Saído do Kickstarter, Elliot Quest autodescreve-se como “jogo de adventura” e “RPG”. Deixem-me dar-vos uma descrição mais concreta: Super Meat Boy é para a série Super Mario o que Elliot Quest é para a série Zelda. Outra: imaginem antes Darksouls, versão light, sidescroller, para a SNES.
Super Mario, que é um membro do panteão dos-jogos-lendários-e-ancestrais, e do sub-panteão dos-jogos-que-fundaram-géneros, e que é um VIP entre estes (juntamente com Zelda), é uma lição de como “ensinar” o jogador de forma indirecta – de “ensinar” sem tutoriais, sem menus – basta irem à internet pesquisar sobre o nível 101 de Super Mario, que encontrarão com facilidade dissertações para ler e para ouvir. E na verdade, dá-me vontade também de escrever páginas e páginas sobre o design de níveis que encontrei em Eliot Quest.
O último jogo que tive nas mãos que me fez lembrar a série Zelda tinha um orçamento à volta dos 50 milhões, e não me impressionou tanto como este. Fazer um jogo destes de modo tão impecável não é tarefa fácil. Não estamos a falar de fãs do género, só, nem de pessoas que o compreendem, só, mas de gente que sabe, gente experiente – os autores tinham uma visão muito definida para este jogo e sabiam o que estavam a fazer.
O jogador aprende rápido, mas o jogo “não ensina nada” – e esta é a impressão que para mim caracteriza Elliot Quest: aprendizagem constante e “livre”. Tudo, desde a distância entre checkpoints, às velocidades e padrões em que os diversos inimigos se deslocam, foi calculado ao detalhe, para dar a ilusão de experimentação acidental. O resultado é um jogo desafiante mas divertido, com zero hand-holding. Nem sequer me ensinaram que teclas usar. Usei primeiro as teclas WASD para deslocar-me, e descobri que não faziam nada, expecto a tecla D, que disparava setas. E foi assim que descobri assim onde disparar.
A primeira vez que derrotei um cavaleiro, tive que atravessar um corredor cheio de canhões. Assim que cheguei ao cavaleiro, descobri que ele tinha um escudo e que era invulnerável às minhas flechas (não tinha outra arma). Após várias tentativas, tive que aprender a dominar o salto, para desviar-me como deve de ser das balas dos canhões. Descobri também que ao contrário de todos os inimigos, sempre que tentava saltar por cima dele, ele recuava, e eu acabava por levar dano. Para derrotar o cavaleiro, tinha que recuar um bocado e parar. Ele tentava investir, eu recuava, e naquele breve momento em que estava desprotegido, eu disparava. Pela altura em que derrotei o cavaleiro, tinha adquirido um escudo, vindo de outra sala, que me protegia melhor das balas. Para aprender a derrotar o cavaleiro, aprendi a usar o escudo e dominar o salto. O jogo guiou-me. Empurrou-me, por detrás das cortinas. Para o segundo cavaleiro que encontrei, a tática de recuar e parar não resultava. O cavaleiro seguia-me para trás e para a frente. Para derrotá-lo foi preciso ficar à espera, parado, à sua frente. Foram momentos sérios, tensos, à cowboy. Tudo é uma espécie de mini-puzzle.
O jogo está dividido em níveis espalhados por um mapa “mundo”. Alguns níveis estão bloqueados por barreiras naturais (uma falésia, por exemplo) que se vão ultrapassando à medida que se avança no jogo, enquanto que outros níveis podem ser acedidos, mas para se poder avançar neles requerem certos itens ou habilidades. Completar um nível “abre a porta” para outros níveis, e assim em diante. Podem esperar muitas horas de jogo, que o “mundo” é bastante grande. Sempre que se morre, recomeça-se o nível no último checkpoint por onde se passou, e recebe-se uma penalidade de experiência. A experiência adquire-se para fazer level-up, que aumenta os típicos stats de RPG (força, agilidade, vitalidade, etc) mas com um twist: cada ponto num stat tem um efeito diferente, como se fosse uma skill tree. À medida que se completam níveis, desbloqueiam-se novos “poderes”/itens, como o escudo, fireballs, um tornado, double jump, bombas, etc. Há também várias povoações, típicas neste género, com NPCs (que têm sempre um par de deixas de diálogo), e item shops. Mantendo-se fiel ao género, também há uma história escondida no meio disto tudo.
Através de cutscenes (por vezes interativas) em forma de flashbacks, aprendemos desde cedo que Elliot foi amaldiçoado por uma entidade maligna, e à medida que a história avança, os “porquês” os “quems” e os “comos” são explicados em mais detalhe. O foco narrativo é mínimo, mas o pouco que o jogo tem para mostrar está bem apresentado; talvez até demasiado bem, até: os jogadores mais desatentos são capazes de achar a história confusa, e não lhe ligar de todo. Um comentário final: a versão que joguei (adquirida pelo Steam), para além de não haver opções de controlo como já referi acima, também não tinha opções de de gráficos; talvez isso venha a mudar num futuro patch, mas o jogo só corria em windowed mode, numa resolução de janela pré-determinada. Não é um problema para mim, mas pode ser para alguns.
A curva de dificuldade é ideal: desafiante, sem ser demasiado frustrante. Os visuais, sons e música 8-bit de Elliot Quest são uma homenagem aos seus antepassados. Gostei (gosto) muito, e jogadores com mais idade do que eu vão gostar ainda mais.
Elliot Quest é um exclusivo PC.