Análise a Assassin’s Creed: Unity
Quando era pequena, recordo-me perfeitamente daquela ansiedade que sentia nas horas antes de abrir os presentes de Natal. Na minha cabeça existiam sempre duas ou três mãos cheias de possibilidades e pedia por tudo que a minha mãe se tivesse lembrado daquela Barbie que vimos na loja dos brinquedos, do jogo para a Master System que encontramos na loja de electrodomésticos da zona, ou do novo nenuco, cujo anúncio passava todos os dias de manhã na televisão, à hora dos desenhos animados. Imaginem então a decepção quando finalmente chegava a hora de abrir essas prendas e encontrava… meias. Todos aqueles sonhos de criança acabavam destroçados e espalhados aos bocadinhos pelo chão da sala, junto à árvore de Natal. E é basicamente este sentimento de coração partido que jogar Assassin’s Creed: Unity transmite.
Após o sucesso que foi o título anterior, foi depositada grande expectativa na Ubisoft para nos trazer um jogo totalmente pronto e a usar abusivamente das capacidades das consolas de nova geração. E foi essa também a promessa feita. E com um cenário como Paris, durante a Revolução Francesa, e as notícias do desenvolvimento de novas mecânicas, tudo parecia bem encaminhado. Recordo que quando saíram as primeiras imagens do gameplay, não deve ter existido uma única pessoa que não ficou de queixo caído ao ver a quantidade de pormenores que Paris tem. Para os mais atentos, deve ter logo ficado a dúvida no ar se as novidades estavam ou não bem conseguidas, pois embora os movimentos do personagem principal aparentassem um registo mais fluido de parkour, notava-se também mais mecanização que no jogo anterior e até algum bloqueio. “Estamos no Verão. Até à data de lançamento tratam disto.” Terá sido o pensamento de muitos.
Paris, final do século XVIII, sente-se no ar a atmosfera de Revolução. Mais que em qualquer outro jogo deste franchise, as ruas estão constantemente cheias com aglomerados de pessoas gritando o mote “Liberté, égalité, fraternité”, a insurgirem-se contra uma monarquia corrupta e que os deixou na miséria, agitando vivamente a bandeira tricolor francesa, a voarem apressadamente do chão para as varandas e a levitarem por entre as vielas francesas. Isto acabou por se tornar numa grande descoberta pessoal, pois não sabia que durante o século XVIII as pessoas tinham poderes de levitação. Pensei que a onda do misticismo europeu tinha iniciado no século XIX, mas aparentemente estava enganada. No entanto, não há como ficar indiferente à atenção dada pela Ubisoft em espelhar as distintas realidades que se viviam em França. De um lado as zonas ricas e luxuosas do distrito de Le Marais, repletas de jardins e estátuas a vangloriar personagens históricas e batalhas passadas; do outro as zonas pobres do distrito de Ventre de Paris, com as ruas em tons de cinzento, onde os gritos de revolta dos habitantes e o som de vidros a partir soam sempre mais alto. E é nesta dicotomia parisiense que encontramos Arno Dorian, um assassino que entrou para a Ordem com uma sede de vingança para dar a beber aos templários do mesmo cálice que matou o seu padrasto. Mais uma vez temos o tema vingança a alimentar o personagem principal, como naqueles filmes de acção dos anos 80 e 90 em que o herói vai atrás daqueles que mataram metade da sua família, incluindo mulher, filhos, afilhados e primos de terceiro grau.
Por entre ruas, vielas e telhados vamos avançando na história, vendo e participando na evolução de Arno dentro da Ordem. À semelhança de Ezio Auditore, em Assassin’s Creed II, quando o jogo começa Arno não tem todas as capacidades e ferramentas de um verdadeiro assassino, e à medida que vamos passando determinadas missões, relacionadas com a história principal ou algumas de co-op, são-nos atribuidos pontos que podemos gastar na aquisição de habilidades para o nosso herói. Portanto logo de entrada não vamos conseguir utilizar tácticas de assassínio duplo ou ter acesso a determinado tipo de bombas, por exemplo. Esta opção da Ubisoft acaba por tornar o jogo mais desafiante pois, ao contrário de Assassin’s Creed IV: Black Flag em que depressa despachávamos 20 ou 30 inimigos, aqui o combate é mais doloroso para Arno e nem sempre saimos bem sucedidos. Mas com dinheiro e através da resolução da mais variada panóplia de missões principais e secundárias vamos ganhando experiência, armas e armaduras para que o nosso assassino francês se torne numa verdadeira máquina de guerra… isto se entretanto não formos atacados por inimigos invisíveis. As experiências paranormais em Paris eram, de facto, impressionantes. Primeiro levitações e agora fantasmas. Que mais nos espera?
Uma particularidade agradável que a Ubisoft acabou por desenvolver mais neste título é a forma como podemos realizar as missões, tanto secundárias como principais. Em diversas, a arma mais eficaz de Arno é o modo stealth. Pode até dizer-se que somos encorajados, não só pelo número de inimigos como também pelo próprio layout de certos cenários, a entrar calmamente e a pensarmos bem antes de agir, afinal, um passo em falso e um inferno de atacantes aparece para nos chegar a roupa ao pêlo. Até a introdução de uma habilidade de lockpick aponta para a natureza mais sorrateira dos assassinos, já que podemos arrombar cofres e portas para ainda sermos mais subtís na nossa aproximação dos inimigos. O único problema acaba por ser a movimentação mecanizada e pouco fluida da personagem, que culmina com saltos para onde ninguém deve saltar, estarmos pendurados em objectos que não existem (cada vez mais a teoria do sobrenatural parisiense do século XVIII é comprovada com factos inegáveis apresentados neste jogo), constantes bloqueios em paredes a meio da free-run, entre outros. Tudo isto torna a experiência de jogo stealth num falhanço, já que facilmente podemos ser detectados com estes pequenos lapsos. É compreensível a tentativa de tornar os movimentos de Arno mais orgânicos e com aquele aspecto parkour actual, e notamos por diversas vezes um resultado positivo, mas é claramente preciso um maior empenho para que exista um sucesso total nestas mudanças.
