Todos sabemos que uma voz isolada pouco ou nada consegue fazer para mover montanhas. Especialmente se essa montanha for um gigante corporativo, com as suas estratégias perfeitamente delineadas e as suas linhas de acção traçadas a médio prazo. É claro que para contrariar isso temos o exemplo bíblico do David contra Golias, que com a sua simples funda derrotou um gigante, ou um exemplo literário bem mais próximo: o de Oberyn Martell (em A Storm of Swords de George R. R. Martin) que apesar da “enxaqueca” fatal conseguiu derrotar a montanha Gregor Clegane.
Portanto, apesar de raro, ainda acontece o “pequeno” ter uma voz forte que consegue, pelo menos, abalar o gigante. E se a máxima “a união faz a força” então temos dois casos muito simples de manifestações organizadas que conseguiram impulsionar a indústria do entretenimento a responder às suas exigências. Falamos é claro dos Browncoats e na Operation Rainfall.
A série Firefly, de Joss Whedon e protagonizada pelo grande Nathan Fillion é sem dúvida um dos melhores exemplos de boa televisão da década passada, e atingiu um estatuto de “culto” ainda que possua pouquíssimos episódios gravados. Perante o cancelamento da série, os seus fãs (denominados por Browncoats) uniram-se e começaram uma verdadeira torrente em direcção à FOX (a rede televisiva que detêm os direitos da série). Após milhares e milhares de cartas, e-mails, uma campanha de angariação de fundos para que a série continuasse, e uma das maiores pressões organizadas do fandom para a indústria de entretenimento. O resultado já todos sabemos: o filme Serenity acabou por ser criado para dar o final que os fãs queriam para a série.
Nos videojogos o assunto foi bastante semelhante. Já diversas vezes referimos algo que é completamente consensual: para além das vendas da Wii falarem por si mesmas, há que reconhecer que o catálogo que a consola possui é dos mais variados e com um patamar de qualidade elevadíssimo para quase todos os géneros de videojogos que existem. É sabido também que para além do mercado ocidental existe para quase todas as plataformas imensos títulos exclusivos ao mercado nipónico, com muitas gemas que muitas vezes passam ao lado dos media e das comunidades de jogadores europeus e norte-americanos. Já quase no fim da sua vida a Wii viu no espaço de um ano chegar às suas consolas japonesas três exclusivos (da plataforma e da região) que criaram um verdadeiro burburinho à sua volta. Falamos, é claro, de Xenoblade Chronicles da Monolith Software, The Last Story da Mistwalker e Pandora’s Tower da Ganbarion. À medida que esse burburinho em torno destes 3 RPGs ganhava forma, o nome dos três títulos atravessavam o Pacífico e começavam a chegar aos ouvidos e olhos dos jogadores ocidentais que ansiavam por possui-los nas suas Wiis.
Algumas discussões sobre estes três jogos começaram a surgir nos principais sites de videojogos globais, e é no fórum do IGN que o movimento (que viria a denominar-se Operation Rainfall) começou a tomar forma. Nele, um grupo crescente de jogadores interessados nestas jóias do Oriente começaram a reunir-se virtualmente e a discutir estratégias sobre como trazer o assunto à consideração da Nintendo of America. Inspirados (quem sabe?) pelo sucesso da campanha levada à cabo na década anterior pelos Browncoats, desenvolveram três campanhas distintas, uma para cada jogo, para exacerbar a NoA a lançar estes jogos nos EUA.
Entre as habituais avalanches de cartas, e-mails, telefonemas, posts no Twitter e Facebook da Nintendo, decidiram também começar a fazer pre-orders de Xenoblade Chronicles para mostrar à Nintendo que haveria muita gente interessada em adquiri-lo. Xenoblade acabou por ser o primeiro jogo dos três lançado no Ocidente – na Europa mais especificamente – e acabou por comprovar a Reggie Fils-Aime e à NoA a validade comercial do título, abrindo as portas para que os outros dois jogos vissem a luz do dia nos mercados europeus e norte-americanos.
Sendo uma disputa essencialmente de nicho, o crescimento brutal que a campanha/organização/movimento Operation Rainfall teve acabou por levá-lo a transformar-se num site independente que aborda a cultura de nicho (essencialmente nipónica) e o cada vez maior número de localizações que existem no mercado dos videojogos.
Xenoblade Chronicles 3D
Algumas destas questões são irónicas. Se virmos o quanto as decisões de uma companhia com a dimensão da Nintendo podem mudar em cinco anos, basta pensarmos numa das magnum opus da Monolith Software: Xenoblade Chronicles. Para os fãs de RPGs era certo e sabido: se muita gente tinha sobrevivido tanto tempo sem adquirir uma Wii, tinha aqui finalmente o seu motivo de obrigação. Ainda hoje é frequente ouvir/ler algumas pessoas que dizem “gostava de ter tido uma Wii para poder jogar Xenoblade Chronicles”. Estamos portanto a falar de um jogo que necessitou de uma campanha de pressão pública para ser trazido para o ocidente. E que três anos depois é o estandarte da Nintendo para a venda da sua New 3DS XL, para a qual Xenoblade Chronicles 3D (a versão de 3DS do jogo de Wii) é um único exclusivo. Portanto o jogo, com todo o mérito, passou de jogo exclusivo no Japão, a bandeira de guerra por milhares de jogares para ser localizado, atingiu o estatuto de “razão de compra de uma Wii” e tornou-se há 1 mês o selling point da New 3DS XL. E se é justificado, perguntarão muitos de vós que nunca tomaram contacto com o jogo? Totalmente. Para além de ser dos RPGs mais bem escritos da década actual tem das longevidades, mecânicas e sistemas de combate mais interessantes e honestos que há muito não víamos a chegar ao mercado ocidental. O que significa que se ainda não o jogaram e não possuem uma New 3DS XL têm aqui a oportunidade perfeita. Aliás, nem lhe chamaria oportunidade perfeita. Chamar-lhe-ia antes compulsão.
Pandora’s Tower
Tanto este jogo como The Last Story, apesar da sua excelência, sofrem de um problema simples: acabaram por viver um pouco na sombra de Xenoblade Chronicles que se transformou no destaque desta tríade. Sendo estes três jogos uma espécie de canto do cisne do catálogo da Wii, mas um canto bonito, pensado, e que deixa marca, também significa que este é um dos títulos obrigatórios para quem possui uma Wii e que para quem não a possui é um daqueles que daria motivos para a comprar. Ou, desde ontem, é um dos primeiros títulos da Wii que estão disponíveis na eShop da Wii U para quem o falhou na geração anterior ou para quem o quer voltar a jogar. O que é, novamente, uma gigantesca ironia para a Nintendo. É verdade que podemos abordar esta decisão como a habitual vontade da Nintendo em ter bons títulos disponíveis aos seus jogadores, fruto da sua apertada política de controlo de qualidade, mas este jogo passou de batalha entre fãs e a NoA para um dos primeiros títulos a serem transportados da Wii para a loja digital. Bem sabemos que os números é que importam, e independentemente da razão da decisão da Nintendo, ter Pandora’s Tower na Wii U só beneficia os jogadores.