É sabido que os japoneses têm sempre formas muito criativas de observar o mundo que rodeia a sua ilha e muitas das ideias mais inovadoras do mercado dos videojogos tiveram origem neste território que muitos de nós sonham em conhecer. A Guerra das Consolas é apenas mais um assunto que os nossos amigos japoneses “niponizaram”, tornaram seu, e deram uma roupagem e interpretação que dificilmente teriam cabimento em qualquer outro mercado. Porque acima de tudo essa “niponização” e metáfora japonesa da Guerra das Consolas materializou-se numa série de videojogos com imenso sucesso comercial e com boas avaliações da crítica. Falamos obviamente de Hyperdimension Neptunia.

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As minhas consolas não são assim tão bonitas…

 

Há uma charneira muito fina entre a paródia e a metáfora, e a série criada pela Idea Factory dança alegremente por essa linha como uma idol em pico de carreira. A subtileza de todo o setting (ou a falta dele) acaba por rasgar-nos sorrisos na cara, de percebermos a quantidade gigantesca de piadas auto-referenciais que são tecidas ao longo do jogo, e que servem melhor ou pior para mostrar a beligerância mercantil que vivemos no mercado das consolas. Beligerância essa que muitos consideram ser a força motriz da própria indústria, mas que muitos outros afirmam ser o veneno que vai lentamente definhando a criatividade no game developing no segmento dos AAA. Mas isso é uma discussão para mais tarde…

Em Hyperdimension Neptunia conhecemos o mundo de Gamindustri, dividido em quatro regiões Planeptune (alusão clara à Sega Neptune), Lastation, Lowee e Leanbox (perfeitamente auto-explicativas) onde quatro deusas lutam entre si para obter market shares dos seus países, e em que cada uma delas representa respectivamente uma consola de cada uma das marcas metaforizadas. Neste misto de rivalidade/companheirismo tão típico das narrativas anime, com personagens a apelar ao fan service e ao exageros que fazem as delícias de todos os otaku, as quatro Deusas (CPUs, no original, que significa Console Patron Units) e as respectivas sidekicks lutam com inimigos comuns, em especial Arfoire (alusão aos flashcards de NDS que permitem jogar jogos piratas), cujo objectivo é derrotar as protagonistas e governar Gaminustri. Nada de novo a Oriente. Apenas a necessidade de ilibar qualquer uma das personagens e respectivas paródias às marcas reais, criando um opositor cujo objectivo é destruir o status instalado da benéfica (?) Guerra de Consolas. E esse inimigo comum é a pirataria.

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Tantas consolas. Todas com nomes de cópias mal-feitas compradas nas lojas dos chineses.

 

Depois de jogarmos Hyperdimension Neptunia Re;Birth 1 para Windows e Hyperdimension Neptunia Re;Birth 2: Sisters Generation (não havia nome mais comprido?) para PS Vita, respectivamente os remakes de Hyperdimension Neptunia e Hyperdimension Neptunia mk2, assim como Hyperdevotion Noire: Goddess Black Heart, o spinoff lançado há alguns dias para a PS Vita, sentimos que esta gigantesca paródia que acompanha o grande arco de história da “Guerra das Consolas” é uma belíssima forma de falarmos da aguerrida forma como os videojogos têm avançado graças à (quase) sempre frutífera influência da concorrência. Mas nunca antes sem apontar uma pequena falácia, para mim, que aqui surge, e que já referi no parágrafo anterior. É um lugar comum considerarmos a pirataria como a neoplasia que afecta todos os mercados, e cuja existência justifica (?) as quebras de vendas do cinema e da música. Mas quase nunca é referenciado o quanto a mudança de paradigmas, e a alteração de hábitos de consumo, passando pela falta de competitividade que os preços do mercado digital possuem em comparação com o mercado retalhista. E este argumento falacioso, o da pirataria, cai também por terra quando percebemos e analisamos os gráficos de crescimento económico dos videojogos, que de ano para ano vêem os seus lucros a aumentar, ainda que o mercado viva o período de maior competitividade. E quem refere a pirataria como um inimigo comum do mercado dos videojogos esquece-se porém da gigantesca falácia facilmente rebatida pela maior plataforma de vendas digitais do mundo, o Steam, quando aumentou exponencialmente as suas vendas em dois territórios onde a pirataria governava, a Rússia e o Brasil, apenas com a criação de zonas “especiais” de preço, em que os habitantes dessas regiões pagam os jogos a preços bem mais acessíveis que os restantes. Não falando para já da eventual injustiça de prática de preços num mercado que se considera uno e global, mas a realidade é que a Valve atingiu dois objectivos distintos: aumentou de forma incomparável os seus lucros em dois grandes mercados como o russo e o brasileiro, baixando a pirataria, em simultâneo, para números historicamente baixos.

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A personificação da pirataria, por um sonhador concept artist japonês

 

Depois de jogarmos os três títulos de Hyperdimension Neptunia deixaria algumas questões aos criadores. Será que o futuro de Gamindustri e a estabilidade de Gamarket (o mundo de Hyperdevotion Noire) não dependerá de outros factores que não a pirataria? Apontar o dedo à pirataria não é uma espécie de paralelismo com a tuberculose, que não estando erradicada está, porém, controlada? E não afectará muito mais o equilíbrio de Gamindustri a falta de conteúdo, inovação (que não em potencialidades técnicas) ou posturas híper-mercantilistas de jogos lançados sem estarem devidamente afinados, e com DLCs de dia 1 que inflacionam grandemente o preço de cada jogo? E não estará a própria Gamindustri numa postura endofágica a contribuir para o seu declínio com uma Guerra de Consolas insípida e com muito poucos argumentos a servir de munição para a batalha? Talvez a resposta a algumas destas questões sirva de combustível para argumentos dos próximos jogos da série (que o sucesso da mesma tem permitido o lançamento de quase um título por ano). E justifica-se, não só para fãs de JRPGs, mas também para quem gosta de observar esta postura tão meta e tão auto-reflexiva sobre o mercado dos videojogos, a série Hyperdimension tem uma série de razões que justificam a verdadeira legião de fãs que tem criado por todo o mundo. Espero porém, que numa postura de compreensão do mundo a ser metaforizado, que as protagonistas possam ser elas mesmas as vilãs da série, ou o surgimento de novos inimigos, como por exemplo um vilão que cobra dinheiro a cada uma das CPUs por tudo o que faz no jogo, ou um outro inimigo que de tão incompleto não inflinge dano, porque sempre que se movimenta atravessa as paredes e o chão, caindo no vazio desconhecido do para-lá-da-programação.