Da série principal, Assassin’s Creed: Unity já o oitavo título deste franchise, e é natural que após tantos anos exista algum tipo de inovação de jogo para jogo. Mas enquanto que assistimos ao nascimento do combate naval em Assassin’s Creed III e ao seu aperfeiçoamento em Assassin’s Creed IV: Black Flag, neste novo projecto os navios foram totalmente anulados. Tendo em conta que Paris não é propriamente uma capital europeia costeira, e com o lançamento em conjunto de Assassin’s Creed: Rogue, é de fácil compreensão esta opção da Ubisoft. Para colmatar esta falta, novos métodos de assassinar alvos e um modo de investigação criminal, ao estilo de Batman: Arkham City, foram introduzidos. Durante as missões da história principal, Arno é confrontado com diversos templários para assassinar, e é na forma como a missão decorre que notamos diferenças para os anteriores. De início são-nos dadas possibilidades de distracção, sejam estas com explosões ou com soltar prisioneiros para causar algum reboliço; e de infiltração nos locais onde estão os nossos alvos, seja por caminhos subterrâneos ou por, simplesmente, subornar uma senhora da limpeza para deixar uma janela aberta. Isto trouxe algum ânimo à forma como os assassinatos são realizados, embora também tenhamos a opção de entrar a matar e ignorar o restante.
É durante as missões secundárias que Paris ainda ganha mais vida, são várias em número e em conteúdo e acabamos por interagir com personagens históricas da época, como já é habitual neste franchise. Desde ajudar o mítico líder francês, Napoleão Bonaparte, a ter um encontro romântico com a sua Josefina, a ir em busca de cartas perdidas da família do importante general da Revolução Francesa, Alexandre Dumas. Também é neste conjunto de missões que nos aparece uma outra novidade, a possibilidade de resolver crimes cometidos pelas ruas acidentadas da capital francesa. Para a resolução ser bem sucedida, convém ter em atenção todas as provas e testemunhos que vão sendo recolhidos por Arno, recorrendo à utilização da já conhecida eagle vision. Desde padres que vão sendo assassinados de acordo com as profecias de Nostradamus, a crimes passionais e politícos, existe de tudo um pouco neste conjunto de investigações à CSI do século XVIII.
Em Assassin’s Creed: Unity não existe multiplayer, pelo menos não o modo online a que este franchise nos habituou desde Assassin’s Creed: Brotherhood, existem sim uma série de missões em modo cooperativo que, embora pareçam fazer parte de uma ideia interessante, o resultado acaba por ser diferente. Podemos fazê-las com dois ou quatro jogadores, ou até sozinhos se a espera por alguém for demasiado longa. A grande questão passa pela forma como são jogadas. Em todas elas recebemos recompensas ou monetárias ou de armaduras e pontos para gastar em novas habilidades, tudo acaba por depender da abordagem que temos para cada uma. E com quatro assassinos juntos, podem imaginar a confusão que pode ser criada. Basicamente, fazer algo sorrateiramente com mais três assassinos é impossível e acaba tudo numa grande salganhada de inimigos e combates intermináveis cheios de lag, tornando esta experiência confusa e pouco apelativa. Talvez seja por isso que acabei por fazer muitas delas sozinha. E na maior parte, é preferível. Demora-se mais tempo, mas as recompensas são maiores e não temos que andar quase em danças robóticas e lentas para matar alguém. Isto são os 700s não os anos 70.
O melhor: a reconstrução de Paris de cortar a respiração e a atenção ao detalhe a nível gráfico, desde roupas a expressões faciais; missões secundárias; o aparecimento de diversas personagens históricas; coleccionáveis; variedade de armas e armaduras; incisão no modo stealth.
O pior: os constantes bugs e falhas na mecânica de jogo; o modo co-op confuso e lento; história pouco desenvolvida e com temas repetitivos.
A Ubisoft tentou. Tentou mas acabou por escolher enveredar pelo caminho errado. A constante pressão para lançar um jogo todos os anos apanhou finalmente a empresa e Assassin’s Creed: Unity é prova viva (ou digital, neste caso) disso mesmo. O que podia ter sido a obra prima deste franchise, termina por ser um jogo com excelentes gráficos e com uma atenção ao detalhe de proporções inimagináveis, mas com uma mecânica pobre e cheia de bugs e erros impensáveis para um jogo desta geração. Sinceramente, não me recordo da última vez que caí de um mapa num título considerado como AAA, e neste é algo recorrente. Os novos modos de jogo e as novas armas, como a phantom blade (junção de uma besta com a lâmina comum dos assassinos), não serviram para colmatar as restantes falhas. O facto de ficarmos de boca aberta a olhar para o ecrã cada vez que subimos ao topo da Notre Dame e observamos o pormenor com que a Ubisoft construiu Paris não é suficiente. Ajuda, e não há dúvida alguma de que, graficamente, não existe nada igual, mas o tema da história repetitivo e os intermináveis problemas mecânicos fazem com que esta tentativa de obra prima seja barrada às portas do Louvre. Menos Notre Dame e mais gameplay, Ubisoft.
Assassin’s Creed: Unity está disponível para Xbox One, PS4 e PC. Analisada a versão de PS4.