Análise a Ori and the Blind Forest

Durante a Gamescom 2014, experimentei Ori and the Blind Forest pela primeira vez. Não fiquei impressionado. Parecia mais um jogo de plataformas e de básicas mecânicas como há tantos outros em excesso neste mercado (não que seja condenável), mas com uma arte notável e maravilhosa de se observar. Não escrevi uma antevisão sobre Ori porque tive a sensação que poderia estar a desconsiderar um trabalho artístico que merecia mais do que uma semi-análise a um excerto jogável que não expressava a sua verdadeira essência. Teria neste momento de apagar quase todas as palavras, porque o que joguei nesta versão final foi muito mais além de uma simples demonstração de qualidade gráfica. Já com este resultado final fiquei impressionado, emocionado, sobre-excitado e explicarei a seguir porquê.

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Ori é um espírito da árvore caído de uma tempestade, acolhido por um ser chamado Naru que o adopta como um filho. Quando Ori se vê sozinho por razões mais pesarosas, começa a sua jornada acompanhado por uma energia luminosa chamada Stein, que o guia pela floresta encantada e que tem o poder de combater os inimigos ou relacionar-se com alguns recursos do meio envolvente. O papel de ambos é de restaurar a floresta recorrendo aos elementos da natureza: água, fogo, vento, mas há também como que um elemento espiritual presente nesta aventura fantasiosa. A espiritualidade e as forças da natureza conjugam-se no contar desta história em que a esperança, a aceitação, o amor, o sacrifício, a cooperação e o perdão são como um vinho do porto bebido aos golinhos que nos deixa uma leveza no ser.

Ori and the Blind Forest apresenta-se como quadros unidos pintados à mão com uma atmosfera deliciosa em que podemos explorar numa base RPG, mas muito mais vincado em plataformas e mecânicas muito bem afinadas. O mundo que exploramos é um só, transformável, dividido por zonas que se identificam com os elementos naturais, desde as zonas geladas a vulcânicas e passando por pântanos a densa floresta. Neste sentido, é um mundo aberto visto em 2D, cheio de mistério e segredos que vão ficando expostos à medida que Ori desenvolve as suas capacidades para conseguir ultrapassar obstáculos e aceder a determinados pontos do mapa – um mapa que não pára de crescer e nos faz perceber que não é um simples jogo feito entre 3 meses a um ano. É um jogo que demorou 4 anos a desenvolver, que teve direito a uma orquestração magnífica não só Musical (mesmo sem ser das melhores composições) mas para todo o seu conjunto.

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O que me deixou emocionado? É difícil explicar sem spoilers. Mas como referi anteriormente, a espiritualidade está presente e vai ao encontro das mais gratificantes emoções humanas. Não é algo que nos possa tocar profundamente como se fosse uma personagem com quem realmente nos envolvemos, com troca de informação muito mais pessoal ou que nos faça parte integrante da história, mas consegue passar uma mensagem tão comovente e afectuosa como faz a arte, os sons ou a Música. Dito muito pessoalmente: é lindíssimo. Não é apenas “elegante” ou apenas “bonito”; é uma suma de tudo o que é belo, mesmo que o belo seja para alguns subjectivo quando se aprecia mais o “dark side” (aquela introdução de Dark Souls… aquele ambiente de Call of Cthulhu… ou aquela aparição de Molag Bal…). A emoção também surge das personagens: são poucas e memoráveis, que apenas por gestos, olhares ou por uma linguagem que não é perceptível consegue-se entender o que sentem. E transmitem sem grande esforço e por poucas palavras uma mensagem ao longo da história como de um conto animado da Disney Pixar, de uma produção de Brad Bird ou de clássicos da Nintendo todos num só.

O que me deixou sobre-excitado? As mecânicas, os momentos de pacing acelerado para fugir pela nossa vida e o excesso de mortes, que não são apenas resultante do pacing acelerado. Ori and the Blind Forest é muito “bonito” mas damos por nós a dizer uns palavrões que ferem a susceptibilidade da mãe do Maurício um pouco como quando se joga Spelunky. Não é excessivamente penalizante como Spelunky, tendo em conta que este tem a agravante de ter níveis randomizados, mas ambos conseguem transmitir o mesmo sentido de recompensa, seja após várias tentativas e erro ou por milimétricos desvios do percurso certo e que confere algumas surpresas. E as surpresas também acumulam gradualmente com novos poderes que Ori vai obtendo ao longo do seu percurso pela floresta, permitindo alternando e combinando os mesmos para novos desafios em espaços pensados com um design inteligente.

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O melhor: Todo o seu conjunto e o sentido de recompensa que não faz largar o jogador do ecrã.

O pior: tentativa e erro pode ser frustrante e afastar o jogador do ecrã.

 

Espero em Dezembro de 2015 recordar-me de Ori and the blind Forest como um dos jogos do ano, porque é o que revela ser neste momento. Combina uma arte exímia, um design de níveis inteligente, personagens afectuosos, uma agradável banda sonora, sons graciosos, tudo num elevado contexto de qualidade. Consegue absorver-nos por algumas horas sem intermitências, consegue gradualmente dar ao jogador novas razões para continuar a jogar com uma mecânica e elementos físicos muito afinados. Não é só bonito ou elegante. É muito mais do que isso. É uma das razões que credenciam os Videojogos como uma forma de arte.

 

Versão testada: Xbox One. Também para Xbox 360 e PC Steam.