Querida Capcom,

Escrevo-te esta carta com bastante apreensão porque não quero que te chateies comigo. Não é pessoal. Embora seja dirigida a ti, esta é no fundo uma carta que escrevo para todos os criadores de Survival Horror. Dirijo-me a ti porque foste o mais recente veículo da minha incursão num jogo de “Sobreviver ao Horror”, e por isso és o meu emissário desta mensagem. Pensa nestas linhas como uma carta de Amor – as palavras de alguém que Ama o género que crias e que só quer o melhor para ti.

Sabes que adoro Survival Horror – desde muito pequena que sou fascinada pelo género de Terror em todas as suas formas. Adoro Stephen King, George A. Romero, Edgar Allen Poe… o medo é uma das 5 emoções com as quais nascemos (aquelas que não se aprendem) e sempre acreditei que lutando com o que nos assusta, vencemos os únicos demónios que existem (aqueles que habitam por detrás dos nossos olhos) e que nos matam silenciosa e vagarosamente. Os jogos foram sempre, para mim, um veículo activo – um transformador – nessa luta.

Desculpa esta introdução e desvio do que realmente importa nesta carta, mas acho que entenderás melhor tudo o que tenho para te dizer depois desta explicação.

Estava há muito tempo desiludida contigo. Desde o genial Resident Evil 4 que nunca mais tinhas lançado um título que valesse a pena jogar. Sim, o 5 não foi mau de todo… mas não ser mau de todo não quer dizer que seja bom. Desde o Resident Evil 4 que tem sido uma travessia num deserto árido, em que perdeste a tua identidade e lançaste jogos de franchise como jogada monetária. Tal como com os filmes protagonizados pela deslumbrante Milla Jovovich, tornaram-se algo a evitar. Mas desta vez, com este Revelations 2, conseguiste recuperar alguma da tua essência. Sinto que estás a tentar regressar às origens e a querer voltar àquilo que fez de ti a definição de um género.

Juntaste-te à moda lançada pela Telltale e lançaste um jogo por episódios. Gostei. Foi uma óptima jogada. Quando se lança algo por episódios permite-se estudar o público – ver como este recebeu cada episódio e ir melhorando os pequenos aspectos que os jogadores mostram que têm que ser mudados. Afinal, um jogo cria-se para os jogadores, certo? Gosto de pensar que sim.

Fizeste outra coisa bastante inteligente: lançaste um jogo totalmente focado no modo cooperativo, com duas personagens distintas a serem controladas por 2 jogadores diferentes e cada um com uma jogabilidade totalmente oposta. Os dois têm que trabalhar efectivamente em equipa para avançarem, até porque dependem directamente um do outro para percorrer todo o mundo tenebroso que criaste. Como gosto de jogar sozinha, estava preocupada com esta tua característica, mas foi muito bom ver que as minhas prepocupações não tinham razão de ser – o modo cooperativo para quem gosta do jogo solitário, como eu, está muito bem conseguido e permite-nos treinar a capacidade mental de tentar mudar de habilidades a qualquer momento para terminarmos os diversos puzzles que encontramos ou vencermos os infectados/zombies que aniquilamos. Adoro desafios mentais e por isso adorei esta tua particularidade.

Também gostei muito de podermos viver cada episódio com todas as personagens da história: primeiro com o duo Claire e Moira – bastante mais equilibradas nas capacidades e jogabilidade, e depois com o duo Barry e Natalia – aqui o Músculo vs. a Mente. Gostei especialmente desta úiltima dupla. Confesso que andar a percorrer o jogo sempre na pele de uma criança bastante sombria trouxe uma adrenalina acrescida à minha experiência. Foi muito bem pensado da tua parte: ao darem capacidades psíquicas à criança que acompanha Barry, que lhe permitem ver seres que ela, tão infantilmente chama de: “monstros”, obriga-nos a vestir a pele dela a maior parte do tempo. Ela não usa armas, logo sentimo-nos muito mais susceptíveis. Obriga-nos também a ser ultra-rápidos quando mudamos a personagem. Volto a dizer: Muito bem pensado.

Apenas um à parte: existe alguma razão para que as crianças nos vossos jogos sejam sempre tão sinistras? Esta pergunta não é só dirigida a ti, Capcom – é uma pergunta para toda a indústria. Porque é que as crianças em jogos e filmes deste género são tão soturnas? Será isto uma espécie de mensagem subliminar ao cérebro com o objectivo de controlo de natalidade mundial? Ao jogar estes jogos, ao ver estes filmes, etc, desisto da ideia de ter crianças? Que saudades da minha Clementine que era adorável em todos os seus detalhes.

