Quem tem medo do Lobo Mau?
Já tanto se repensou, parodiou, adaptou a história da Capuchinho Vermelho, da tradição oral francesa às versões de Perrault e dos Irmãos Grimm, passando por interpretações cinematográficas menos ou mais adultas (muito mais adultas aliás) e terminando com adaptações aos videojogos, como o The Path de 2009. Já o ano passado tínhamos ficado deliciados com Dragon Fin Soup, um dos dois jogos a serem lançados (para já) com notórias inspirações nesta história específica do folclore europeu.
Financiado em parte por uma injecção de 60.000€ do Fundo Audiovisual da Flandres e perto de 70.000€ pela campanha de Kickstar, Woolfe: The Red Hood Diaries é um jogo de plataformas 2.5D que nos traz uma interpretação curiosa (ainda que não inovadora) desta história popular. A doçura expectável de um conto para a infância é completamente abandonado em detrimento de uma interpretação mais negra e mais adulta. Um pouco à semelhança do que aconteceu em American McGee’s Alice, e é claro, a aclamada série de BD escrita por Bill Willingham Fables (conceptualmente adaptada pela TellTale Games a videojogo sob o título The Wolf Among Us).
O tom das histórias parece cíclico, e se o forte pendor pedagógico-aterrorizador das histórias tal como elas existiam na oralidade e nas adaptações literárias do Romantismo se foi aligeirando com o crescimento do mercado livreiro do final do Séc. XIX e com a massificação das interpretações da Walt Disney, parece, nos dias de hoje, ocorrer um volte-face. Não é de estranhar, portanto, que os novos media acabem por recuperar esse peso conceptual e que os modernizem, os tragam para imagéticas mais próximas de correntes e linhas em voga, e de muitas formas mais vendáveis. E é isso que Woolfe: The Red Hood Diaries do estúdio GRIN Gamestudio faz, assim como a Neocore fez com Van Helsing (ainda que o conto de Stocker seja, em suma, literatura gótica): a de trazer o mundo da Capuchinho Vermelho para o ambiente soturno victoriano e steampunk que é aqui apresentado.
A imagem de apresentação já nos tinha cativado o olhar em Colónia: com uma Capuchinho enlevada pelas sombras a empunhar o seu machado de forma confiante. E essa imagem é suficiente para apresentar o tom geral do jogo propriamente dito, enquanto combatemos soldados de chumbo automatizados pelas ruas da cidade e ratos pelo esgoto, na senda quase desesperada de encontrarmos os nossos pais que poderão ter sido assassinados por Woolfe, um ditador que controla com punho de ferro o seu mundo.
Ainda em Early Access, e com a versão final agendada para Março (no PC, e nas consolas um pouco mais tarde), mas a mostrar-nos todas as potencialidades que o jogo virá a ter: desde o ambiente com forte carga industrial a demarcar o cinza generalizado, sendo a nossa personagem, com o seu manto carmim, um dos poucos pontos de vida da cidade. Para além das sequências de combate (cujas animações, acreditamos, ainda virão a ser melhoradas para o lançamento) típicas de um action-platformer com sequências de hack ‘n slash, conta também com a possibilidade de escaparmos a algumas dessas lutas com secções furtivas.
O enredo, pelo que já foi possível descortinar, faz um ensemble à la Fables (e vá, Once Upon a Time) já que a boss battle que temos durante o jogo é contra o Flautista de Hamelin nos esgotos da cidade. Ainda com deficiências de sincronização labial, o voice-acting do jogo está num óptimo nível, com uma qualidade muito surpreendente para um pequeno estúdio indie. Para já Woolfe: The Red Hood Diaries demonstra-se como um dos grande lançamentos deste primeiro terço do ano, e que possivelmente passará incógnito à grande maioria dos jogadores. O seu primoroso estilo gráfico e jogabilidade afinadas (ainda a destoar das animações presentes nesta fase pré-lançamento) são verdadeiramente surpreendentes, e percebemos que os perto de 150.000€ disponíveis para a sua produção foram empregues com todo o talento, paixão e devoção.