Quando leio os artigos da equipa do Rubber (e mesmo quando releio os meus) percebo o porquê do nosso primeiro slogan girar em torno de “Adultos que jogam”. É que se fizermos as contas à vida temos muita gente na equipa que se aproxima dos trinta anos de jogo e alguns que já ultrapassam essa marca por alguns anos. Há uma sensação de conhecimento transversal e evolutivo deste mercado e uma compreensão e reconhecimento do que iniciou certas tendências em diferentes períodos da curta História dos videojogos que transpira de muitos desses artigos. E isso percebe-se também, ao sentirmos que é esta geração, a nossa, que constitui grande parte dos game developers por esse mundo inteiro.
Esta presença tão forte da memória de cada um é, sem dúvida alguma, uma das grandes forças motrizes da criação. E qualquer que seja a área criativa, é normal que o início de qualquer projecto gire em torno de algo do qual sempre gostámos, e que sempre constituiu grande parte daquilo que somos. E os videojogos não são de todo uma área que escapasse a esta influência. Conseguimos sentir isso neste Lords of Xulima, dos espanhóis da Numantian Games, e que colocam na sua produção tudo aquilo que cresceram a amar nos videojogos.
Algo que é preciso definir à primeira vista é que este Lords of Xulima não é para todos os jogadores. E não o é por duas razões específicas que o isolam do restante mercado de RPGs. O primeiro aspecto deve-se à sua dificuldade: este RPG é muito, muito difícil. A começar pelo combate que se desenrola por turnos e que é totalmente punitivo de uma má estratégia com a ordem de acção dos nossos personagens e dos adversários (sendo esta ordem sempre visível numa barra vertical) do início ao fim da batalha. Para além de termos de gerir da melhor forma as nossas acções, existe aqui também a noção de linha da frente e de linha recuada de acção, a qual temos de gerir para melhor utilizar os poderes/armas/habilidades da nossa party, assim como escudá-la de dano. E mesmo assim, mediante toda esta gestão, vamos recorrentemente perder personagens. Ainda que jogado no modo “Old-School Veteran” (onde os combates são muito desafiantes), uma pequena experiência (para comparação) com o modo Fácil mostrou que existe desafio (e muito), em qualquer modo de dificuldade.
O segundo factor que demonstra que este Lords of Xulima é um jogo de nicho é o facto de que é um dos mais clássicos RPGs por turnos contemporâneos que conseguimos encontrar, e que vai sorver influências aos velhinhos Wizardry e Ultima. Não possuindo os gráficos mais high-end do mercado, apela aos seus jogadores pela cuidado aplicado à construção do mundo e às suas mecânicas. Possuindo também alguns elementos que melhoram a experiência de jogo para os jogadores veteranos (e não só) que necessitam de algo mais desafiante do que a noção de quase invulnerabilidade que muitos RPGs actuais imprimem a si mesmos. A noção de recursos e gestão dos mesmos é aqui levada a outro patamar, já que temos de ter reservas de comida para alimentar o grupo à medida que o tempo de jogo passa, tendo nós de gerir e equilibrar o tempo que deambulamos pelos mapas. Sim, trata-se de um RPG clássico, mas isso não é sinónimo de que os personagens não tenham de se alimentar.
Apesar de possuir uma história mediana em que grande parte dos NPCs despejam chorrilhos de linhas de diálogo sobre um lore um pouco cliché e que gerará pouco interesse à maioria dos jogadores (como aconteceu comigo), Lords of Xulima é um dos RPGs mais puros aos clássicos do género que pude jogar nos últimos tempos.
O melhor: as mecânicas e o desafio, o visual (polido, ainda que não seja nem de perto nem de longe “contemporâneo”.
O pior: a história e os diálogos
Lords of Xulima é um RPG feito por amantes do género para amantes do género, e isso percebe-se em cada minuto de jogo. Dispõe do desafio que a veteranice de alguns jogadores exige, e será uma belíssima aposta para os jogadores mais novos que estão fartos que os jogos lhes peguem pela mão. E é acima de tudo uma das grandes surpresas que tive no género, e que tive de redimir a minha própria falta de entusiasmo quando o comecei a jogar para uma total vénia pela viagem aos clássicos que constituíram o meu crescimento enquanto jogador.
Lords of Xulima é um exclusivo PC.