Sabes o que o modo cooperativo me fez lembrar? Um dos melhores survival Horror que já joguei: Forbidden Siren para a PlayStation 2. Neste jogo, tal como tentaste fazer aqui, as acções de uma personagem num determinado capítulo reflectiam-se na personagem a seguir, e isso incluía os puzzles. Como jogávamos com quase 10 personagens diferentes em momentos distintos do mesmo dia, passávamos muitas vezes horas a tentar perceber onde é que errávamos para podermos avançar com outra personagem. Era angustiante e desafiador. Entendo que tentaste fazer mais ou menos o mesmo. Mas não aprofundaste o suficiente… ficou a faltar aquela angústia que nos leva a dar a volta aos neurónios e a questionar a nossa inteligência.

Já te disse que a história está bem escrita? Gosto de elogiar o que é bem feito. É uma história bem construída e, tendo em conta que quiseste criar algo em episódios, conseguiste deixar-nos com curiosidade necessária no final de cada capítulo para querermos avançar para o próximo. Isso não é fácil de se fazer e tu fizeste-o bem. Não tão bem como a Telltale fez com o The Walking Dead (1ª temporada), mas seria muito difícil conseguires chegar lá. Não fiques triste – fizeste um óptimo trabalho com a história. Até porque é sempre bom ver personagens que se conhece há tanto tempo e ouvirmos falar de outras que serão sempre um clássico. As personagens estão bem construídas, as vozes dos actores são inspiradas o suficiente para nos fazer gostar da pele que vestimos. Agora tenho que te dizer uma coisa: não precisas colar-te à fórmula fácil para resultar. Queres mostrar que a Moira é uma adolescente rebelde? Ela não tem que ser irritante e estereotipada ao ponto de já não a podermos ouvir porque já a ouvimos um milhão de vezes noutra pele, noutros títulos. Entendes o que te quero dizer? Olha o que a Naughty Dog fez com a Ellie – uma adolescente rebelde que é única e que nos fez amá-la. Sim – também não te peço que sejas The Last of Us… é pedir muito a qualquer um.

Sempre reparei que a banda sonora nunca foi o teu forte e neste jogo não é excepção. Mas olha que é tão importante. A música certa leva-nos para dentro de uma cena, faz-nos viver algo sem nada se passar. Deverias pensar mais nisso. Sim – a música que usaste aqui não é má… mas mais uma vez, não ser mau não significa que seja bom.

Reparei que entendeste os melhores e mais recentes títulos do género e tentaste recriar e recriar-te. Ao andar com Barry e Natalia na floresta senti-me Alan Wake. Ao lutar contra Piedro e o seu berbequim, senti-me Leon a fugir daquela criatura horripilenta de serapilheira na cabeça que me perseguia com uma moto-serra. Lembras-te? Que momentos únicos criaste então…

Agora vejo-te a transformares-te num género híbrido de Survival-Horror-Action. Volto a dizer-te: não me leves a mal. Fizeste isso como ninguém no meu muito amado Resident Evil 4 e vejo muitos sinais dele nesta tua mais recente criação.

Mas tu criaste e definiste o género de verdadeiro Horror. Aquele género que depois nos trouxe experiências irrepetíveis como Silent Hill 2 e Project Zero. A verdadeira sensação de medo. Sabes do que estou a falar? O medo de se estar sozinho mesmo que saibamos que não há mais ninguém ali. O medo de cada som que nos chega do mais infímo recanto de uma casa. O medo da nossa sombra. O medo de abrir uma porta. O medo do que não se vê – porque o que se passa na nossa imaginação é o que verdadeiramente nos assusta.

Agora que estou a terminar esta carta, sei que não te vais chatear comigo. Acho que entendeste o que te quis dizer. Afinal, sabes que te falo assim porque sou uma mulher apaixonada e quero o melhor para ti e para mim. Gostei muito deste presente que me deste – aliás foi bem melhor do que estava à espera. Só que… entende… sou mulher… estou apaixonada por ti – indústria – e por este género que criaste… Fico sempre contente quando me dás estes pequenos presentes em que vejo que te dedicaste… mas está na minha Natureza dar-te o melhor de mim e esperar o melhor de ti. E sei que o melhor de ti ainda não está aqui… Por mim, com o amor que te tenho, fico à tua espera!

Fielmente Tua… Alexa

 

O Melhor: Experiência cativante com uma história sólida, puzzles bem construídos e personagens cativantes.

O Pior: Survival Horror deveria ter mais Horror e menos Acção – tornar-se pouco assustador ao final de umas horas nunca é o que se quer neste género

Versão testada: PS4. Também para Ps3, Xbox One, Xbox 360 e PC. Proximamente para PS Vita.