O poder do voto

Descobri EarthBound em 1999 numa verdadeira demanda por RPGs da era SNES. Entre verdadeiras preciosidades que merecem estar no top de jogos obrigatórios da História dos videojogos, aquele que é conhecido no seu título original como Mother 2 não  deixa de ser um deles. Completamente inositado e surpreendente, EarthBound demarcou-se do género por apresentar um setting contemporâneo, mundano, tão distante da fantasia épica que os seus antecessores gloriosamente pautaram como o tom do género. E é essa demarcação que o fez criar uma base de apoio e um fandom que se estende até hoje, quase vinte e um anos depois do seu lançamento, e que vai criando algumas inspirações e influências em muitos game developers.

O Kickstarter tem trazido muitas homenagens a jogos clássicos à luz da contemporaneidade, com mais ou menos sucesso e ainda maior ou menor qualidade, e é sempre triste quando vemos um jogo no qual acreditamos ficar aquém do financiamento e desaparecer no limbo a que são fadados os projectos falhados de crowdfunding. Mas felizmente que existem algumas raras ocasiões em que algumas editoras percebem o potencial de dado projecto e o resgatam dessa terra de ninguém que são os projectos não-financiados por crowdfunding. Local de onde a ATLUS resgatou Citizens of Earth do estúdio Eden Industries.

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Citizens of Earth sabe tanto a EarthBound que muitos poderiam descrevê-lo como um projecto glorificado de fãs e pouco mais. Uma homenagem em formato de produto final, ou uma ténue materialização da quarta sequela de uma série que parece não chegar. Mas Citizens of Earth é muito mais do que isso, e soube pegar em toda a influência de EarthBound (do qual seria impossível afastar-se) e criar o seu próprio espaço e percorrer o seu próprio caminho.

Neste jogo damos a vida ao recém-eleito Vice-Presidente do Mundo, uma espécie de cruzamento entre o Conan O’Brien e o Adam Baldwin em formato cartoon, e que terá de resolver uns quantos mistérios e combater uma série de ameaças com o nosso auxílio e com o de umas dezenas de personagens. Aqui o protagonista não combate, ele fica na linha de trás a dar ordens à equipa, fazendo-nos encarnar no personagem num formato meta, à semelhança dos Treinadores na série Pokémon. E à semelhança da série da Nintendo temos cerca de quarenta personagens para alistar à nossa equipa (leia-se capturar), através da resolução de side quests. Só que todos os personagens que nos acompanham são hilariantemente escritos, brilhantemente construídos e resumem de uma forma humorística alguns estereótipos que representam. Desde o Tipo da Conspiração que causa penalizações às estatísticas dos inimigos ao revelar-lhes segredos governamentais, passando pela nossa Mãe que consegue curar com um abraço e que dá dano a monstros com sermões, ir progressivamente recrutando todos os personagens que existem e vamos percebendo o quão genéricos eles são, e quão genéricos são os seus “poderes” e habilidades. O Tipo do Ginásio, o Padeiro, a Polícia, a Jornalista, o Professor, são todos parte de um elenco bem-escrito e que justificam a massiva caça à side-quest que é  na prática este Citizens of Earth.

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Visualmente o jogo é absolutamente brilhante. A sua estética de animação tradicional de sábado de manhã executada na perfeição fá-lo evidenciar-se dentro do género. As exímias animações e tom geral “cartoonizado” conferem-lhe uma grande abrangência de público-alvo, ainda que grande parte do subtexto (e mesmo do texto) do próprio jogo esteja acessível apenas “aos mais velhos”.

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Apesar de podermos desviar-nos dos inimigos (os encontros aleatórios não são assim tão “aleatórios” e podemos ver os inimigos no mapa), existe uma dose de grind em todo o jogo. A história principal não permite margem de tempo para que consigamos evoluir todos os (cerca de quarente) personagens que vamos encontrando, o que nos resta apenas duas hipóteses: levá-los para a escola para evoluírem (semelhante ao Day Care Center da série Pokémon) ou fazer um grind excessivo para nivelar todo o elenco. Com a quantidade gigantesca de personagens existentes penso que os seus criadores poderiam ter aligeirado este peso trazido pelo grind através da atribuição passiva de XP pelos restantes personagens que estão fora de combate. É que enviá-los à escola ainda custa um mui-suado dinheiro, criando

O melhor: o humor, a homenagem a EarthBound, a estética, o texto e o elenco

O pior: o excessivo grind, e a repetição em que o jogo cai

Citizens of Earth é um dos grandes contributos para os RPGs por turnos fora dos típicos settings. Todo o processo de quase desaparecimento do jogo por falta de financiamento deixa-nos a pensar que se não fosse a aposta da Atlus e teríamos não só perdido um dos mais originais jogos do género, dos mais bem-escritos, e que é simultaneamente uma grande homenagem a EarthBound

Citizens of Earth está disponível para PC, PS4, PS Vita, Wii U e 3DS. Analisadas as versões de PC, Wii U e 3DS.