Nota de editor: esta análise é um exercício de sátira e não consubstancia uma entrevista real. Por questões legais, o nome de Gustavo Santos teve de ser removido do resto do texto.

A análise de Evolve chega finalmente ao Rubber Chicken; preferi passar mais algum tempo com o jogo; não me arrependo, que depressa e bem não faz ninguém, e muitos fazem depressa e mal.

Evolve é um jogo que representa o confronto entre um predador animalesco e extraterrestre, um monstro, e uma fação humana; os dois lados querem matar-se: um lado persegue o outro a todo o custo, o outro espera pela oportunidade certa para atacar o primeiro; um lado representa a ciência, a tecnologia e a tática, o outro a genética, a força bruta, mãe-natureza.

Evolve é um jogo sobre dualidade, sobre por vezes ser-se monstro, e noutras ser-se humano. A primeira vez que tentei escrever este texto, pensei fazer um paralelismo com Jekyll e Hyde, esses dois ícones da literatura que na verdade são um só; mas desta, estou com vontade de apimentar as coisas e habilitar-me a um processo legal.

Evolve é um jogo especial; o jogo que pode falir o Rubber. Espero que o risco tenha valido a pena, e que tenha tornado esta leitura mais interessante.

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 Evolve é um jogo sobre caçar monstros, e a primeira coisa que me lembrei foi contactar Famoso Life-Coach para uma entrevista. Falámos bastante tempo ao telefone, e concordámos em fazer uma experiência; Famoso Life-Coach jogaria Evolve durante várias semanas, e eu escreveria o texto em função da entrevista que posteriormente faríamos; assim aconteceu, jogou, e escrevi. A ideia era escrever duas análises e enquadrá-las numa só – como Evolve, que no fundo são dois jogos que se fazem passar por um – duas análises contraditórias, uma escrita por um homem aparentemente literato, e outra por um monstro; e em vez de Jekyll e Hyde, temos Famoso Life-Coach Bom e Famoso Life-Coach Mau, os coautores desta análise.

Liberdade de expressão é uma coisa, desrespeito pelas crenças dos outros é outra.

Sempre que desrespeitamos alguém desta forma, estamos a trazer uma potencial ameaça para a nossa vida.

Que uns sejam apanhados e severamente julgados pelo que fizeram e que outros, os que tiveram sorte e ficaram, aprendam com isto.

– Fernando Pessoa

 

Evolve é um jogo que esteve demasiado tempo em beta, a meu ver; não conseguiu manter o público interessado; e se isso era verdade há um mês e tal, quando saiu, será mais verdade hoje – assim, portanto, vou fazer os possíveis para manter-vos entretidos – high stakes; roleta russa, apreciem – Famoso Life-Coach é uma pessoa bonita, dê-se a César o que é de César, e a Famoso o que é de Famoso, que diz e escreve coisas bonitas, mas também é uma pessoa […]

Nota de editor: parte deste parágrafo teve de ser removida por questões legais.

[…] ar que respiramos. Não há muito por detrás da sua aparente elegância; é vazio, como Evolve.

Evolve são dois jogos e não um, mas não tem conteúdo a dobrar, pelo contrário, nenhum dos dois lados é suficiente; como Famoso Life-Coach Bom explicou na sua parte da entrevista (escrito mais abaixo): “o seu pior defeito é o preço”, e como Famoso Life-Coach, a pessoa inteira, é incompleto, sente-se que é uma experiência incompleta, basta passar-se um par de horas com ele e com o jogo.

Nota de editor: a frase que continha a expressão “o seu pior defeito é o preço” teve de ser removida por questões legais.

Mas chega de empatar; comecemos.

 

Famoso Life-Coach Mau:

“Eu tenho seis livros publicados, à venda nas lojas.

“Tudo tem a sua essência; já pensaram nisso? Em Evolve, há quatro tipos de monstro, e quatro tipos de classe; cada classe tem três personagens diferentes, mas isso não interessa que são muito parecidas entre si: são só quatro; e eu tenho seis livros publicados: seis. Já pensou nisso? Escrevi mais livros do que há opções em Evolve.

