Retro Gaming, entre a paixão e o status social
A procura por um estilo/identidade parece ser a nova epidemia do séc. XXI. Desde a procura por brinquedos “antigos” e passando por roupa alusiva a videojogos de “outras épocas”, o mercado retro nunca esteve tão “in” como está neste momento. Conscientes desta tendência, as “três grandes” companhias anunciam semanalmente uma série de títulos nas respectivas lojas online, que apelam aos jogadores interessados em jogos (mais ou menos) retro.
Na internet existem actualmente milhares de sites dedicados a retro gaming, sejam eles de venda de consolas, cartuchos e disquetes, mas também ROMS ou mesmo emuladores online todos a competir por um mercado em expansão, e como ditam as regras de mercado – quanto maior a procura mais elevados são os preços. Quando comecei a coleccionar consolas e jogos, no início de 2000, podia comprar uma Mega Drive completa por 4 ou 5€. Em 15 anos os preços, em média, triplicaram e em alguns casos chegam a ser 10 vezes superiores ao preço de venda em 2000. O que significa que essas mesmas Mega Drives são hoje vendidas entre 20 a 25€…
Por outro lado, com a utilização cada vez mais comum de smartphones e tablets, jogar este tipo de jogos, de forma mais ou menos legal, nunca esteve tão acessível. Posto isto, fica então por perceber porque está a crescer o número de coleccionadores de consolas e jogos antigos? Será verdadeira paixão perante os jogos com os quais crescemos ou apenas uma questão de status?
O coleccionismo é, de certa forma, uma maneira de legitimar uma patologia psicológica ligeira ou séria, ligada a distúrbios obsessivos-compulsivos e/ou à disposofobia (na prática uma condição que condiciona o seu “portador” com um sentimento de acumulação compulsiva). Não sei qual o meu diagnóstico mas passei grande parte da minha vida a coleccionar videojogos. E todos estes anos de coleccionismo permitiram-me distinguir dois tipos de coleccionadores:
- O Coleccionador de Memórias – Alguém que, como eu, tem uma paixão por algo que vai para além do objecto de desejo. Este tenta recriar as memórias de infância e/ou procura uma viagem no tempo que o permita experienciar o mesmo tipo de sensação que alguém que tenha vivido nessa época teve ao estar em contacto pela primeira vez com esse objecto. Tradicionalmente, este tipo de coleccionador tenta apenas comprar aquilo que gosta e procura sempre a forma mais económica de o obter, vendendo outros objectos (ditos coleccionáveis, mas divergentes da sua colecção) como forma de custear a sua própria colecção.
- O Coleccionador de Objectos – Alguém que colecciona tudo independentemente da existência ou não de uma memória do objecto. Para este o preço não é obstáculo quando pretende concluir uma colecção.
Nesta “categoria” incluem-se os que pretendem concluir uma colecção, seja de jogos de uma determinada plataforma ou discos de uma determinada banda, e os que optam por coleccionar algo infindável, tendo sempre uma razão para acumular mais e mais coisas.
Por ultimo, existe uma “espécie” que me recuso a incluir no coleccionismo por se tratar de um tipo que apenas pretende reconhecimento e o alcançar de determinado status, que é o coleccionador de Factory Sealed (objectos selados de fábrica).
Ao contrario de muitos coleccionadores de videojogos, não tenho nada contra a utilização de emuladores, ROMS ou downloads de jogos retro nas consolas actuais. Se não têm qualquer ligação emocional com um jogo/consola ou apenas querem experimentar algo diferente, ou jogos que não conseguiriam ter acesso de outra forma, faz todo o sentido a sua utilização.
Infelizmente, nos dias de hoje o que vejo nas várias comunidades nacionais e internacionais onde estou inscrito é que muitos dos novos pseudo-coleccionadores não têm qualquer gosto pelo que coleccionam e apenas o fazem por uma questão de investimento económico e status na comunidade onde se inserem. São coleccionadores para os quais o capital não é impedimento e que compram colecções completas que demoraram anos a ser concluídas. Este tipo de investimento em que o dinheiro não é um obstáculo cria um mercado de jogos altamente inflacionado, impossibilitando os verdadeiros coleccionadores de conseguirem um bom negócio por um jogo que procuram há anos.
No final, o “pseudo-coleccionador” tem várias estantes cheias de consolas e jogos, muitos dos quais muitos nunca foram sequer jogados, e com os quais não têm qualquer tipo de ligação emocional, mas que ficam excelentes nas fotos do Facebook, ao passo que os verdadeiros coleccionadores, aqueles que se levantam aos sábados de manhã para irem a uma qualquer Feira da Ladra à procura “daquele” jogo, morrem um pouco por dentro quando vêem alguém a pedir 10 a 15€ por um Sonic para a Mega Drive…
…e meus amigos, nem vos conto quantas vezes também eu morri um pouco por dentro…