Análise a Battlefield: Hardline

Há jogos que marcam. Jogos que se distinguem apenas por um simples momento, que nos fazem reiniciar o jogo só para recordar aquele preciso instante em que felicitamos um ser desta Terra: aquele que provavelmente traz o café aos colegas com dois sacos de açúcar a pedido e vai ao correio levar a carta que esteve esquecida debaixo do monte de papéis da colega do departamento. Hipoteticamente é um funcionário de limpeza que no final da tarde, enquanto todos arrumam as tralhas para ir descansar de um dia atarefado, coloca no ouvido os headphones num volume audível para quem está mais próximo, que por sua vez exclama “Eureka!”. Mas o funcionário, depois disso, continua com o mesmo salário. Mínimo, caso seja Mexicano.

Na vasta lista de créditos de Battlefield: Hardline, há uma secção de agradecimentos, onde podemos ler:

SPECIAL THANKS:

“Lord Jesus and wife Sufen.”

“(…)thanks for making bacon that one time”

“(…) and all my jawbreaker friends!”

“Bla bla bla, Polygon Pals, Bla bla bla” – 7/10

 

Não vi uma referência da pessoa que se lembrou de usar uma determinada Música enquanto percorremos um caminho, de carro, pelo deserto de Nevada, num intervalo entre acção frenética de mil disparos e acção furtiva de agente secreto. Um simples momento que é genialmente pensado para contrastar da igualdade de First-Person Shooters e transportar para um local muito, muito longe, sem uma gota de fantasia ou sci-fi. Apenas uma guitarra, uma voz e uma paisagem esvaziada de matéria, mas cheia de encanto, é o suficiente para encontrar novamente um valor acrescido em Battlefield desde as suas passagens pelo Vietnam com Surfing Days de Christian Leroux.

A Música é esta:

Mississippi Twilight – Here and Gone

 

Battlefield: Hardline tem uma banda sonora fantástica, que vai desde Death From Above 1979 a The Clash, e ainda com “Sound Of Tha Police” de KRS-One que deixa aquele “WOOP, WOOP” no ouvido. Se Paulo Portas ouvisse esta música diria “woop woop para as presidenciais” em vez de “estou nem aí, estou nem aí”. O efeito medonho de memorização é o mesmo que um spot publicitário do Pingo Doce, mas o Vice-primeiro Ministro teria pelo menos estado nas manchetes dos jornais com um ar mais rapista (?) rapista.

Battlefield: Hardline aposta num setting não-militar ao contrário de empurrar ou espremer ao máximo uma série que poderia acabar por sofrer da mesma viciação de Call of Duty. O grande foco destas duas grandes séries está no multiplayer, mas passando muitos anos, Battlefield: Hardline virou a página enfrentando os seus demónios e encontrou um caminho mais empolgante para a sua existência: as drogas. Polícias e ladrões, corruptos e criminosos íntegros, alguns, numa campanha que evolui através de vários anos pelas cidades de Miami e Los Angeles até Nevada, são a nova fórmula para dar não só ao multiplayer uma sensação refrescante, mesmo sem ser inovador, como ao modo single player a maior razão para ser jogado.

A maior parte do que nos é familiar de Battlefield mantém-se com o ambiente destrutível, o sistema “Levolution” emprestado de Battlefield 4, pontual armamento pesado de guerra, posicionamento dos inimigos, e tive vários déjà vu ao longo dos 10 episódios da campanha. Metro? Far Cry? Payday? Counter-Strike? Não sei dizer ao certo, mas há pequenos detalhes, parcelas de níveis, fragmentos de história, que são manifestos de fontes externas. Felizmente há menos prédios a cair e menos nós a cair dos prédios, e o que cai, como cai, tem uma dose certa de destruição. Não é aquela expressão “here we go again…” que temos com Call of Duty ou mesmo com Battlefield 4 em destruições absurdas com a colocação calculada de C4 nas bases de um arranha-céus. Como se dois aviões fossem suficientes para implodir as torres gémeas… (e outro no pentágono pudesse fazer respawn).

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Em campanha, sucede-se o similar spotting dos inimigos e um indicativo no mini-mapa por onde circulam após serem vistos através de um scanner, mas é daquelas tecnologias que nunca percebi bem como funciona sem ser em universos Sci-fi. E imaginem o que é este género de tecnologia cair no domínio público:

Telefone toca:

– Amor, estou no shopping a comprar roupa.

– Não, eu sei que estás na casa do Roberto.

 

A melhor adição está nos takedowns não-letais e na possibilidade de deter e algemar os inimigos, permitindo passar vários níveis ou parcela destes sem recurso a balas. O jogador é recompensado por trazer os criminosos à justiça, mas este sistema não está bem equacionado para quem opta por um padrão mais stealth ao longo de toda a campanha. Podemos chegar a meio da campanha e atingir o nível máximo, fazendo da pontuação que se segue uma recompensa inútil. Resta sempre uma alternativa:

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A narrativa está bombardeada de clichés. As personagens são cliché. O voice acting é por vezes mau mas geralmente há actores apelativos, principalmente os protagonistas, que conferem momentos excitantes. Um dos maiores defeitos em Battlefield: Hardline no contar da sua história são aqueles “robôs” que só servem para encher o mapa e raros são os casos que nos nutrem com ocorrências interessantes. No entanto, a história episódica é contada com uma curvatura de acontecimentos bem sequenciada, não sendo propriamente coesa entre um tom muito sério e convencional a um tom mais leve e casual, muito proveniente da qualidade dos actores e seus estilos de representação. Faltou a Battlefield: Hardline um Michael Mando aka Nacho Varga (que me deixou extasiado pela sua aparição na série Better Call Saul).

Sou daqueles que não aprecia muito jogar online com outros gamers que pouco me deixam respirar e não me deixam permanecer em jogo mais de 2 minutos até novo respawn. Fico frustrado quando os meus skills só me permitem uma média de 10 deaths e 1 kill. Sinto-me um fracassado por não manter sempre a calma e apontar desalmadamente para as pernas do oponente. Felizmente que em Battlefield: Hardline não é só sobre quem mata mais, é também sobre quem mata mais a atropelar, quem dá mais curvas com um carro sem deixar-se destruir, quem foge com mais dinheiro e quem salva os VIP ou os reféns. É também sobre jogo em equipa, excepto quando alguém pensa que um helicóptero é um aparelho kamikaze e atiram uma granada como se fosse um hot potato. O multiplayer confere muito divertimento e os modos de jogo estão em consonância e são dinâmicos na relação ou anti-relação entre polícias e criminosos, agilizando-se para vários gostos e prazeres de muitos fãs de FPS.

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O melhor: o deserto de Nevada com “Here and Gone”; os momentos stealth; modo Conquest. A banda sonora.

O pior: Voice acting secundário; predominância de clichés.

 

Battlefield volta renovado mas mantém as suas bases. Não é apenas uma melhoria e adição de ‘coisas’ para enganar os olhos e a carteira, é uma experiência que não se sabe bem onde vai parar. Mas ao contrário de Call of Duty, e não que seja o seu único concorrente, soube olhar-se no espelho e dizer “Chega, vou deixar o álcool e passar às drogas! Mantenho só o Rock ‘n’ roll”.

Death From Above 1979 – Always On