“Existem poucas pessoas que afirmam com convicção, ‘sim, sou feliz!’. Esta insatisfação leva-me a pensar que temos medo de ser felizes. Que temos medo de abandonar tudo, tipo seita. Que temos medo de voltar a nascer. Tipo seita.

Evolve também tem medo, ou antes, tiveram os seus criadores e o seu publisher: também foram inseguros, mas noutros campos, de outra forma – a quantidade de diálogos entre personagens, num jogo que não tem campanha, é impressionante; é impressionante, embora os diálogos em si não o sejam: é pena que quantidade e qualidade não sejam a mesma coisa; também é pena computação gráfica e beleza não sejam a mesma coisa. Evolve é o novo Crysis – é um shooter impressionante a nível técnico, passado numa selva, no qual marines humanos lutam contra extraterrestres, e o jogador luta consigo mesmo para não se aborrecer, e contra o tédio, que vai acabar por se instalar – é o novo Crysis, mas com conteúdo bloqueado a troco de dinheiro e sem campanha.

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 “Ainda me lembro da primeira vez que lancei o portátil à cara de alguém enquanto jogava Evolve. Eu era o monstro, obviamente.

“Estava a fugir de um caçador humano, sem ter o mapa aberto, e reparo num pop-up que me diz que não posso continuar a avançar, para virar para trás; continuo, sem lhe prestar muita atenção, e sou ‘catapultado’ no sentido oposto; nem me foi dada a cortesia de uma parede invisível: o jogo decidiu que eu tinha chegado ao fim do mapa, apesar haver imenso terreno à minha frente, e cuspiu-me na direção dos caçadores.

“Um: como é que é possível que um jogo AAA de 2015, um jogo da nova geração, que é suposto ser a inovação encarnada, com design assimétrico e outras gimmicks fúteis, o último grito em jogos quer nas consolas quer no PC – como é que é possível que um jogo destes recorra a um sistema destes? As catapultas invisíveis vieram tomar o lugar das paredes invisíveis, foi? São o novo standard de mediocridade?

“Dois: eu vivo para ser feliz e poder tocar nos outros com a minha felicidade. Aquilo que desejamos nas nossas vidas pode ser criado por nós; para isso, basta que o façamos com Amor, Fé e Aceitação.

“Três: o mapa estava todo rodeado de rochas que não podiam ser escaladas; porque é que havia um buraco ali, naquele sítio? Porque é que havia um buraco que me deixava ir ‘para além dos limites’?

“Quatro: todos os dias penso sobre o Amor; todos os dias. Já pensou que a beleza de tudo o que o rodeia pode estar dentro de si?

“Cinco: se o jogo é assim, porque é que preciso de um computador da NASA para corrê-lo? Para quê ter um motor gráfico com efeitos especiais de alta qualidade – desde modelos, a animações, texturas, partículas, e tantas outras ferramentas que só servem para intensificar a imersão no jogo – para quê, se os jogadores são catapultados sempre que pisam uma linha imaginária? Que mundo de jogo é esse? A imersão é só para os screenshots?

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 “Peço-vos que se digiram à página do Evolve por uns instantes, ou que façam uma busca no Google, e que vejam a cauda do Goliath. Haverá cauda mais bela que esta? Há sim: vejam agora a cauda do Kraken. Incrível, não é? E o Behemoth, dá para verem? Ainda bem que dá, porque não dá para jogar; são quatro monstros, mas só com um pagamento suplementar; quatro é muito. E o Wraith, acham que… [e nesse momento Famoso Life-Coach foi projetado para o céu por uma força desconhecida e aleatória, e nunca mais ouvi falar dele].

Isaque Sanches:

Afinal ter catapultas invisíveis é realista, porque existem mesmo.

Felizmente, já tinha entrevistado Famoso Bom: comecei pelo fim.

Famoso Life-Coach Bom:

“Olá, o meu nome é Famoso Life-Coach, sou escritor e professor de hip-hop, e passei algum tempo a jogar Evolve com o staff do Rubber Chicken […]

Nota de editor: parte deste parágrafo teve de ser removida por questões legais.

