Está um frio desgraçado, não está?
Um par de dias atrás. Editor: O Joylancer?
Um mês atrás. Editor: O que é feito do artigo do Joylancer?
Dois meses atrás. Editor: Tu não tens uma antevisão do Joylancer por fazer?
A espera acabou, senhoras e senhores, meninos e meninas; eu já escrevi três antevisões diferentes para The Joylancer: Legendary Motor Knight; a primeira não gostei, a segunda escrevi-a bêbedo e não fazia sentido nenhum, e a última, antes desta, ficou gravada num ficheiro que estava aberto quando o meu portátil se separou da sua bateria por acidente, e que agora é uma série de linhas de cardinais (tipo isto: #############################################).
Vamos portanto tentar poupar tempo e esforço a ambas as partes, de quem escreve e de quem lê, e fazer uma antevisão sucinta, sem parvoíces e, leram bem o título, em seis frases.
Seis frases.
Mente aberta, pessoal; mente aberta; vai ser emocionante, e estranho; estão prontos?
Começa a antevisão (daqui para baixo):
Mas tenho que beber algo quente primeiro, que está mesmo um frio desgraçado. Acho que já tinha escrito algo parecido mais acima, mas não faz mal, até faz bem reforçar a ideia, que é para o frio sentir-se desconfortável; ainda se vai embora, quem sabe. Três frases e com esta quatro. Não, esperem, há bocado eram duas e depois três, e agora é que são quatro… que confusão.
Felizmente para mim, The Joylancer: Legendary Motor Knight encontra-se ainda em Early Access no Steam, o que significa que, apesar de estarem a ler isto tão tarde, ainda tenho desculpa (mais ou menos), não entornei caldo nenhum, e “mais ou menos” porque “ainda tenho desculpa” é uma expressão que não se adequa ao contexto, que eu “desculpa” costumo arranjar quase sempre (é mais defeito que qualidade, admito), e que neste caso nem seria desonesta: a minha experiência com The Joylancer tem sido um bocado frustrante, diria até traumática: não é um jogo para mim, nem é um jogo para muita gente: não compreendo a sua lógica (e mais importante, não a sinto, nem sinto o jogo, não houve ainda “o clique”, nem vai haver) porque eu não faço parte do niche para o qual foi criado; mas posso dizer-vos, por outro lado, que se fizesse (parte) este tornar-se-ia um dos meus jogos favoritos assim que saísse; e, sim, é outro sidescroller, outro indie retro, mais um em pixel art, mas há algo que dá voz ao estúdio Alpha Six, que destaca o jogo que criaram dos seus irmãos, primos e tios, que é: não é (nem quer ser) um mero tributo, não quer derreter os seus jogadores com “lembram-se disto? eram bons tempos, não eram?”, não quer homenagear géneros mortos, diga-se antes assim, não é um in memoriam, mas é, sim, um Victor Frankenstein, não porque a sua jogabilidade é uma “salada russa” de elementos estranhos (pelo contrário, combinam todos muito bem entre si, e até demasiado (vejam mais abaixo)), mas porque ousa brincar com a morte, porque quer trazer de volta à vida, em vez de ficar-se pela saudade; The Joylancer emula perfeita e surpreendentemente um jogo de GameBoy, desde a estética aos controlos – um GameBoy, não uma NES, ou uma SNES, ou um Specturm, ou uma Sega Genesis: um GameBoy, e para ser mais específico ainda, um GameBoy Color a correr um cartucho de GameBoy Basic – e é o GameBoy Basic que está na mesa de Frankenstein, enquanto este grita de mãos no ar e caiem relâmpagos: “lembram-se disto?”, perguntam-nos Alpha Six, “lembram-se? porquê ficarmos pelo ‘lembrar’ quando podemos ‘emular’? parem de ‘lembrar-se’ e joguem…!” – e de facto, eu também cresci com o GameBoy, lembro-me de não “parar para pensar” quando recebia um novo cartucho, de só estudar o manual do jogo muitos dias depois de ter começado a jogá-lo, e não me lembro de algum que tivesse tutorial, ou freeze-screens a explicar funções de botões, como é habitual encontrar-se nas gerações de jogos mais recentes – The Joylancer explica muito pouco, só o suficiente, e percebe-se que não é por estar em Early Access que a versão final vai ser igual (deixo-vos umas imagens para não se aborrecerem enquanto esperam, que eu preciso de uns segundos para recuperar o fôlego)…
