Dark Souls II: Scholar of the First Sin – Quando sofremos e temos prazer nisso
Eu gosto de jogos difíceis. O elogio aos jogos difíceis que faço em grande parte das minhas análises nestes quase dois anos e meio de Galinha ao peito são um bom exemplo disso: se o jogo é desafiante recebe logo essa distinção, se for excessivamente fácil é penalizado por isso. A justificação disto é simples: eu cresci enquanto jogador com os jogos de 8 bits, que ocuparam grande parte do meu tempo livre em criança, e cuja aura de Nintendohard que pairava sobre quase todos os títulos me obrigava a quase memorizar os padrões dos inimigos, as plataformas a saltar, e a ser, ao fim ao cabo, cada vez melhor no jogo que estava a tentar acabar.
É sabido que o mercado mainstream teme frustrar os jogadores como se estivessem aterrorizados em perder clientes, facilitando tanto os jogos que os criadores pegam na mão dos gamers, e levam-nos até ao fim do jogo sem distracções nem obstáculos, como se temessem que um deficit de atenção nos fizesse correr em direcção a outro jogo. O mercado indie, por sua vez, lá vai trazendo uma série de jogos que são tão difíceis que parecem muitas vezes tarefas impossíveis de ultrapassar. Arrancamos cabelos, gritamos, morremos, mas lá perseveramos em direcção ao final do jogo. Mas, para não ser injusto, há que lembrar a razão que me traz aqui hoje: o exemplo maior dos jogos difíceis no mercado AAA: Demons Souls e a restante progénie criada pela From Software, que são para grande parte das novas gerações de jogadores a epígrafe da dificuldade. Posto isto, que razão me separou de jogar a série Souls, em especial Dark Souls (o primeiro e o segundo) que comprei no Steam e aos quais nunca pude dar atenção? Se respeito a série e o facto de serem uma candeia de desafio no meio do marasmo soturno do facilitismo, o que é que me manteve afastado de Souls? A resposta é simples: o tempo. Com o forte pendor de opinião que o Rubber Chicken tem e com o facto de que é possivelmente um dos media lusófonos mais especializados no mercado independente, a quantidade de jogos que nos chegam para analisar, opinar, dissecar por semana deixa-nos pouco ou nenhum tempo para pegarmos naqueles jogos que estão nas prateleiras (físicas ou digitais) há tanto tempo à espera que os joguemos. Com o nível de entrega (de tempo e de empenho) que sabia a priori que Dark Souls requereria de mim, restava-me esperar que uma cópia de análise chegasse e que pudesse entrar no meu horário semanal dedicado ao RC. Esse tempo chegou com o lançamento de Dark Souls II: Scholar of the First Sin, dia 2 de Abril, e enviado há duas semanas para análise pela Bandai Namco.
Há uma semana jantei com outra galinha, a Alexa, que como sabem está a analisar o Bloodborne. A conversa – entre muitos outros assuntos – passou pelo apelo que este tipo de jogos têm. Lembrei-me do meu primeiro achievement neste Dark Souls II: Scholar of the First Sin: o momento em que morri pela primeira vez. O Steam abriu-me logo uma janela de pop-up com o prémio alcançado “Welcome to Dark Souls”. E foi isso que senti, que as minhas incontáveis mortes tinham agora começado. Mas como referia antes, afinal que apelo é este que nos faz dedicar dezenas ou centenas de horas a um jogo que nos pune por todo e qualquer erro que cometemos, e que nos obriga a repetir cada porção de terreno vezes incontáveis? É o prémio máximo que Dark Souls nos dá, e que grande parte da indústria nos tem roubado, e que os anglófonos tão bem popularizaram com a expressão sense of accomplishment, que poderia ser traduzida, à falta de melhor, como sentimento de realização. Não contando com aqueles que procuram tutoriais e respostas pelo Google, morrer inúmeras vezes perante uma criatura gigantesca e de repente, num lampejo de criatividade e racionalidade percebermos qual a forma de a derrotar é parte (ou deveria ser) dos videojogos. E chegar efectivamente a derrotá-la é a recompensa máxima que podemos obter pela nossa bravura e pelo nosso empenho: e enquanto celebramos durante alguns segundos lá temos de nos preparar para enfrentar o próximo inimigo.
Perceber o apelo da série Souls e do seu primo Bloodborne é perceber que nem sempre precisamos dos videojogos como meio de escapismo da pressão do dia-a-dia, ou como fonte de relaxamento. Os videojogos também devem ser um produto de superação, de desafio, de confronto e de ultrapassagem de obstáculos. Não sei se foi uma boa ideia a minha entrada neste nicho reinventado pela From Software ter sido por esta edição remasterizada de Dark Souls II, mas a realidade é que a fluidez que Dark Souls II: Scholar of the First Sin apresenta no PC tem sido uma grande forma de reservar algumas horas por dia para sofrer. Jogar Dark Souls II: Scholar of the First Sin é como ir ao ginásio diariamente e estar lá uma hora a fustigar o corpo. O sentimento de recompensa, quando chega, ultrapassa em grande escala o sofrimento do percurso trilhado. Ainda não o terminei, e estou até longe disso. Mas todos os pequenos trilhos conquistados à custa de muito sacrifício são sinónimo de muitas vitórias conquistadas a ferros. De muitas formas este DSII:SotFS é um manifesto ao sofrimento, uma apologia ao masoquismo e uma ode ao desafio. E é também a prova de que é possível respeitar os jogadores com um jogo desafiante, que lhes dá a mão não para os levar a passear pelo jardim, mas para os empurrar para o precipício mais próximo. A vida é dura, mas Dark Souls é ainda mais.