Vou partilhar um segredo convosco; pelos vistos aqui no Rubber começámos a jogar Pillars of Eternity mais tarde que o resto do pessoal todo; se sair uma análise, penso que será para bastante mais adiante no nosso calendário. Enquanto sai e não sai, entretanto, gostaria de deixar-vos uns parágrafos sobre o jogo.
1 – Pillars of Eternity é estúpido
Para quem não sabe, Pillars of Eternity é um jogo estúpido; estou a adorar jogá-lo, apesar disso, para meu espanto.
Pillars foi desenvolvido pela Obsidian Entertainment, o mesmo estúdio que nos trouxe Neverwinter Nights 2 (uma sequela de Neverwinter Nights, desenvolvido pela Bioware), Knights of the Old Republic 2 (uma sequela de outro jogo pre-existente, também desenvolvido pela Bioware), Fallout: New Vegas (também uma sequela de um jogo pre-existente), e Dungeon Siege III (o terceiro título de uma série mediocre, que consegue ser pior que os dois anteriores), por exemplo; o que é que estes jogos têm em comum? Bugs; montes e montes de bugs; conteúdo bloqueado no disco porque tem demasiados bugs, problemas de performance, crashes, questlines impossíveis de acabar. E para além de bugs? Enredos e personagens interessantes – sempre fui da opinião que a Obsidian devia dedicar-se a fazer módulos de RPGs pen & paper, e não videojogos; o mais caricato é que sempre que algo corria mal, culpavam os publishers: que o publisher não lhes tinha dado tempo, que não lhes tinha dado recursos, que não lhes tinha dado liberdade criativa, (etc.); South Park: The Stick of Truth foi adiado uma miríade de vezes, e o público já começava a achar unanimemente que iria ser cancelado.
Imaginem, portanto, a minha cara quando soube que “o próximo projeto” da Obsidian (que se veio a chamar “Pillars of Eternity”) recebeu quatro milhões de dólares pelo Kickstarter, e ainda mais por PayPal; quatro milhões não é muito para um videojogo, se pensarmos no mercado de forma abstrata, no entanto para um projeto Kickstarter, na altura, era. O mais engraçado é que queriam fazer um IP novo, não queriam fazer uma sequela de outro jogo (como Alpha Protocol, que acabou por ser um desastre a nível crítico e comercial).
“Que estupidez”, pensava eu. A Obsidian tinha pedido um milhão e pouco, e aqueles parolos tinham-lhes dado quatro vezes mais. Tendo em conta a reputação que o estúdio foi adquirindo ao longo do tempo, Pillars é, para mim, um dos projetos mais estúpidos que vi até hoje no Kickstarter; um jogo completamente estúpido, que não devia de existir.
Mas ainda bem que existe.
2 – Pillars of Eternity é fantástico
Pillars of Eternity é o magnum opus da Obsidian Entertainment. E talvez, afinal, tivessem razão; talvez a culpa tenha sido dos publishers com quem trabalharam, uma vez que a Paradox Interactive (publisher de Pillars) esteve afastada do desenvolvimento do jogo. O produto final está fantástico; tendo em conta o orçamento e a dimensão do mundo de jogo, é uma proeza técnica; e, mais chocante, não encontrei quase bugs nenhuns (ainda).
Mas aquilo que me tem agarrado mais até agora, enquanto grafómano assumido que sou, é a escrita, o texto; vou tentar explicar melhor no terceiro (e último) ponto, (porque hoje é domingo e tenho que ir pôr roupa a lavar):
3 – Pillars of Eternity é Baldur’s Gate com almas
Ou Planescape: Torment.
O twist neste universo derivado de D&D é que tudo se centra em almas. As religiões, as culturas, a ciência; há pessoas que lêem as almas dos outros, há uma classe de combate que é especializada em manipular almas, há pedras que capturam almas, há estátuas falantes, há doenças da alma; fala-se abertamente de reencarnação, de transmigração; fala-se da futilidade de guerra, da perpetuação do ódio; fala-se de ignorância, dos perigos da ciência, de como é fácil perder-se a alma pela técnica (metáfora recorrente), fala-se da legitimidade ou ilegitimidade da terapia da alma, fala-se da mentira, de tratamentos placebo; surpreende-me, para um videojogo de fantasia, um género que nasceu com o Senhor dos Anéis, e lutas entre o Bem e o Mal, que se fale de tantos temas “adultos”.
Tenho feito as mesmas coisas de sempre: encontrei o antagonista no início, fui parar a uma cidade com vários bairros separados por loading screens, estive num bairro muito pobre, apinhado de gangues, noutro muito rico, ajudei prostitutas num bordel, ajudei um casal de noivos zangados num inn, estive numa feira a vender tralha, entrei num bairro fechado por causa de uma doença, resolvi o problema, fui para os esgotos, tive que escolher entre associar-me à guarda ou a um grupo secreto de ladrões que controlam a cidade; conheci aventureiros na estrada, que se juntaram a mim depois de um minuto de conversa, arrasei ecossistemas de vários bosques, pilhei casas e ruínas e continuo com boa reputação. Já fiz isto tudo tantas vezes noutros jogos. Se Pillars fosse só isto, seria só mais um exemplar do género. Mas não é. Pillars não tenta ser tão bom como os clássicos, tenta elevar o género e ter a sua voz.
É um jogo com alma, sobre almas, muito bem escrito, com temas e personagens interessantes, apresentados e explorados de forma criativa.
Ainda não cheguei ao fim da quest principal, mas do que vi até agora recomendo a qualquer fã de RPG que goste de combate tático, e que não se importe de ler de vez em quando.