Tenho um hábito desde que me tornei (aspirante a/auto-denominado/falhado) crítico de videojogos: ler ou discutir outras opiniões apenas após publicar a minha própria. Regra geral sou alguém que gosta de reflectir as opiniões alheias e reflectir sobre elas, quer concorde ou não com o seu conteúdo. Este afastamento até formalizar a minha análise é apenas porque quero manter uma espécie de ambiente estéril, sem influência de terceiros que me façam, de alguma forma, reflectir a minha opinião. O que vou descrever de seguida é algo sem exemplo é algo que espero nunca mais repetir enquanto possuir uma voz nos videojogos, e na tentativa de manter a minha opinião como a súmula das minhas próprias conclusões. O que se vai seguir é um comentário a uma única frase que li num dos maiores sites internacionais sobre Box Boy!. E esse comentário servirá como antítese a algo primordial e fundamental que observo nos videojogos, enquanto meio artístico e cultural que é.

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Antes de tecer o devido comentário, há-que deixar uma nota prévia: existem uma série de sites (e infelizmente apenas uma revista) de videojogos, que eu, enquanto leitor, tenho um prazer inenarrável em ler. O IGN internacional foi um deles até há sensivelmente oito anos atrás. Perdeu-me como leitor mas nunca por culpa da sua linha editorial, mas aconteceu porque comecei a procurar outro tipo de conteúdo. O IGN tem a dimensão que todos sabemos e responde na perfeição às necessidades do gigantesco público que tem, eu é que não faço parte do seu público-alvo. Feitas as devidas separações a expressão que não poderia estar mais distante da minha opinião/visão e que cito do IGN é “Simple graphics”. Estas duas palavras conjugadas e apresentadas como único ponto negativo de um jogo como Box Boy! comprova o afastamento do meu interesse de uma linha de escrita/pensamento sobre videojogos dos quais o IGN é o estandarte. Quando vi pela primeira vez BoxBoy! a ser apresentado pela primeira vez num Nintendo Direct, estes “gráficos simples” (expressão usada com tom pejorativo pelo jornalista do IGN) eram exactamente o grande ponto de conquista que o jogo, do qual pouco conhecia, conseguia exercer a priori sobre mim. Estes “gráficos simples” são mais do que isso, são quase um statement, uma decisão conceptual e uma postura estética, como se a Nintendo (e o seu estúdio HAL Laboratory, criadores deste jogo) quisessem relembrar a indústria do que Miyamoto tantas vezes tem repetido: o que interessa não são os gráficos, nem os FPSs, nem a resolução nem o hiper-realismo. O que interessa, é sem dúvida, a jogabilidade, que foi preterida pelo mercado mainstream em prol do fascínio blockbuster. Box Boy! é minimalista não por incapacidade estética ou artística da Nintendo. É-o porque assim o HAL Laboratory decidiu com uma dupla decisão conceptual: por um lado homenagear o Game Boy, consola cujo sucesso marcou um ponto de viragem no mercado dos videojogos e por outro despojar visualmente de todos os artifícios que pautam o mercado nos dias de hoje, criando uma depuração que tem como objectivo chamar a atenção para o mais importante: a jogabilidade, e o jogo, como um todo.

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Acredito que uma boa crítica ou uma boa reflexão sobre objectos culturais (com a interacção que os videojogos requerem) necessitam de ter factores objectivos e subjectivos de avaliação. O visual, como elemento mais imediato do nosso contacto é igualmente sujeito a estes dois pontos de vista: a parte objectiva, se a sua concepção/realização estão eficazes, perceptíveis e ajustadas, e a parte subjectiva, emocional, mais ligada a percepções artístico-estéticas e à definição de prazer visual. Posto isto, a opção de efectuar um jogo com um visual minimalista poderia inscrever-se como um ponto negativo se a sua execução fosse mal-conseguida, tivesse falhas visuais ou fosse sinónimo de um trabalho preguiçoso e atabalhoado. No caso, o visual depurado é uma escolha estética, artística, e é acima de tudo executado de forma exímia. E cai, na minha opinião, numa ironia gigantesca perante o mercado actual: é que Qbby, o nosso protagonista e uma mera quadrado com características antropomórficas consegue ter mais personalidade do que muitos personagens de jogos AAA com gráficos hiper-realistas “next gen”.

Enquanto puzzler, Box Boy! consegue trazer uma jogabilidade relativamente simples. Para equilibrar com o visual minimalista, as mecânicas são simples de aprender mas que, graças a um aprimorado level design, terão aplicações cada vez mais complexas. Em cada um dos mais de cem níveis que temos à nosso disposição, o pequeno Qbby apresenta-nos a capacidade que tem para criar caixas a partir do seu próprio corpo que inicialmente apenas servem como degraus, mas que à medida que o jogo avança mostram outras aplicações, como atravessar túneis, servir de arpéu, escudo, capacete e uma série de interligações nos níveis de dificuldade crescente. Os níveis não demoram mais de um minuto a ser ultrapassados, mas à medida que avançamos no jogo e o desafio é aumentado, também o número de vezes que vamos ter de repetir cada um dos segmentos é maior. Felizmente que a jogar também com toda a simplicidade que norteia Box Boy!, temos a possibilidade de carregar nos botões e L e R e reiniciar automaticamente o nível.

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A par de outros bons jogos da eShop que custam perto de 5€, este Box Boy! é dos jogos mais divertidos, e que responde perfeitamente ao rácio valor/tempo/usufruto. Com mecânicas acessíveis mas com aplicações progressivamente mais complexas, a HAL voltou a provar que é possível desenvolver bons jogos, desafiantes, a partir de um conceito relativamente simples. E uso a palavra “simples” sem o pendor pejorativo que referi antes, mas utilizo-o como reforço às palavras de Kelly Johnson. Manter algo simples e bom não é algo negativo: é na realidade algo ao alcance da concepção de poucos, e infelizmente ao alcance da compreensão de menos gente do que devia.

O melhor: a jogabilidade, o conceito, as mecânicas, a depuração visual e a óbvia homenagem ao Game Boy, o baixo preço

O mercado dos videojogos, especialmente o segmento AAA, tem-nos habituado a uma série de truques de ilusionismo que mascaram jogos voláteis, bidimensionais criativamente, translúcidos de conteúdo com visuais que servem apenas para impressionar. O mercado indie, os criadores em torno do motor UbiArt e alguns dos estúdios secundários da Nintendo conseguem, por vezes, trazer-nos jogos que nos lembram do porquê desta paixão que nos assola há vinte, trinta ou mais anos: ao apresentarem ideias boas, sólidas apesar da sua simplicidade ou complexidade, e que servem como verdadeiras lufadas de ar fresco num mercado perto da saturação. Por 4,99€ podem comprar Box Boy!, um dos puzzlers mais refrescantes que a eShop tem no seu catálogo, e a certeza de que a diversão e o desafio valerá cada cêntimo despendido. Como bónus receberão um quadrado cheio de personalidade e que consegue inclusivamente vestir outras indumentárias. E que prova que a máxima popular de apelidar alguém de “quadrado” pode até tornar-se um elogio.

Box Boy! é um exclusivo 3DS.