Falar de Dragon Ball é referir a maior febre dos anos 1990. O fenómeno de Son Goku foi tão avassalador que Dragon Ball (em especial Dragon Ball Z) não era apenas uma série de animação nipónica seguida por miúdos e adolescentes. Mas sim algo generalizado, visto por gente de todas as idades e que literalmente parava Portugal, e tornou-se – se a memória não me falha – a única série de animação a ser emitida em horário nobre.
Eu percebia a total abrangência da série: era épica, emocionante, e a sua acção (ainda que tivesse episódios em que não acontecia rigorosamente nada) conseguia cativar miúdos e graúdos. Eu via pela realidade que tinha em casa. Como estava no liceu o meu avô gravava-me os episódios diariamente em VHS e quando eu chegava ao final da tarde íamos os dois para a sala ver o episódio do dia. Acredito piamente que Dragon Ball, apesar da violência, conseguiu ser das poucas séries de animação a unir famílias inteiras em torno da televisão.
Lembro-me de ler sobre casos extremos, tais como quartéis e bases militares que “congelavam” por completo pelas 16h, e em que todos se deslocavam para as Salas de Convívio para verem o episódio do dia. Ou homens de barba rija que tinham fotografias do elenco naquele lugar da carteira onde a maioria das pessoas guardam imagens da mulher e dos filhos. Eu à época não tinha namorada, mas o meu vício não me impelia a andar com o Trunks (o meu personagem favorito) no porta-moedas. Mas por outro lado a série ajudou-me a emagrecer. E bastante. É que o dinheiro certinho e contado que eu levava diariamente para a escola para lanchar era gasto todos os dias em fotocópias de impressões tiradas desse mundo transcendente (à época) chamado de internet. Ainda hoje guardo na casa onde cresci essas fotocópias. São a memória da dieta mais prazerosa que algum dia fiz.
Nessa época tudo o que viesse do lápis de Akira Toriyama era ouro, fossem cromos do Bollycao, estojos, recortes de revistas, acabando nos videojogos das já algumas consolas que existiam no mercado. E é neste momento que devemos tirar os óculos da nostalgia, pousá-los e falar abertamente: ao contrário do que a nossa memória nos indica, Dragon Ball Z: the Legend, o jogo de Saturn e PS1 (notabilizado no nosso território, através de importação francesa na consola da Sega) é um péssimo jogo. Naquele limiar do não-jogo que nos pede apenas para agredir violentamente os botões do comando, DBZ: the Legend só nos conquistou pelas animações e sprites que eram fiéis (à época) com a série. Para mim, apenas com a série Budokai Tenkaichi é que Dragon Ball teve a merecida adaptação a videojogo, apresentando mecânicas de combate que oscilavam entre a estratégia mais complexa e um feel quase arcada em alguns momentos.
Dragon Ball XenoVerse conseguiu, através das sucessivas campanhas e vídeos que foi publicando, manter a minha curiosidade desperta. Há já algum tempo que nenhum jogo de DB me conseguia aguçar a atenção (digamos que desde Budokai Tenkaichi 3) e a expectativa que fosse finalmente este o meu reencontro com bons videojogos em torno da propriedade intelectual de Toriyama crescia. Infelizmente não foi esse o caso. Ou foi apenas parcialmente. Há demasiados sentimentos opostos em torno deste jogo. Mas já vamos perceber o porquê.
O usual de quase todos os jogos de Dragon Ball era percorrer a história que todos conhecemos de trás-para-a-frente, derrotando em sequência todos os inimigos dos Guerreiros Z, e indo desbloqueando-os como personagens jogáveis. XenoVerse acaba por ser a verdadeira inovação neste sentido. Para além de se afastar da fórmula de arena brawler, DB XenoVerse quis ser RPG, e em alguns aspectos um pseudo-MMORPG, centrando o protagonismo do jogo não em Goku mas em nós, e nos nossos personagens. É que a História tal como a conhecemos está a ser alterada por uma entidade desconhecida, e cabe-nos a nós, protectores da Linha Temporal, conduzir vários momentos do tempo ao seu estado natural.
Assim que começamos o jogo sentimos o forte pendor de RPG de XenoVerse: somos presenteados com um ecrã de criação de personagem do qual podemos escolher uma de cinco raças: Humanos, Saiyan, Namek, Majin e a raça do Frieza. Sendo um dos meus personagens favoritos da série tive de optar por este último, e tentar criar o personagem mais distante possível da aura de castratti que o Frieza emana.
