O bacalhau quer sci-fi, é o melhor tempero…
Há poucos dias atrás perguntaram-me se ia juntar-me à party em Destiny, ao qual respondi “Hoje não, vou jogar o novo CoD”. Questionaram-me “O bacalhau?”, ao qual respondi novamente a rir-me “o mesmo lhe chamei no outro dia”. Mas porquê esta coincidência de ambos compararmos este shooter da Activision a uma grande posta de peixe salgada? Será que é pelo bacalhau ao ser salgado, mantendo as suas características gustativas, aguenta longas jornadas como a série Call of Duty? Será porque como importamos bacalhau da Noruega por considerarmos ser o melhor, também na generalidade achamos que Call of Duty é aquele produto de excelência (graficamente)? Será simplesmente porque “cod” significa “bacalhau” em inglês (que confesso, não pensei em primeiro lugar nesse pormenor)? Ou será que no recôndito destes nossos cérebros está aquele desejo em trocar as balas de armas de fogo por sopapos com postas de bacalhau? DLC Call of Duty: Sea Weapons – incluí peixe-espada, tubarão-martelo e peixe-serra.
Isto teria a sua graça, como quem controla uma cabra num jogo cheio de bugs, mas Call of Duty é um assunto bastante mais sério. Um assunto de muitos milhões de euros que não se deixaria deturpar por fantasias mais “cabrescas”, exceptuando com zombies e aliens. Fala tão a sério que não se deixa ultrapassar tecnologicamente e tenta sempre encantar os consumidores, os gamers, com a máxima resolução gráfica e maior realismo de combate. E uma vez mais, com Advanced Warfare, tenta ir um pouco mais longe não só porque tem mais polígonos mas porque também acrescenta novas características com armamento futurista. E Kevin Spacey.
Podia haver uma análise só em torno do bom desempenho do actor principal da série House of Cards. Kevin Spacey é a grande estrela que camufla qualquer outro interveniente nas mesmas cenas em que entra, transportando dessa série a sua pose afectuosa aos olhos dos seus mais próximos, escudo da sua verdadeira natureza manipulativa, maquiavélica e sedenta de poder. Uma figura que retrata o diabo na terra como quem pretende chegar a presidente e que para isso tenha de trair, usar e enganar cada um que lhe sirva para cercar o rei até ao xeque-mate. Kevin Spacey é Jonathan Irons, CEO de um exército privado intitulado ATLAS, com centros de investigação e operação militar um pouco por todo o mundo e mais poderoso que uma qualquer Ex-Blackwater. É uma espécie de exército-sombra extremamente avançado que opera livremente e à margem da lei sem que tenha de dar justificações a ninguém. Irons instaura esta organização mostrando uma autoridade acutilante ao qual rapidamente associamos a personagens controversas como Donald Rumsfeld ou ao próprio Frank Underwood.
A tecnologia de captura facial está naquele ponto de viragem entre os jogos e o cinema, ainda que imperfeito mas que demonstra um progresso bastante avançado na renderização de personagens bastante realísticas. Isto permite a Kevin Spacey e outros actuarem propriamente com cada expressão muito perceptíveis, contudo peca ainda em determinadas fases principalmente na definição dos olhares. Porém, Advanced Warfare é talvez o que até hoje investe mais e melhor nesta tecnologia e que certamente se prepara nos futuros títulos para deixar-nos com o queixo caído.
A nível de design, Advanced Warfare não se separa muito daquilo que nos mostraram anteriormente através da série. Continuam as pontes e os prédios a cair; continuamos com aquela missão em que devemos deixar passar uma caravana de inimigos mesmo ao nosso lado enquanto estamos agachados e a conter a respiração; continuamos com a missão stealth mas desta vez com um dispositivo de camuflagem high-tech; continuamos com as missões em que controlamos engenhocas ou tanques de guerra. Portanto, Advanced Warfare não chega a pensar muito outside the box, mantendo a sua genuína configuração (algo desgastada) e tendência nesta arte que é a guerra modernizada.
