Hardcore gamers, maridos negligentes e uma gravidez
É Dia de Páscoa e eu sei que após um almoço farto com a família muitos dos reviewers de videojogos que se prezem devem andar a mergulhar em Bloodborne para entregar a análise da forma mais honesta possível aos seus leitores. Ainda não lhe perguntei, mas tenho quase a certeza que a nossa Alexa deve ter abandonado a sua família à mesa para voltar ao masoquismo do exclusivo da Sony. E acredito também que todos os jogadores que se consideram “hardcores” andam a correr o circulo de tentativa-erro do jogo de Miyazaki. Mas os verdadeiros hardcore to the bone estão noutro exclusivo da Sony: Reel Fishing: Master’s Challenge da PS Vita.
Para quem lê coisas minhas sabe que sou um aficionado pela pesca. Mas unicamente virtual, que levantar-me de madrugada e passar algumas horas a olhar para o oceano a segurar numa cana de pesca é algo que não preenche o meu parco tempo livre. E sendo usualmente uma tarefa de passagem geracional, em que um pai ou avô passam o testemunho da tradição com a passagem da cana, há que referir que este é um hábito que não existe na minha família tipicamente citadina, lisboeta e cosmopolita. Portanto é pacífico afirmar que gosto da minha pesca como gosto dos meus assassinatos e homicídios em massa: puramente ficcionais e circunscritos aos videojogos.
Está quase a fazer dez anos desde a primeira experiência que tive com esta famosa série de videojogos de pesca da Natsume: Reel Fishing. O sucesso de uma visão mais próxima das arcadas de um jogo de pesca só teve mesmo rival com a saga Sega Bass Fishing, que andou a seguir de perto o (então) exclusivo da Playstation. Após muitas voltas e reviravoltas aqui estamos de volta de cana de pesca na mão e um mar (literal) de peixe para apanhar.
O enredo é mais do que acessório num jogo destes, e compreende-se a opção que a Natsume aplicou de podermos fazer skip a todas as linhas de monólogo que nada trazem ao jogo em si. Mas sendo a narrativa deste Reel Fishing: Master’s Challenge completamente terciária ao jogo, vou ter mesmo obrigatoriamente de falar sobre ela. Nós, ou o protagonista, vamos ser pais pela primeira vez e cruzamo-nos com um dilema típico de quem vai ser pai pela primeira vez (acreditem no que digo porque passei pelo mesmo durante a gravidez da minha mulher): “serei eu tão bom pai como o meu (pai) o foi para mim?”. E é nesta dúvida que reside a motivação do personagem de regressar à cabana de pesca do pai onde ambos passaram muitos memoráveis momentos durante a infância. A premissa do jogo é suficientemente “real” para ser palpável mas possui também uma pequena estranheza: vermos as estações do ano a passarem. É que a passagem das estações é motivação para a diversificação dos tipos de peixes que temos de pescar mas também nos deixa algumas dúvidas. A primeira de todas é: quem é este homem que pode tornar-se um eremita na cabana de pesca do pai durante meses, à procura de memórias perdidas e da busca da essência da paternidade, e que não necessita de pensar no emprego ou na sua subsistência. A segunda pode parecer rebuscada mas traz uma preocupação legítima: que marido negligente é este que abandona a mulher grávida ao longo de meses para reencontrar-se com a memória do seu pai, e dedicar-se à pesca? Mas será que acompanhar a mãe do seu filho às consultas, ecografias, e auxílio no dia-a-dia nada significam? E como terá ela reagido quando ele lhe disse que “vou só passar uns meses á cabana de pesca do meu pai para encontrar o significado de paternidade”? Ou teremos mais um caso de “vou só à rua comprar tabaco e já volto”? É que se os senhores da Natsume queriam arranjar uma justificação narrativa para acompanhar a parte mais arcada do jogo tinham obrigatoriamente de prever este tipo de questões. Ou isto é um gigantesco statement parental?
Polémicas à parte e o jogo em si não poderia ser mais relaxante. Sem caírem na tendência de criar estatísticas, level-ups e afins, as mecânicas de Reel Fishing são tão simples quanto um jogo de arcadas pede: com exigência quase casual consegue manter-nos agarrados ao jogo durante largas horas. É que nem precisamos de conhecer nada sobre pesca – quais canas ou isco usar. O jogo sugere-nos tudo, restando-nos apenas a simples tarefa de fazer o melhor lançamento possível da corda e do anzol e esperar que os peixes certos mordam o isco. Seguindo QTEs simples, e tendo atenção à tensão da corda, conseguimos pescar qualquer peixe com movimentos direccionais laterais e um botão. Nunca pescar foi tão simples. É quase casual dir-se-ia.
O melhor: as mecânicas simples típicas de arcada, a rejogabilidade e a casualidade/relaxamento inerentes ao jogo
O pior: a monotonia (típica da pesca?)
Reel Fishing: Master’s Challenge é o melhor regresso que podíamos esperar aos jogos de pesca simples e com um feel arcade. Com dezenas de peixes diferentes para pescar, um número quase igual de iscos para adquirir, mais de meia centena de missões de história e outras tantas missões secundárias. Um exclusivo da PS Vita que vai, ingloriamente, passar debaixo das redes de quase todos os jogadores mas que consegue proporcionar longas horas de peixão paixão ao mar. Temos o regresso da pesca em toda a sua glória e grandeza, permitindo longas horas de relaxamento piscatório sem termos de nos submeter às intempéries e às horas de espera. É caso para dizer “não dês peixe ao homem, mas passa-lhe uma Vita para as mãos que ele amanha-se”. Sabem o que é que se amanha também? O peixe. Padum*tchum!
Reel Fishing: Master’s Challenge é um exclusivo PS Vita.