A partir daí caímos no mundo, ou aliás num hub world, que servirá como base de todo o jogo. E é aqui que parte do meu descontentamento com o jogo cai: existe uma quebra de ritmo gigantesco com a decisão da Bandai Namco em assimilar este jogo à dinâmica típica de um MMORPG. Entre termos balcões onde nos temos de dirigir para obter side quests (offline e online), a termos de calcorrear o mapa todo até encontrar o Trunks para progredir no modo de História, XenoVerse demonstra repetidamente um ritmo que nos vai aborrecendo. Convenhamos que se o combate é grande parte do jogo, a necessidade de termos de procurar o NPC certo para finalizar quests é um pro forma que muitas vezes nos aborrece, e que me fez muitas vezes jogar menos horas seguidas do que era a minha intenção.
Todos os combates, mesmo os que perdemos, permitem-nos receber XP (e consequentemente subir de nível) e receber dinheiro para novas roupas/itens. E as minhas dúvidas tinham-se dissipado por completo: Dragon Ball XenoVerse é assumidamente um RPG que queria ser um MMORPG com arena brawling, mas que ao querer ser todas estas coisas fica naquela área cinzenta que que tenta alcançar tudo sem alcançar nada.
O combate é notoriamente mais casual do que outros jogos (em especial os de Budokai Tenkaichi), demonstrando uma vontade da Bandai Namco em alargar a sua base de fãs (e compradores). Apesar de ter de me habituar ao tone-down de combate deste jogo, admito que tirando algumas falhas este acabou por ser bastante divertido. E se afinarem os maus tempos de bloqueio, evasão e teleporte, terão simplificado o brilhante combate de Budokai mantendo-o divertido. Neste momento é apenas “bom” ainda que pouco estratégico.
Querendo ser uma espécie de MMORPG, Dragon Ball XenoVerse não conseguiu em todas as largas horas de jogo que lhe dediquei, impelir-me a jogar os modos de multijogador mais do que os “testes” que lhes fiz para esta análise. Talvez o problema passe por estar a jogar sozinho, e é possível que tanto o modo de side quests cooperativo e o combate online de equipa tivessem um outro fulgor se eu estivesse a jogar com amigos. Não o tendo feito, contentei-me a jogar com desconhecidos e a sentir o mais próximo possível o que o Dragon Ball Online (exclusivo no Oriente) deverá soar. E sim, lutar contra outros jogadores online lembra-nos as tardes que passámos na nossa PS2 a fazer torneios com amigos e a esfregar o chão com as suas caras. Ou a ser violentamente fustigado por ataques Ultimate.
Mas onde este XenoVerse brilha é na qualidade visual. É claro que corresponde ao que esperaríamos de um jogo de 2015 de Dragon Ball, mas todas as modelações cel-shading, e animações entre missões são brilhantemente realizadas. E o facto de jogarmos com um avatar nosso faz-nos sentir parte integrante do mundo de Toriyama que nos fez (e faz) sonhar a todos desde há mais de vinte anos. Há que enaltecer a coragem da Bandai Namco e a Dimps de arriscarem em fugir do enredo estabelecido e criar uma série de paralaxes temporais que temos de “acertar”. Ver momentos-chave da história de Goku a terem desenrolares distintos do que todos conhecemos foi uma jogada astuta, e que justifica a existência do nosso personagem no mundo de DB.
O melhor: o visual, o enredo, a casualidade do combate tornou o jogo mais abrangente, o multiplayer
O pior: o hub world, problemas de ritmo, excessiva simplicidade no combate para os fãs da série (de videojogos)
Dragon Ball XenoVerse arriscou na decisão de querer aproximar-se de um RPG e trazer um quasi-MMORPG para o público que venera o trabalho de Toriyama mas que não tem acesso a Dragon Ball Online. O combate está a milhas de jogos anteriores, acabando por ser salvo pela maravilhosa representação visual de todo o elenco aqui presente. E visto que foi desenvolvido pela Dimps poderia ser um pouquinho mais Budokai do que é. É que assim como está sabe a pouco.
Dragon Ball XenoVerse está disponível para PC, Xbox One, Xbox 360, PS4 e PS3. Analisada a versão de PC.