Pelos meandros da internet existem uma série de referências ao termo tibetano tulpa, que não é mais do que uma conjuração de um pensamento em forma física. É claro que da apropriação espiritual do Budismo-Tibetano até às deambulações livres dos internautas em histórias de terror, criações de amigos imaginários e uma série de mitos urbanos modernos que se vão materializando como verdadeiras tulpas. A realidade é que não fosse a pesquisa que fiz quando conheci Tulpa na Gamescom 2014, e provavelmente nunca me cruzaria com o termo.

O primeiro impacto que o jogo tem em nos é lembrar-nos em muito aspectos a jogabilidade e ambiência do Limbo. Mas Tulpa pega nessa inspiração e leva-a mais longe, até um mundo surreal que poderia ser a tradução em videojogo de um texto de André Breton ou de um quadro de Chirico. Arte é acima de tudo o que trata este jogo lançado pela Rising Star: um mundo onírico, surreal, com um visual quase poster construtivista e uma estética hiper-contrastada que ajuda a criar este mundo irreal, desesperado, em que os protagonistas habitam.

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Tulpa é a história de um amor que terminou cedo entre os dois protagonistas, Ophelia, a corpórea personagem que salta, corre (ainda que lentamente) e que consegue activar alavancas e empurrar caixas, e o seu amado Oliver, que se suicida logo nos primeiros momentos de jogo. Oliver é um espírito, a materialização do amor e da saudade de Ophelia, e na sua condição etérea consegue interagir com elementos no cenário para resolver puzzles. É nesta dicotomia entre os dois personagens – a que está viva e o que está para além da morte – e da capacidade de interacções distintas de ambos que vamos passando, cenário a cenário, o mundo bizarro de Tulpa.

O visual e o áudio ajudam a criar uma experiência única, e uma narrativa que avaliando bem, não é assim tão pesada para o tema subjacente. Há uma aura de tristeza que ensombra todo o jogo, que é cimentada pela incapacidade dos dois personagens de estarem muito distantes um do outro sob pena de se estilhaçarem. E é numa sequência de metáforas que esta história de amor e suicídio se desenrola, em que a separação e a tristeza não parecem ser o tema geral mas apenas uma segunda linha de compreensão. Parece-me que é aquela linha entre a sanidade e a loucura é que demarcam o tom do jogo, a vulnerabilidade que sentimos a nível psíquico perante qualquer evento traumático. O que deixa a dúvida se Oliver realmente existe segundo um exemplo de tulpas ou se é uma metáfora para essa zona conturbada onde Ophelia poder-se-á estilhaçar mentalmente a qualquer instante.

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Tulpa é extremamente curto na sua progressão bizarra. Os puzzles acompanham a estranheza crescente em todo o jogo, e à medida que tudo em volta vai sendo cada vez mais surreal, também os puzzles vão perdendo o seu sentido. E é aqui que caiem uma série de “tiros ao lado” de Tulpa: ainda que muitos dos puzzles sejam bem-pensados e que joguem bem com a dicotomia dos personagens, muitos há que são puramente frustrantes, mal-conseguidos, e que requerem um pixel hunt que pouco se ajusta à ambiência criada.

O melhor: o visual, a ambiência, a experiência

O pior: alguns dos puzzles são apenas frustrantes

Tulpa é uma boa experiência no nicho de jogos artísticos, emocionais, e que tentam colocar os videojogos noutro cesto mais intelectual que revolve em torno da experiência em si e não na diversão. Ainda que curto, acabamos por percorrer a jornada que os criadores conceberam de forma algo superficial, e sem qualquer sentido de realização à medida que o jogo vai avançado. Uma boa experiência mas um puzzle platformer mediano. Recheado de boas imagens que são gravadas na nossa mente, como uma forca numa árvore a encimar uma cadeira que é pontapeada, e cujo simbolismo é suficiente para pautar este jogo, onde o amor e o suicídio coabitam um mundo de tristeza.

Tulpa é um exclusivo PC.