O Rubber Chicken teve o privilégio de experimentar (a versão Beta (da segunda encarnação) de) Tradiio.
Era de noite. Ao nosso lado, o Tejo encontrava-se com o Oceano Atlântico; as ondas rugiam do outro lado da parede de vidro, batiam contra as rochas, pretas espessas.
“Conta-me”, disse eu, “o que é que é o Tradiio?”.
E a outra pessoa, que estava (e ainda está, acho eu) a trabalhar no Q&A do jogo/plataforma, disse-me: “é um music discovery game. Os utilizadores podem…”
“Espera”, (eu).
A outra pessoa olha-me nos meus olhos, irritada, talvez desconfiada.
“Posso escrever que estamos num restaurante a beber e fumar charutos…?”.
“Não.”
“Tipo história de espiões…”.
“Não. Isso está fora de questão“.
Tínhamos ambos um ar muito sério. Tipo espiões; estávamos a jantar num restaurante em Cascais.
“Posso recomeçar?” (falou mais baixo).
“Hum-hum”, (eu, mais baixo, também).
“Então, um, os utilizadores investem em músicas (tipo bolsa) para ganharem moedas virtuais”.
“Hum-hum”.
Olhei para o lado direito, para confirmar que ninguém nos estava a ouvir. Um senhor olhava fixamente para nós, do lado esquerdo; comia uma dose de truta.
“Dois, com isso podem comprar bilhetes para festivais e afins”.
“Hum-hum”.
“Três, os músicos jogam este jogo ao contrário: tentam arranjar investidores para pôr as suas músicas nos top charts. Essas músicas são vistas por gigantes como a Universal Music, e os músicos ganham acordos, concertos, por exemplo no Musicbox, gravações, etc.”
E assim me foi descrito, pela primeira vez, um jogo sobre o qual nada sabia, e que nunca tinha ainda visto em acção: à beira-mar, a beber whisky; um “jogo” não, na verdade: uma “plataforma ludificada”.
Ninguém se tem calado nos últimos anos sobre a “ludificação” e de como vai tomar conta da nossa cultura mas, embora não duvide que seja verdade, até agora tenho visto muito pouco; tenho visto cada vez mais jogos que usam “lógica de casino” de forma implacável, experiências quase vazias mas altamente viciantes, mas tirando redes sociais – tenho a certeza que aquele barulhinho de notificações do Facebook foi desenvolvido por psicólogos maquiavélicos – nunca experimentei nada fora da esfera dos jogos que tratasse os seus utilizadores como jogadores, até ter experimentado Tradiio; é um híbrido perfeito que se encaixa no centro dessas duas esferas, dos jogos e dos não-jogos.
Tem sido muito estranho “jogar” Tradiio, sobretudo do ponto de vista de redator; metade de mim acha que não lhe devia dedicar um artigo num site de jogos, por outro lado, outra metade acha que sim, porque há mais cuidado no seu game-design que em muitos jogos que destacamos aqui. Do ponto de vista de jogador, sinto-me, de facto, como se estivesse a investir na bolsa; não só pelo sistema em si, mas por sentir de vez em quando que não sei bem o que estou a fazer – a interface é muito intuitiva e o estilo gráfico está muito bom, mas falta qualquer coisa ainda; não sei bem o que é que falta, mas sei que falta, ou sinto.
Como escrevi mais acima, esta é a versão Beta da versão 2.0 de Tradiio: (segundo me foi contado) a equipa que está a desenvolver do jogo é portuguesa, já houve um Tradiio antes deste Tradiio, e o mercado que tentaram conquistar era também português; já não é o caso: depois de investimentos e parcerias estrangeiras, Tradiio quer conquistar o mundo, qual navegador dos Descobrimentos Portugueses da Internet.
“Olá Isaque,
[…] O meu nome é [censurado] e sou uma das responsáveis pelo contacto com o utilizador, no Tradiio.
Reparámos […] que ficaste no nível 6. Queria fazer-te umas perguntas para podermos melhorar a experiência da plataforma.
Foi porque tinhas poucas moedas? Gostaste das músicas? Achaste o jogo interessante? Outro motivo?
[…] Muito obrigada e beijinhos.”
O jogador/utilizador tem ao seu dispor um catálogo de músicas – inúmeras e de diversos géneros – e a ideia é investir em músicas, isto é, gastar-se “moedas virtuais” em músicas que se ouviu, e das quais se gostou; quantas mais “moedas” os jogadores “investiram” numa música mais valiosa esta fica: a ideia é, portanto, comprar “barato” e vender “caro”, tal e qual como na bolsa, ou por outras palavras, investir-se em músicas desconhecidas nas quais sabe-se que uma grande quantidade de gente vai também investir, ou ainda, descobrir-se músicas novas que muita gente vai gostar.
É uma ideia original e, até agora, do que vi, bem executada. Mas dizer isso é dizer pouco – ainda há features por implementar, e é um conceito tão estranho, tão experimental, que sinto sempre que me está a escapar alguma coisa, que não estou a ver a “big picture”, parece que falta algo; para além disso, é impossível prever no que é que a plataforma se vai tornar quando atingir uma escala maior, quando o jogo tiver milhões de utilizadores.
“Olá [censurado],
Após passar algum tempo de volta do Tradiio […] não sei se posso chamar-lhe mesmo de ‘jogo’. […] Acho que é uma boa plataforma para encontrar música, […] das melhores que conheço. Tendo em conta o pouco tempo que costumo gastar em plataformas dessas, acho que o tempo que já investi no Tradiio diz muito sobre o quão bom que é.
[…] Quanto à natureza do jogo em si, só vejo uma pequena falha: investir na bolsa, por exemplo, em ações do McDonald’s, não me obriga a já ter comido um Big Mac – e para “jogar” Tradiio, não preciso de ouvir música de todo. O fluxo de compras e vendas é quase aleatório. […] Mas também posso ter o Spotify aberto em mute – ir-se a um site de música para não se ouvir música é pointless; portanto, também não sei se posso chamar-lhe de ‘falha’.
Continuação de bom trabalho (que até agora está impecável, parabéns à equipa).”
O fumo rodopiava do cinzeiro para o tecto. Eu tinha um charuto na boca. Aquilo que tinha acabado de ouvir era incrível, revolucionário. Podia mudar o país. Será que podia acreditar naquela pessoa?
Seria uma armadilha? Outra invenção para roubar tempo e tiranizar a vida de incontáveis pessoas?
Fosse como fosse, seja como for, torne-se Tradiio no que se tornar, se aquela pessoa com um chapéu fedora não me estava a mentir, se der mesmo para ganhar bilhetes para festivais através do jogo, não deixo tão cedo de visitar a plataforma.
Tradiio (2.0) vai ser lançado para web browser e sistemas mobile, e encontra-se em closed-Beta.