O que traz de novo é o armamento avançado de um futuro longínquo com inspirações sci-fi, mesmo que na actualidade já se fabriquem protótipos muito próximos dos que estão presentes em Advanced Warfare, com novas armas, armadura e movimentação. Armas a laser e precisas num gunplay como sempre bastante afinado, exoskeleton que permite variados power-ups e salto duplo, mechs com grande poder de fogo, drones explosivos ou espias, granadas variadas, entre outros. Aplicaram-se novas mecânicas para um combate mais rápido – fast-paced – e um pouco mais agressivo corpo a corpo com a robustez do exoskeleton e que permite correr mais rapidamente ou absorver mais dano das balas. Mas o facto de ser fast-paced acaba por deixar pouca margem para deslumbrar os cenários, essencialmente interiores, e que não motiva a exploração à procura do Intel dificilmente reconhecível espalhado pelos níveis. Houve um maior cuidado na representação dos personagens, no combate e exteriores, mas os cenários interiores apresentam-se planos e há um uso de elementos com demasiada repetição. Contudo, Advanced Warfare vai alternando de habitats desde São Francisco à Antártica de forma a cativar o jogador pela diferenciação e vai acrescentando passo a passo novos elementos para quebrar com a linear jogabilidade.
Em relação ao multiplayer temos aquilo que podemos esperar de um Call of Duty: variados modos e mapas muito bem elaborados para acampamentos, aberturas para os “patos”, corredores subterrâneos e passagens laterais, spots de encontros para os mais aventurados e bastantes zonas de cobertura (o que, para os menos aptos e com menor experiência, qualquer cobertura não impede uma bala na testa ou nas costas). Mas com ou sem maior experiência, e em sessão com jogadores de ranks muitos superiores, não impede uma equilibrada e justa competitividade porque acima de tudo é testada a habilidade de cada jogador eventualmente se tem melhor ou pior armamento. A adição de novas mecânicas, no entanto, não chegam a ser realmente aproveitadas porque a necessidade em pressionar o gatilho é constante e pouco ou nunca se utiliza as funcionalidades do exoskeleton, além do bem-vindo duplo salto que rapidamente nos eleva às zonas superiores e aperfeiçoa a movimentação.
Em modo cooperativo, o objectivo é simples: quatro jogadores devem aguentar o máximo de ondas de inimigos. Mas é tão caótico desde determinado ponto que é mais fácil quatro amigos beber shots de gold strike até cair para o lado, e adulteraram o que de mais divertido trouxe a série para o modo cooperativo: Aliens com os componentes desbloqueáveis num ambiente mais darkish. Também perderam a oportunidade em introduzir peixeiras a correr desalmadamente com bacalhaus na mão a gritar “FRESH COD!” e a explodir cada vez que se aproximassem. Ou então teríamos de garantir a segurança do bacalhau em extinção contra inúmeras ameaças, desde felinos, ursos, chefes de cozinha gourmet, lojistas e comerciantes. Ao contrário o que nos é presenteado é um desinteressante exército com drones e mechs à mistura, e à medida que conseguimos ultrapassar os obstáculos vamos trocando pontuação por upgrades e utensílios, mas que não conferem o mesmo entretenimento (ou mesmo regabofe) que os modos anteriores com seres espaciais e mortos-vivos.
O melhor: Kevin Spacey; captura facial; exoskeleton.
O pior: Os níveis em interiores; a facilidade em reconhecer o level design anterior da série; e onde páram os aliens e todo aquele divertimento em modo cooperativo?!
A série Call of Duty deverá estar no limiar do seu término caso não olhe para além do mais óbvio como outros já o fizeram. Elysium… perdão, Advanced Warfare não é nem de perto uma ambiciosa retoma do projecto e parece mais intencionado em manter felizes e despreocupados um leque bastante alargado de fãs. Caso Call of Duty se transformasse de um dia para o outro, a internet ia abaixo. E quando a Activision informar que irá descontinuar a série, que não será em breve (sim, vem aí mais!), a Coreia do Norte ou o ISIS não serão as maiores ameaças do mundo. É uma série que atraí do mais casual ao mais hardcore, mas não estão jogos como Titanfall ou Destiny a alterar o paradigma? Advanced Warfare aperfeiçoa-se e inova com novas mecânicas e é bem calculado e preciso em modo competitivo com maior verticalidade, contudo acomoda-se demasiado ao seu constante hype e certezas de número de vendas. Mas vejamos, Call of Duty: Advanced Warfare não é um mero bacalhau. É um bom bacalhau à G(a)mes de Sá, mas de uma receita que já estamos fartos de provar e que não nos deixa aquele sabor na boca para desejar mais até não ter espaço para a sobremesa. Portanto já coziam outro peixe, mais capturado por Neill Blomkamp e menos por Michael Bay.
Versão testada: PS4. Também disponível para Xbox One, Xbox 360, Ps3 e PC.