Já é tão repetitivo referir o quanto gosto de jogos de aventura que vou deixar essa informação omissa. O que significa que por ter crescido no apogeu de um género (que é um dos meus favoritos, já vos tinha dito? E que ainda por cima conheço de forma extensiva) tenho algumas reticências com algumas tentativas de mimetizar o humor dessa época. É claro que estaria a ser injusto se assumisse que nada nem ninguém conseguiriam igualar o humor subtilmente genial e quase surreal dos jogos da LucasArts, quando casos como Deponia claramente demonstram que existe bons argumentos humorísticos contemporâneos. O único problema é quando os autores vendem algo como estando no patamar de Month Python mas o que produziram foi algo ligeiramente risível e do calibre dos Malucos do Riso. Felizmente que em Supreme League of Patriots esse não é o caso.
A Jane Jensen é para muitos jogadores de longa data um sinónimo de um certo benchmark de qualidade narrativa nos videojogos. O que significa que sempre que um jogo é lançado pela editora com o qual tem trabalhado – e por muito que não exista sequer um dedo seu na produção – existe logo o elevar de uma fasquia de expectativa em relação à qualidade de escrita de cada jogo da Phoenix Online Publishing, e que tem, independentemente da jogabilidade, publicado uma série de jogos bem-escritos.
Supreme League of Patriots é a aventura satírica que o filme The Incredibles poderia ter se fosse essa a sua vontade. Personagens over-the-top, notoriamente “cartoonizados”, atingindo um grau de memorabilidade que tem falhado ao elenco de muitas outras aventuras que têm saído nos últimos tempos, numa fase em que o género demonstra um fôlego renovado.
O humor deste SLP é certeiro, e em muitos casos, através da hiper-politização, alcança momento corrosivos. E é aqui que entram algumas questões de sensibilidade pessoal, ou a capacidade de discernimento de separação entre avaliar/criticar algo pela sua qualidade e não pela forma como somos sensíveis a alguns temas. É que no meio do seu exímio visual cartoony, os personagens são construídos sob temas e opiniões tão extremados que ultrapassando a barreira do humor encontramos mensagens perfeitamente directas dos seus criadores. É que Kyle, o nosso protagonista preguiçoso, liberal, alinhado à esquerda, e super-herói wannabe, acompanhado por Mel, o seu sidekick, e um imigrante inglês ilegal, mordaz, sardónico e quase anárquico demonstram um retrato da opinião social norte-americana de forma muito descomprometida. E esta vertente de humor “de intervenção” é mais notória com a alteração de personalidade do Kyle na sua persona Purple Patriot, um nacionalista, patriótico, republicano, homofóbico com constantes linhas de diálogo acutilantes (e muitas vezes a beijar o politicamente incorrecto) sobre o repúdio aos gays e aos emigrantes.
Admito que esta era uma dimensão do humor do jogo (cujo próprio trailer demonstra o seu pendor cómico), mas é notoriamente algo que me agrada pela forma directa e in-your-face de confrontar os jogadores com a organização política dos EUA e os seus grandes alinhamentos: os menos à Direita e os mais à Direita. É verdade que muitas das piadas são incorrectas mas servem, no meu entender, como acutilantes e ácidas críticas sócio-políticas como há muito não via ser feito no mercado dos videojogos. Ao contrário do que costumo fazer, decidi ler outras opiniões antes de escrever a minha, numa tentativa clara de auscultar sensibilidades, e de perceber se grande parte dos reviewers tinham a capacidade de admirar a coragem política (não muito subtil) dos seus autores. A realidade é que me parece que muitos dos críticos, especialmente dos media mais mainstream, não estão preparados ou receptivos para serem confrontados com este tipo de humor. E com alguma tristeza que vejo a grande maioria a escrever textos laudatórios de humor mais slapstick e a recriminar o que sai da norma. Mas também quem está habituado a ler o Correio da Manhã nunca na vida conseguirá compreender o The Guardian.
Há uma série de bons momentos de comédia, do qual a candidatura de Kyle ao reality show America’s Got Superpowers, cujo júri representa uma paródia a Simon Cowell e David Hasselhoff é um dos melhores exemplos, não se restringindo apenas a esta faceta interventiva que a mim muito me apraz. O jogo é totalmente construído numa postura meta, com a quase auto-consciência de que é um jogo, e parodiando com a cultura pop em especial os comics e os super-heróis, passando pelos reality shows e é claro, a própria comunidade gamer. Os personagens são extremamente bem-construídos, com um excelente voice-acting que realça a sua unicidade, do qual temos de destacar Mel, o companheiro de Kyle, e que nos relembra o James Hyneman do Mythbusters e a Enfermeira Julie, uma gótica femme fatale apologista da eutanásia como cura para todas as maleitas: da mais ligeira enxaqueca à mais pequena ferida.
Apesar destes pontos o jogo sofre de problemas de ritmo, e ainda que os diálogos sejam (regra-geral) bem-escritos, existe um excesso de linhas entre os personagens, conduzindo a uma ligeira quebra do ímpeto do jogo. É que por muito que estejamos habituados a jogos de aventura (e os adoremos) existe uma barreira fina entre fazer do jogador um espectador ou um actor do próprio do jogo, e parece-me que SLP cai excessivamente na primeira opção. É que apesar dos puzzles serem de dificuldade média, o ritmo de jogabilidade acaba por ser mais lento pelos inúmeras linhas de diálogo e pela lentidão de movimentação do personagem. E este é um pormenor técnico que já todos os developers deveriam ter aprendido com The Book of Unwritten Tales 2.
O melhor: o humor, o setting, os personagens, o enredo.
O pior: o ritmo.
Supreme League of Patriots vai completamente a jogo e faz um all-in corajoso com o nível de humor que criou. Acho curioso como alguns reviewers podem chocar-se com o retrato político que estes personagens fazem quando já aqui ao lado, no cinema, o Sasha Baren Cohen faz algo de muito mais extremo. É verdade que temos aqui um aparentemente inocente jogo de comédia e paródia a super-heróis, mas que consegue com todo o mérito ir mais longe. Chegar à nossa cabeça através de piadas e criticar e estereotipar sócio-politicamente os EUA. E fá-lo com uma roupagem divertida quase saída do The Incredibles. Os jogos de aventura estão bons e de saúde, e já estão tão crescidinhos que conseguem desferir as críticas mais mordazes disfarçados de desenhos-animados matinais.