Hoje gostava de vos contar uma história. Prometo que não demoro muito e vou tentar não ser chata. Mas esta é uma história real, minha, pessoal, que quero partilhar convosco. Não tem moral nem um grande objectivo de aprendizagem – é apenas uma partilha.

Sou a última de 5 irmãs – um clã de mulheres interessadas por tudo o que as rodeia, criadas por um pai intelectual e uma mãe “Leoa”, em cujo sangue corre a mistura das duas heranças: a racionalidade e a paixão. Sendo 5 mulheres, leitoras ávidas, cinéfilas acérrimas, crescemos com o amor à arte, a atenção ao detalhe, a apreciação por toda a espécie de sentimentos projectados. Nesse crescimento, foram centenas as músicas cantadas, as páginas lidas e partilhadas em conjunto, os serões passados à volta de um filme e do debate sobre cada um dos seus detalhes. Sinto-me abençoada (no verdadeiro sentido da palavra e não na sua conotação religiosa) por cada minuto que vivi com este clã de irmãs com um laço mais forte que qualquer relação biológica possa explicar.

Tomb Raider 1996Um dia, a mais nova (a Alexa) apaixonou-se pelos videojogos e, tal como uma rapariga apaixonada, quis mostrar o seu novo amor às suas melhores amigas – as irmãs. O primeiro jogo que partilharam? Tomb Raider – o original de 1996. O novo “amor” da irmã mais nova foi imediatamente aprovado pela família e passaram horas de volta do primeiro jogo, a tentarem resolver os enigmas, a discutir estratégias, a tentar encontrar a saída dos túneis, a gritarem com cada morte sofrida pela pobre Lara – atirada às mãos de uma (ainda) novata. Tal como num corpo que se cria, cada uma de nós ocupou o seu lugar: a mais velha – protectora, tentando dar a solução inesperada, (não importando quantas vezes eu lhe dissesse que o cenário não era interactivo), a seguir – a racional – sempre com a solução de um enigma na ponta da língua (mesmo quando deixava as irmãs a agonizar à procura da resposta); depois – a entusiasta – aquela que acha sempre que vamos conseguir; e, a que veio ao Mundo antes de mim – a cautelosa – que repetia de 5 em 5 minutos: “grava… mete vida”. A mais nova – a mulher do comando. Até a mãe se divertia e insistia em chamar: “Leopoldina” à Lara, mesmo depois de corrigida um milhão de vezes… porquê?: “porque tem cara de Leopoldina!”

Depois do primeiro jogo, os serões à volta da Playstation tornaram-se noites desejadas e vividas intensamente entre gargalhadas, risos, discussão, choro e partilha de 6 gerações de mulheres unidas à volta dos mágicos botões: quadrado, triângulo, Xis, bola… Tomb Raider (mesmo o horrendo Angel of Darkness) acompanhou-nos entre muitos outros jogos, mas talvez por Lara ser mais uma mulher a juntar-se ao nosso clã, este tornou-se um símbolo de união e o jogo que marcou uma nova era na nossa família. Quando eu chegava da faculdade, não havia som mais doce, mais íntimo e reconfortante, que a frase de uma das irmãs: “Alexa, não queres ligar a Playstation para jogarmos um bocado?” pode parecer muito estúpido… mas essas palavras eram a verdadeira intimidade do regresso a casa.

Um dia, em 2013, uma doença que não é controlada por um comando, levou-me a minha irmã que chegou ao Mundo antes de mim. Chegou ao Mundo 7 anos antes de mim… e saiu de ao pé de mim aos 42 anos… cedo demais. Não sei o que acontece quando morremos e interessa pouco o que eu acredito, mas sei que o Amor que sentimos é eterno, e, pela lógica racional, quem Amamos assim permanece eterno na nossa memória, tal como a minha irmã permanece na minha. O clã sente que há um elo que já lá não está… uma peça do corpo que foi amputada e da qual ainda sentimos dores “fantasma”.

Na primavera de 2013 a minha irmã foi embora… deixou-nos as gargalhadas, o sentido de humor sarcástico, o amor pelo Walking Dead, a paixão pelo cinema e arte, a capacidade de rir de tudo e de ajudar todos, a curiosidade por tudo o que nos rodeia…

No Verão de 2013, alguém muito especial ofereceu-me o recente Tomb Raider – versão renovada da Eidos e Square Enix. Chorei mal vi a capa. Chorei sem conseguir agradecer o presente. Chorei pela memória e pela dor da ausência. Chorei por mim – pela perca de uma parte de mim. Muito a medo, pus o jogo na consola. Não sabia se iria conseguir jogá-lo até ao fim. Não tinha a certeza se queria estragar as minhas memórias com a Lara e com a nossa família, e passar novamente pela certeza da perca tão recente.

tomb raider

 

Ainda bem que contrariei a dor. Ainda bem que empurrei o disco, entre dedos a tremer, para dentro da consola. A Lara renovada, a maravilha daquele jogo renascido das cinzas, trouxe a memória do sorriso da minha irmã, das horas em que a sua voz cautelosa me dizia para gravar e meter vida: “Xaninha… cuidado, vais cair…”, alertava ela incessantemente para todos os perigos em cada esquina do jogo. Cada capítulo trouxe de volta as memórias dos serões. Sorri a cada minuto do novo jogo, e por entre lágrimas de alegria e lembrança, joguei-o avidamente sem o conseguir largar num fim-de-semana de Agosto. Senti a minha irmã comigo em cada minuto do jogo, e o corpo que uns dias antes se sentia desmembrado, voltou a sentir-se completo

Quando os créditos finais iniciaram, anunciando o final de uma magnífica jornada em forma de videojogo, pousei o comando. Peguei no telefone e liguei às minhas irmãs. Rimos freneticamente sem motivo. Partilhei as vezes que morri no mesmo sítio, falámos de como cada uma haveria de assumir o seu papel tradicional, de como eu a jogar sem elas não me sabia orientar, de como agora o cenário já é finalmente interactivo e de como a Lara se tornou adulta sem perder a sua magia.

Rimos freneticamente…entendemo-nos sem ser preciso dizer qualquer palavra sobre o óbvio… o clã das 5 irmãs estava outra vez completo. Naquele Verão de 2013, jogar Tomb Raider foi o início da terapia que nos tirou o véu da dor, nos fez recusar o botão de “Game Over” e nos devolveu o “Resume Game” que nos faz continuar nesta aventura real com a memória de quem amamos.