…e dizia eu que não era por The Joylancer estar em Early Access que é como é, que a versão final vai ser igual, porque o jogo está a ser desenvolvido nível a nível, em vez de função a função, e assim, que mesmo há dois meses atrás, os jogadores saberiam o que tinham comprado assim que iniciavam o jogo; há uma lista espantosa no menu de opções, de configurações de cores que tentam imitar o grafismo dos primeiros GameBoys, há um leque variado de moves, mesmo só com duas teclas e um D-pad (teclas WASD), o jogo centra-se todo em saltar em cima de umas coisas, e dar tareia noutras, e devido ao leque há pouco mencionado essa tareia é sempre tensa, torna-se frenética com facilidade e, como não podia deixar de ser, tudo isto gira à volta de colecionar moedas (cristais?) – o nosso “cavaleiro-motorizado” tem consigo uma espada que é uma espécie de berbequim à Big Daddy de Bioshock, e que torna mais potente se estiver “carregada”, seja através desses cristais (moedas?), seja perdendo uns segundos a carregá-la – e portanto, regressando e repetindo-me, dizia que assim que comecei a jogar The Joylancer soube o que era, e do que se tratava, e que outra pessoa qualquer que trouxesse consigo, como eu, a consola da Nintendo na sua mochila e, mais tarde, em emuladores para telemóvel, saberia também, e saberá…
…mas não é por isso que The Joylancer fez ou faz sentido para mim, reconhecê-lo não basta, o seu público-alvo é muito específico, e, como escrevi acima, não me incluo nesse niche; para apreciar The Joylancer não é só preciso ter vivido o GameBoy, é preciso ainda estar a vivê-lo; por vezes não se passa nada, por vezes passa-se demasiado: este ritmo já não faz sentido para mim, cresci, os videojogos cresceram também – e durante o meu tempo de jogo levei tanta ou mais tareia que meu o avatar (não escrevi “porrada” por uma questão de bom-gosto) – por vezes as instruções que me eram dadas não eram suficientes, por vezes as cores fortes agrediam-me, por vezes sentia que nenhum dos esquemas de cor fazia sentido, que uns destacavam mais certos elementos que outros, mas que nenhum destacava todos como deve ser, por vezes ia parar a níveis ridiculamente difíceis, perdido no mapa de jogo, e entrava num ciclo perpétuo de tareia (porrada) até desistir e sair – e, meninos e meninas, senhoras e senhores, estamos a chegar à parte final desta frase – imaginem que há cinco ou mais inimigos no mapa e que vocês batem violentamente no teclado mas nada acontece, que o vosso avatar não mexe, isto porque esses inimigos todos estão a dar-vos porrada (porrada!) em simultâneo, só conseguem dar um golpe aqui e ali num e noutro, de tempos a tempos, que a vitalidade do avatar acaba, mais cedo ou mais tarde, e que fazem respawn numa plataforma que os vossos inimigos conseguem alcançar, que alcançam e fazem cair o vosso avatar, e que o ciclo volta ao início, e tudo volta a acontecer, até surgir o inevitável ecrã de game over; imaginem, como é que se sentiam: o vosso sangue subia-vos ao cérebro e fechavam o jogo? – este cenário e outros semelhantes são a minha “desculpa”, mas destaco este acima de todos como uma espécie de sinédoque, que justifica não só o porquê de ter-me armado em Saramago, e de terem acabado de ler uma frase interminável, que em última instância faz pouco sentido, de ter sido mais sufocante que impressionante, mas que justifica também o mau sabor que me deixou na boca, apesar de me ter impressionado pela positiva, esse sentimento estranho – aquele que com que se fica quando se é vítima de “apanhados”: adoro-vos, vocês são os maiores, mas irritaram-me tanto que estava capaz de vos matar – um sentimento que mais gente poderá vir a ter.
Aconteça o que acontecer no decorrer do seu Early Access, a geração que jogou Megaman no GameBoy, que sente saudades e tem vontade de jogá-lo de novo, deveria estar de olhos postos em The Joylancer: Legendary Motor Knight (mas mais ninguém).