Um Chicken Nugget a Shovel Knight (agora em 3D!)

Que muitos indies vão buscar inspiração a jogos de outrora, apelando à nossa nostalgia e memórias de infância não é segredo para ninguém. Infelizmente também uma boa parte deles apenas conseguem mover a nossa criança interior de uma forma superfícial, quase inócua, e quando depois removemos os nossos nostalgia goggles, não temos muito para apresentar – não encontramos inovação, mas apenas mais do mesmo – o mesmo que jogamos em criança continua a ser tão bom como dantes, mas não conseguimos deixar de sentir que lhe falta alguma coisa, algo que nos surpreenda e que nos leve para além da memória, inovando para além do esperado.

De vez em quando surge um daqueles jogos que consegue evocar esse sentimento de nostalgia e ser ao mesmo tempo inovador. Shovel Knight é um desses jogos. Um jogo de plataformas 2D com aspecto retro e um audiovisual 8-bit, fortemente inspirado em clássicos da NES como Mega Man ou Duck Tales. Aqui controlamos o Shovel Knight numa querela para salvar a sua parceira Shield Knight que está aprisionada numa torre, tendo pelo caminho de derrotar uma série de cavaleiros até chegar a essa mesma torre onde reside a malvada Enchantress. Ao longo do jogo teremos de fortalecer o nosso personagem, física e mentalmente, fazer upgrades à pá (a sua arma de eleição) ou comprar melhores armaduras, enquanto recolhemos itens mágicos (chamados de Relics) para nos ajudar nesta aventura.

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Brace yourselves. Shovel humor is coming… in spades!

A inspiração em jogos como Mega Man está bem presente, onde o personagem principal e os bosses que este encontra todos têm o nome Knight no fim (em vez de Man) – encontramos personagens como o King Knight, o Propeller Knight ou o Mole Knight – só não podemos ficar com as armas deles para as utilizar depois de os derrotar. Parte da excelente banda sonora 8-bit do jogo também foi composta por Manami Matsumae – compositor das músicas de Mega Man. A inspiração em Duck Tales também é óbvia – a pá de Shovel Knight é usada como uma arma e como um pogo stick (que permite saltar mais alto quando a usamos para cair sobre inimigos ou outros objectos) tal como o Tio Patinhas usava a sua bengala. A mecânica de plataformas e combate do jogo gira em grande parte mesmo em torno da pá do nosso personagem. Ela serve de arma para derrotar inimigos, deflectora de projécteis, impulsionadora em saltos, destruidora de barreiras e, claro, para escavar. Achei delicioso o pormenor de um cavaleiro que nos aborda na primeira aldeia a que chegamos e  barrar-nos a entrada para a mesma, avisando que o porte de armas é proibido dentro da localidade, e depois parar e rir-se dizendo “O quê? Isso é só uma pá! Bwahaha! Entra lá, vá!” – o tolo mal sabia eu que levava um canivete suiço com potencial de destruição em massa nas minhas mãos.

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Ó Zé, está lá em baixo um cavaleiro com uma pá. Se calhar ele veio para limpar o estrume dos estábulos.

O level design é brilhante, e é também o nosso maior inimigo (não são os bosses que irão ditar a maioria das nossas mortes, mas sim os inimigos menores que nos empurram para um buraco ou quando nós próprios caímos num). Nenhum nível é igual ao anterior e cada um insere uma mecânica nova – seja o nível subaquático do Treasure Knight, onde temos de ter em conta as diferenças gravitacionais e de deslocação por estarmos debaixo de água, ou o (positivamente frustrante) nível do Propeller Knight, em que temos de ter em conta constantes e súbitas mudanças na direcção do vento se queremos sobreviver, ou o primeiro nível da Torre, em que a arquitectura toda se move – padrões de movimento têm de ser memorizados e passos dados têm de ser calculados se não quisermos morrer para o cenário. Neste jogo cair em qualquer buraco sem fundo, picos ou lava dita a nossa morte instantânea.

Morrer não é tão taxativo como em jogos da velha guarda, onde temos um certo número de vidas disponíveis e cujo jogo termina quando estas chegarem a zero – quando morremos em Shovel Knight largamos uma percentagem do dinheiro que temos, e é possível recuperá-lo se lá voltarmos (e não morrermos pelo caminho novamente). A progressão pelos níveis é apoiada pela existência de checkpoints ao longo dos mesmos, mas estes podem ser destruídos de assim o quisermos, recebendo uma boa quantia de dinheiro por isso, mas se morrermos mesmo iremos voltar ainda mais atrás no nível (o que faz disto uma jogada de “risco elevado / recompensa elevada”). Cada nível demora cerca de 30 minutos a percorrer até chegarmos ao boss. Os combates contra bosses são divertidos e desafiantes, em particular no início do jogo, mas conforme vamos apanhando Relics eles vão-se tornando mais fáceis – talvez demasiado. Quando apanhei o Phase Locket, um item que quando usado nos permite ficar invulneráveis e etéreos durante poucos segundos, apenas precisei dele para ignorar grande parte do dano que poderia receber de um combate contra um boss (creio não ter morrido para nenhum boss de meio até ao fim do jogo – isto já contando com o boss final) – contudo esta é apenas uma pequena mancha num trabalho de grande qualidade e extremamente bem executado.

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Os nossos “mauzões” bem alinhados em torno da força que os une.

É digno de notar que este jogo foi financiado através do Kickstarter e desenvolvido pela Yacht Club Games, uma pequena empresa que nunca havia feito um jogo antes e que conseguiu, para além do financiamento base, bater todos os stretch goals. Por toda a crítica que o Kickstarter tem recebido, é extremamente agradável ver que ainda vão saindo pérolas ocasionais num que é um grande oceano de incumprimento e decepção. O facto de Shovel Knight ter sido recentemente premiado na cerimónia The Game Awards como o melhor jogo indie do ano é a prova que ainda é possível fazer grandes coisas com crowdfunding (desde que seja para apoiar uma equipa com a mentalidade e a capacidade de cumprir o seu objectivo). Não se podem fazer jogos retro com os olhos apenas no passado, mas também no futuro – para que este se torne realidade.

Shovel Knight é um jogo problemático. Problemático porque me deu extrema dificuldade em lhe encontrar um defeito. Problemático porque queria que ele fosse mais longo. Problemático porque foi um dos poucos jogos que o recomecei a jogar uma segunda vez logo após o terminar da primeira (recomeçar um “New Game+” vale bem a pena). O jogo todo pega na fórmula base dos “8-bit platformers” que conhecemos e melhora-a, trazendo uma mecânica sobejamente polida, uma história interessante, personagens memoráveis e dezenas de piadas à volta de pás. O que mais se poderia pedir? Recomendo-o a toda a gente, excepto se tiverem alguma aversão particularmente forte a jogos de plataformas e seus derivados.

Shovel Knight está disponível para Nintendo 3DS, Wii U, Windows, Mac e Linux. Versões para PS4, PS3 e PS Vita estão previstas sair em 2015. Analisada a versão de 3DS.