando representadas a Sony, a Microsoft, a Capital Games (e muitas das empresas que representam, em especial a 2K e a Bethesda), a Upload Distribution (responsável pela WB) e a EA/Bandai Namco. A Nintendo presente e ausente em simultâneo, num exercício à-la Gato de Shrodingër que todos vamos compreendendo. E depois um grande vazio de muitas outras editoras que poderão não ter tanta força em Portugal mas que significam uma fatia do mercado global.

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Mas o que aplaudo verdadeiramente é o respeito pelos portugueses que as diversas casas-mãe tiveram em trazer builds, demos, e versões de jogos que ainda estão para sair, alguns inclusivamente sairão apenas em 2015. A Sony ter trazido o The Order: 1886, Until Dawn e o Little Big Planet 3 (assim como os seus developers, os quais tivemos o prazer de entrevistar, e cujo resultado publicaremos ainda esta semana), a Microsoft ter aberto ao público a Master Chief Collection de Halo (ou Commander como alguns lhe chamam), a Capital ter jogos tão frescos que ainda sentimos o cheiro do forno, como é o caso de WWE 2K15 e The Evil Within, e a Warner Bros. ter builds inéditas de MK X e de Dying Light demonstram que a LGW não foi apenas uma Feira, no sentido mercantil da coisa. Muitas destas marcas poderião limitar-se a preparar os catálogos disponíveis para o Natal que está aí à porta mas quiseram dar um passo em frente: inovar, surpreender, e trazer o inédito a uma cidade cujas surpresas são usualmente más-notícias.

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Os developers portugueses

Seguindo o esforço que a Microsoft Portugal tem encetado em criar uma plataforma de discussão (e apoio) a developers portugueses, é possível que se tenha criado na LGW a maior (e melhor) concentração de criadores nacionais por metro quadrado. O visitante comum teve assim a oportunidade de perceber que existe um mercado de criação português que fervilha de ideias e que se vai (tentando) fazer muita coisa com os talheres que Portugal e a Tutela vão pondo na mesa (isto quando não surripiam o faqueiro para outras núpcias, internacionais, com uma vassalagem europeia que aparentemente nos “fica tão bem”). O visitante comum, para conhecer os nossos produtores nacionais só tinham de ultrapassar um pequeno (grande) obstáculo: descobri-los. É que a boa intenção de mostrar a produção nacional embateu vigorosamente contra o planeamento expositivo do pavilhão, e o locus escolhido. Se me é permitida a sugestão (e é claro que é, as opiniões são como aquilo que bem sabemos, e cada um dá a sua) uma simples troca entre as áreas da alimentação e a dos developers resolvia perfeitamente a situação. É que comida qualquer um procura…developers portugueses é preciso achá-los qual Arca Perdida. Ou alguém já ouviu alguma família com duas crianças com menos de dez anos a perguntar a algum segurança “Olhe desculpe: sabe onde é a zona dos developers portugueses? É que as crianças estão cheias de fome de conhecimento da realidade do mercado nacional”? Não ouviram pois não? Bem me parecia.

Dar o respeito necessário aos nossos criadores passa mais do que tudo por dar-lhes a visibilidade merecida. É que com a coragem que muitos dos estúdios enfrentam o dia-a-dia nacional, quase que merecem umas preces a Fátima e umas petições de pedido de canonização.

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A Passagem do Terror – sim existia uma!

É sabido que quase toda a gente com 30 ou mais anos relembra com saudade a mítica Passagem do Terror da Feira Popular. E quando digo quase toda a gente excluo-me automaticamente da frase, visto que o meu medo quase patológico de morrer de susto sempre me impediu de experimentar o “espectáculo”. Pois bem, o que muita gente deve ter ignorado é que a Capital Games organizou algo semelhante para a exibição do seu The Evil Within. É que perante a necessidade de exibir o jogo de Shinji Mikami numa área restricta, devido ao alto teor de violência do mesmo, criaram uma espécie de corredor escuro com cadáveres pendurados e cérebros de borracha muito convidativos. Para quem não notou onde se localizava, bastava olhar para os 2 simpáticos membros da distribuidora que nos recebiam com um avental manchado de vermelho, e um cutelo na mão. E não, não se tratava das promoções da carne no Continente do Vasco da Gama, mas sim uma forma curiosa de apresentar um dos jogos mais assustadores dos últimos tempos. Mas considerações sobre o jogo deixá-las-ei para algum conterrâneo aqui do galinheiro.

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A conclusão da conclusão e o pião que poderá não parar de girar

A Lisboa Games Week demonstrou que tem mais do que pernas para andar, apesar do caminho ainda ser longo. É o vislumbre possível para a quase maioria dos visitantes da realidade das feiras de videojogos, e que demonstra que o mercado tem uma força quase ímpar nos dias de hoje. E com todas as ofertas que ultrapassavam os videojogos, desde os jogos de tabuleiro, flippers, manga, demonstrou que é um evento com múltiplas abordagens, e para diversas faixas etárias. Porque os videojogos são acima de tudo sinónimo de diversão, e porque a LGW se apresenta como um evento familiar. E assim foi, durante três dias, famílias inteiras, gente de todas as idades a conhecer o que por aí anda e o que por aí vem. E conviveu o mercado, por entre criadores, jornalistas, editores, distribuidores, como uma força única que faz esta roda nacional mover-se. Venha de lá a edição de 2015.

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