Houve uma game jam há poucas semanas atrás no site da GameJolt, chamada “Indies vs PewDiePie”, que teve 776 participantes; cerca de meio mês antes, houve outra game jam no mesmo site, chamado “Asylum Jam” que teve 49 participantes.
A Ludum Dare fez duas jams há pouquíssimos dias, uma que teve 1365 participantes e outra que teve 1272. Mas em comparação com a Ludum Dare, quem é que quer sequer saber da GameJolt, certo? – A Ludum Dare começou em 2002, já vai na sua 31ª edição, é uma referência internacional do poder criativo da comunidade de developers de jogos, e é responsável pela existência de vários jogos comerciais que nasceram de ideias vindas de lá (Broforce, Gods Will Be Watching, TRI: Of Friendship and Madness, entre muitos outros) – e não admira que nada tenha saído do sistema da GameJolt, uma vez que ainda está verdinho, e que foi lançado este ano; sejamos honestos, 49 participantes não parece nada mau; a última jam oficial da NewGrounds este ano teve 17 participantes, a anterior teve 18, e começaram lá a fazer jams internas em 2010. Como é que uma jam do PewDiePie teve metade dos participantes da Ludum?
Algum dos leitores sabe quem é o PewDiePie? Sim? A pergunta torna-se retórica para vocês. Os leitores que responderam não, por favor dêem uma olhada nisto. No dia em que escrevi este artigo, estimava-se que PewDiePie (ou Felix Kjellberg) tivesse feito entre 119 mil a €950 mil euros no último mês através do Youtube. Em 2013, Kjellberg ganhou cerca 19 milhões de subscrições no site, tornando-se até hoje a pessoa com mais seguidores lá. Hoje, são 32 milhões de subscrições. Como e porquê (de novo, para leitores que desconheciam o sujeito)?
Let’s Play.
Há um ótimo artigo na Polygon que resume este fenómeno, mas porque aqui podemos ser menos politicamente corretos, eis a resposta: o homem dá gritos e faz outros sons estranhos enquanto se filma a jogar. “Sim, mas porquê ele e não outra pessoa qualquer sem talento?”, perguntam vocês, e eu respondo: “porque é que o Flappy Bird teve uma análise na IGN, e não outro jogo qualquer feito numa tarde”?
A civilização ocidental depende dos new media, está uma autêntica junkie, e só não vê quem não quer o planeta quase todo a querer que a internet se torne num serviço público, e isso muda a lógica de muitos processos; “viral” hoje não quer dizer “vais morrer”, quer dizer “tornou-se popular na net”, e é por acaso uma palavra muito bem escolhida para o fenómeno: um vírus, por muito forte ou fraco que seja, espalha-se de forma aleatória, por contactos imprevisíveis entre diversos organismos; um vídeo, um jogo, uma música…
… ou um youtuber, podem ter mais ou menos talento por detrás, mas tornam-se famosos de forma igualmente aleatória, através de uma lógica de pescadinha de rabo na boca: toda a gente está a ver, porque é famoso, e é famoso porque toda a gente está a ver.
È óbvio, assim, que a Jam do PewDiePie tenha tido quase 800 participantes num site que quase ninguém está a usar como ferramenta para jams. “Se o jogo que eu tiver feito aparecer num vídeo dele, a possibilidade do jogo se tornar popular também é forte”.
Não quero dar mérito nenhum a PewDiePie pela sua popularidade, mas isso também não significa que ache esta seja só aleatória. Existem mais factores envolvidos; (10% outros factores, 90% o destino).
Este senhor explica o fenómeno muito bem: os vídeos de Let’s Play no geral explodiram no Youtube, porque requerem menos esforço de edição e são mais demorados que os restantes géneros de vídeo. Acabaram de ler sobre os 32 milhões de seguidores atuais de PewDiePie; fiquem a saber que a VEVO – que é para a indústria da música o que a Hulu é para as séries de televisão norte-americanas (só a VEVO funciona para o mundo inteiro) – tem só 8 milhões. Com números tão altos, tantos “lets-players” famosos, e tantos canais de gaming famosos no twitch, tantas empresas a querem entrar no mercado do streaming de jogos, não é nada fácil não chegar à conclusão que os vídeos de gaming estão a dominar a internet; e não só a internet, como as gerações mais novas. Os adultos do futuro não vão passar horas a fio, fechados em casa a jogar online com os amigos – explicaram-nos os autores de South Park este mês – vão passar horas fechados em casa a ver vídeos com os amigos de outras pessoas a jogar online – é uma brincadeira, mas não deixa de ser um retrato credível do futuro dos media.
Mas nada disto faz confusão a quem está atento. A Extra Credits fez um vídeo que levanta questões interessantes sobre a popularidade dos “idle games” (um novo género de jogos na web, em que o jogador faz muito pouco e passa horas a ver variáveis a subirem de valor), e oferece respostas ainda mais interessantes: abrir uma aba do browser, enquanto se trabalha, não requer esforço nenhum; é muito fácil jogar esses jogos, porque se pode jogá-los enquanto se está a fazer outra coisa. É a mesma lógica do mobile gaming na sanita. E se aplicarmos a mesmo lógica aos Let’s Plays, passam a fazer sentido: ninguém fica 20 minutos a ver outra pessoa jogar; os Let’s Plays são podcasts em que pessoas estão a descrever experiências extraordinárias em direto.
O mundo virtual está a ficar obcecado com “multi-watching”; mas será só o mundo virtual?
Thomas Hellum, numa TEDx este ano dá-nos evidências do contrário. Contra todas as expectativas, a televisão norueguesa lidera audiências com programação “chata”, sem dramas, melodramas, sem crimes e mistérios; tudo começou em 2009, com quatro câmaras em cima de um comboio a transmitir em direto; “Bergensbanen – Minutt for Minutt” chamava-se o programa, o comboio passou por 182 túneis, a transmissão demorou 7 horas e foi vista por 1,246,000 noruegueses. Um novo género de televisão nasceu, a “slow television”, e o seu sucesso desafiou tudo o que se esperava e acreditava: que a “boa” televisão tinha de ser explosiva, não-repetitiva, mexida, que tinha que agarrar o espectador e colá-lo ao sofá, e que o futuro só tinha lixo televisivo vazio e hiperactivo para oferecer. Agora, sabemos que podemos também contar com lixo vazio e lento, mas a questão não é essa, a questão é: não é um fenómeno exclusivo da internet.
Porquê gastar uma hora a ver um episódio de uma série medíocre, quando posso ver paisagens filmadas por um comboio enquanto passo a ferro e lavo a loiça?
Porquê escolher entre estar a trabalhar no computador e estar no Youtube? Não posso fazer os dois?
Não é isso que mantém o Facebook vivo? A página ou a aplicação poder estar aberta enquanto se trabalha, se está no autocarro, se come, e lava os dentes?
Este é o futuro dos media. Os videojogos são mais populares que a realidade, por definição – não há dragões e espadas mágicas no meu quintal – obviamente que abriram as portas deste futuro, mas não pensem que isto vai ficar por aqui.
Deixo-vos com uma imagem que encontrei no Reddit no tópico do Steam Broadcasting: