Corvos com escorbuto

Depois de ter visitado o stand da TopWare na Gamescom havia um poster que roubava a minha atenção. Raven’s Cry era o jogo anunciado nesse poster e que anunciava mais um jogo de piratas, esse imaginário tão épico que tem feito correr milhões de dólares na indústria de entretenimento e que tem a série de filmes da Disney produzidos por Jerry Bruckheimer como a jóia da coroa em termos de sucesso e rentabilidade. É claro que os videojogos sempre tiveram jogos a abordar esta temática, e não fosse a nossa marca uma homenagem a uma das séries de piratas mais famosas de sempre e estaríamos completamente a leste das Caraíbas.

Assassin’s Creed: Black Flag é um dos casos mais recentes de sucesso nos videojogos a explorar este ambiente e a incorporar algum conteúdo na jogabilidade em terra e no mar, representando (dentro do que é possível no seu mythos) a realidade da pirataria. Ver um pequeno trecho de Raven’s Cry demonstrava logo à partida aquilo que todos sabíamos: o jogo não só queria ser Black Flag como o evidenciava em cada pequena ideia de jogo, e o demonstrava em cada polígono modelado no trailer. O problema simples desta intenção de Raven’s Cry é o mais simples exemplo de “morder mais do que se consegue abocanhar”.

Raven's Cry (1)

Apesar dos sucessivos atrasos no lançamento (que inicialmente rondava 2013, e que só o foi em Janeiro de 2015), havia uma parte de mim que esperava que o jogo fosse bom. Aliás, havia uma grande parte de mim que queria honestamente que o jogo superasse a minha quase ausência de expectativas. Havia uma parte de mim que desejava divertir-se com um jogo que tem Black Flag como inspiração, que o despe do folclore associado e que cria uma história unicamente de pirataria. Mas apesar de o desejar, a realidade é que Raven’s Cry é uma verdadeira perda de tempo.

Ter como objectivo a criação de algo e a verdadeira capacidade e talento para o alcançar são dois assuntos perfeitamente distintos. Eu posso querer produzir o próximo Warcraft e não ter nem a capacidade, nem o talento, nem o conhecimento de como o fazer. E é essa falácia que é palpável em Raven’s Cry. O combate tenta assemelhar-se ao da série da Ubisoft mas falha redondamente, desde os controlos mal ajustados, às animações excessivamente fracas, passando pelo total aborrecimento das lutas em que sentimos que andamos a brandir uma espada como um criança brinca desajeitadamente com uma mangueira numa tarde ensolarada de Verão. O combate ultrapassa o limite do enfado e cai naquela zona terrível a que tão somente podemos apelidar de “medíocre”.

O ambiente cromaticamente bem-conseguido choca em linha directa com um grafismo que se assemelha a jogos de 2003, com modelações, textura e animações a demonstrarem um jogo inacabado, fruto da falta de orçamento ou de talento para um melhor resultado. A exímia banda-sonora também choca com as linhas de diálogo inconsequentes e que se assemelham a um exercício de escrita automática dos autores surrealistas. O problema de Raven’s Cry é que há poucos pormenores bem-resolvidos ou bem-conseguidos, e os que o são acabam por ser completamente subjugados pela grande maioria de más execuções do jogo. E não me refiro apenas ao gigantesco rol de bugs e glitches que possui, que de tão frequentes quase parecem parte do próprio jogo.

Raven's Cry

À semelhança de AC: Black Flag, também Raven’s Cry possui batalhas navais. E esta é das poucas características do jogo que ficaram realmente bem executadas apesar de apresentarem uma dificuldade acima do resto do jogo. Todas as mecânicas associadas às reparações, melhoramentos do navio, assim como a possibilidade de trocarmos a nossa embarcação pelo de um inimigo derrotado são um dos poucos momentos divertidos do jogo, numa espécie de GTA dos Sete Mares.

O preço que Raven’s Cry apresenta é completamente proibitivo. Pagar perto de 55€ no Steam por um jogo que se põe em “bicos de pés” para ser AC: Black Flag e que o falha redondamente, e que representa quase o triplo do preço actual do jogo da Ubisoft. E é um daqueles jogos que só devem comprar se tiverem uma obsessão incotrolável por jogos de piratas, e a respectiva compulsão por adquiri-los. Mas se querem o nosso conselho guardem o vosso dinheiro para jogos bem, bem melhores.

O melhor: o ambiente, a banda-sonora, as batalhas navais

O pior: o jogo na sua totalidade, o visual datado, as animações toscas, o combate mais do que sofrível

Raven’s Cry é um claro exemplo da falta de realismo de uma equipa de produção. Não se pode dizer que tenha prometido muito, mas aquilo que acabou por apresentar no lançamento é uma fraca cópia de Assassin’s Creed: Black Flag, daqueles produtos que nos anos 1990 tão simpaticamente com toda a nossa portugalidade apelidávamos de “coisa dos 300(escudos)”. Eu bem gostava de ter gostado deste jogo e de me ter divertido, mas infelizmente isso não aconteceu. E ninguém me devolve as horas enterradas neste jogo. “Táchorare?” diria esse génio contemporâneo de seu nome Jesus. Ao que eu responderia “Sim, estou”.

https://www.youtube.com/watch?v=0mPJlNJN7gY

Raven’s Cry é um exclusivo PC, PS3 e PS4. Analisada a versão de PS4.