Tempo e Mundo de Aventuras

Sou um ávido consumidor de cartoons (ditos) antigos. E é claro, também encarno uma postura típica de todas as gerações: a de achar que os desenhos-animados actuais são francamente inferiores aos que assisti na minha infância. Sendo que numa análise meramente conceptual-narrativa poderei considerar que sim, a realidade é que existem algumas séries que saltam fora destas generalizações. Adventure Time é uma dessas, e das poucas que me suscita curiosidade na TV actual. Para além de possuir diversos tipos de camadas de leituras, sinto que os seus autores devem estar muito próximos da minha idade e dos meus interesses: tal é o volume de referências mais ou menos disfarçadas que polvilham em cada episódio, e que não sendo dirigidas às crianças criam algum entendimento para os pais.

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Não sendo esta a primeira incursão de Finn e Jake pelo mundo dos videojogos, mas é a primeira com o qual me cruzo. E a minha estreia em Adventure Time não poderia ser melhor: numa mais-do-que-óbvia-paródia-a-Zelda-que-dê-para-disfarçar, temos todo mundo de Hyrule que crescemos a amar com a uma skin da actual série mais famosa do Cartoon Network.

É possível que o usufruto do próprio jogo fosse altamente exponenciado se eu conhecesse a fundo o elenco, e percebesse na plenitude o facto de este ou aquele personagem estarem em dado “papel”, e é também óbvio que um fã da série tirará ainda mais proveito do jogo do que eu tirei. E atenção: eu diverti-me e muito com este Adventure Time: the Secret of the Nameless Kingdom.

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Isso é uma espada ou estás feliz por me ver?

Sempre li que em caso de imitação criativa, dever-se-ia imitar os melhores. E o que a WayForward fez foi isso mesmo: pegar numa das magnum opus do nosso tempo (The Legend of Zelda: A Link to the Past) e decalcar algumas das suas ideias, transpondo o humor quase surreal, non siquitur de Adventure Time para a quasi-seriedade emocional que Link e o restante enredo transparecem. Para quem conhece The Legend of Zelda este Adventure Time: the Secret of the Nameless Kingdom é auto-explicativo: temos um mundo aparentemente aberto mas que não nos é acessível até possuirmos uma série de equipamentos que nos permitam explorá-lo. E é claro, dungeons e três princesas para salvar. E como diria a Agência Publicitária de Chelas: “triplo das princesas, triplo da pandeireta, triplo da classe”.

É claro que se o Link percorre masmorras e defronta monstros míticos para obter bumerangues e varinhas mágicas, Finn e Jake defrontam um sem número de criaturas (o que inclui derrotar um boss símio através de palmadas nas suas nádegas expostas) para poder obter um saco de plástico onde guardar o gás proveniente de uma estátua-glúteos. E tendo o fiel Jake a capacidade de se transformar em diversos objectos, parte das habilidades que vamos aprendendo são formas de transformação para ele, e que vão de um simples escudo até a uma mão gigante que desfere valentes bofetadas aos inimigos.

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Tocha Humana: escolho-te a ti!

Adventure Time: the Secret of the Nameless Kingdom sabe roubar-nos um riso espontâneo e serve como a melhor homenagem que os seus criadores poderiam fazer à obra de Takashi Tezuka, e obra essa por quem demonstram uma imensa paixão. Souberam de forma exímia transportar o mundo de Hyrule que nos é tão familiar para a saudável loucura de Adventure Time, criando um jogo difícil onde vamos morrer muitas e muitas vezes. Desengane-se quem pensa que por ser baseado numa série de desenhos-animados que este é um jogo fácil e “para crianças”. Temos na realidade um óptimo dungeon crawler com bons e desafiantes puzzles, boss fights que vão muito para além do simples hack ‘n slash e que requerem séria reflexão e muitas vezes reflexos quase sobre-humanos. Se desde o lançamento de The Legend of Zelda – A Link between Worlds estão a desesperar por um bom jogo do género, não procurem mais, e partam à aventura com Finn e Jake, como quem embarca num filme do Terry Gilliam com o Johnny Depp e o Benicio del Toro.

Nota: E como há subtítulos que nos poem músicas na cabeça. O pior é que agora tenho o João Loureiro a dizer (tututututututu) nos meus tímpanos.