[…] mas, ainda acerca de Evolve, deixem-me perguntar-vos:

“Um: como é que andar a comer bichos provoca mutações no monstro, se ele não tem tempo de os digerir?

“Dois: como é que andar a comer bichos provoca mutações, de todo?

“Três: se fica tão poderoso a comer bichos durante uns minutos, porque é que é tão fraco? Acabou de nascer?

“Quatro: onde é que estão os seus progenitores, a sua família, a comunidade? Como é que é suposto reproduzir-se?

“Cinco: porque é que os caçadores andam atrás de um cão E.T. para encontrar o monstro, se têm uma nave enorme no céu, a cobrir a área?

“Se pensarem bem, nenhuma destas perguntas é importante.

“Quanto mais procurarem o vosso equilíbrio nos outros ou em qualquer coisa fora de vocês, mais desequilibrado ficam. Vocês são o fiel da vossa balança.

Evolve quer ser diferente, ou antes, quiseram-no os seus criadores e o seu publisher; e mereceriam pontos só por isso, que o mercado de first-person shooters saturou com as mesmas ideias de há dez anos e tal para cá. Fazer um clone da série Call of Duty e acrescentar-lhe mechs e jetpacks não foi suficiente para Titanfall uma vez que, pelos vistos, as pessoas que compraram o jogo esqueceram-se entretanto que este existia.

“Há quem acuse Evolve de não oferecer mais aos seus jogadores do que um mero combate contra um Tank de Left 4 Dead (uma série criada por Turtle Rock, o estúdio por detrás de Evolve); discordo – na verdade, trata-se de um jogo de gato e rato, e de rato e gato. Não há nada de semelhante no mercado AAA; maior parte do tempo, quer para o monstro, quer para os caçadores, será passada a predar; a caçar o adversário; a pensar como ele.

“Os caçadores, por exemplo, são como uma coreografia de hip-hop. Basta que um dançarino cometa um erro para ficar tudo estragado, e de vez em quando é preciso improvisar; tudo pode acontecer, e é por isso que sabe tão bem quando tudo corre bem.

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 “O verdadeiro desafio em Evolve é saberemos usar a nossa empatia; a maioria dos jogos de multiplayer têm uma componente de psicologia – nos jogos de competição, quem souber entrar na mente do adversário, e pensar como este, tem sempre uma vantagem. Há quem chame isso de ‘empatia cognitiva’.

“Para dar-vos um exemplo, imaginem o seguinte: eu tinha acabado de jogar como monstro – tinha sido cercado por caçadores, que por sua vez tinham ativado a mobile arena (uma cúpula de lasers que impede os jogadores de saírem de uma determinada área); estávamos todos lá dentro, eu e os caçadores; mas escondi-me num canto, atrás de uma rocha; uns segundos depois, estavam confusos, andavam de um lado para o outro como baratas tontas; não me encontravam: “como é que eu tinha escapado?”; quando a mobile arena se desativou, fugi, sem dar nas vistas – eu tinha acabado de jogar como monstro, e estava agora a jogar como caçador. Detetámos o monstro. Ativámos a arena. Nada, o monstro tinha desaparecido.

“Entendi o jogo naquele momento, passadas várias horas; deu-se o ‘clique’.

“O monstro não tinha escapado. Eu tinha acabado de ser um monstro; sabia que o monstro não tinha escapado; sabia-o e sentia-o. Procurei-o onde eu, no seu lugar, me teria escondido. E lá estava ele, agachado, atrás de uma rocha.

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Bottom line:

Havia fortes indícios de que o ataque poderia acontecer.

Tinham de deixar de ser quem eram?

Tinham de deixar de respeitar a sua linha editorial?

Não, claro que não.

Mas podiam ter-se prevenido, sendo, por exemplo, escusadas determinadas formas de ostentação da sátira pelos caricaturistas e pelo próprio diretor.

Para assumir uma conduta é preciso assumir também a responsabilidade e os riscos da mesma. Resumindo, é uma pena.

Perderam-se vidas, destroçaram-se famílias por questões do foro do ego.

Isto é um problema social, pois há mais radicais na nossa sociedade.

E se cada um de nós tivesse uma “kalashnikov” na mão?

– Luís Vaz de Camões