Um restaurante japonês.
Esta semana vão poder ler uma série de artigos sobre o fenómeno mais extraordinário e maravilhoso na área de videojogos neste momento em Portugal. Já decorre há vários anos. Não pára de crescer.
Game jams de presença física. Depois da Altera Game Jam e da Global Game Jam terem dado a cara como eventos pioneiros deste tipo, várias empresas portuguesas tentam agora conquistar este pódio; perdoem-me simplismos, anacronismos e de estar a focar-me em Lisboa, que é onde vivo. As game jams em Portugal não são nada de recente, e ocorrem de Norte a Sul; e quando falo de “dar a cara” não falo da mera existência e de demonstrações de “também se pode fazer cá”, falo de resultados e de sucesso inquestionável.
Se a Altera Game Jam não tivesse tentado destronar a Global Game Jam depois do sucesso que teve em Portugal em 2014, e mostrar que existe espaço para mais game jams ao longo do ano, não se teria tornado no evento que se tornou, não teria crescido como cresceu, não nos teria espantado a todos, participantes e não-participantes. Não teria, por exemplo, também, havido um game jam da Nerd Monkeys (Banana Jam) nem da Miniclip Portugal este ano. Acredito nisto, e explico porquê mais abaixo; mas acredito pelos mesmos motivos que me levam a acreditar que as jams em Portugal só se vão tornar maiores e mais frequentes com o tempo.
“Mas o que é uma game jam?”, primeiro. Admiro-vos, se chegaram aqui sem sequer saberem isso.
Numa jam vários artistas juntam-se e criam algo no momento. Uma jam de videojogos não é muito diferente de uma jam de jazz, por exemplo. Só mudam as escalas. As duas horas musicais transformam-se em dias. Programadores, artistas gráficos, músicos, designers de som, modeladores 3D, escritores, e amantes de jogos interessados em aprender, juntam-se durante dias seguidos e fazem jogos. O espírito é de partilha, apoio e camaradagem entre participantes. Eu, que participo em eventos destes sempre que posso, concordo com uma frase que ouvi e que eu próprio cheguei a repetir: já somos uma família. Uma família que cresce todos os anos; mas ainda assim, as caras reconhecem-se.
A nível pessoal, participar em jam destas foi a cereja em cima do bolo, foi o que cimentou na minha mente que os videojogos seriam a minha vida. É inspirador conhecer tantos génios. Mas o que inspira mais é o abismo do fracasso, as horas que passam, o relógio que ameaça, o sono, a dor física e psicológica; e no fim, os obstáculos derrotados, e a perseverança que vence.
E voltamos ao restaurante japonês. Escrevo-vos isto num caderno, num restaurante japonês. Ou melhor, num restaurante chinês que serve comida japonesa; ou para gastrónomos puristas, talvez nem isso.
Doem-me os olhos e sinto-me doente. A jam da Miniclip acabou há horas. Estou cheio de fome.
Uma game jam de presença física é muito diferente de uma jam que decorre pela Internet, na qual se pode participar deitado na cama, de pantufas e roupão, ao lado de um tabuleiro com ovos estrelados em cima de torradas. Uma jam física faz lembrar os Jogos Olímpicos; os atletas criam jogos; o cansaço é físico mas o esforço é intelectual.
Há bocado estava no carro, o barulho da rua não entrava, fechei os olhos, e ouvi uma frigideira; aquele ruído que se ouve quando um eletrodoméstico que esteve em sobreaquecimento faz quando é desligado, a ecoar na minha cabeça. Dói a todos. Seja passar horas com uma caneta na mão a desenhar os visuais de um jogo, ou a olhar para funções e variáveis.
O que é “extraordinário e maravilhoso” acerca disto tudo é Portugal. Não querendo armar-me em português queixoso, deixem-me acrescentar este subtítulo – Portugal: o país do nada. Como é que as jams cá chegaram a esta a dimensão? Como é que a qualidade dos jogos que se fazem nestes eventos atingiu o nível que atingiu? Como é que há não só tanto talento para videojogos cá, como amor por estes que justifique tanto sacrifício? Como é que há tanta gente disposta a viajar quilómetros e dormir no chão mais do que uma noite, pelos videojogos?
Não tenho resposta, honestamente. Mas é comovente. Os prémios costumam ser simbólicos.
Percebo, mas não percebo. É simples de descrever mas impossível de explicar, como qualquer outro fenómeno sobrenatural. Percebe-se: nos corredores do Instituto Superior Técnico, onde decorreu a Miniclip Jam, não se falava só de bugs e motores de jogo; trocavam-se nomes de jogos obscuros, “já jogaste [isto]? tens que jogar”, “não, mas conheço [aquilo]; conheces?”; quem aparece cá ama jogos, vive jogos, respira jogos. Não crescem só os eventos, mas também os seus participantes. Não se criam só laços de amizade, como se desenvolvem relações de trabalho; “então, já pensaram em formar um estúdio?”, perguntei a umas cara ontem à noite, que costumam sempre formar equipa uns com os outros, e depois de alguns risos, um deles admitiu, para minha surpresa: “sim”; depois, como é costume acontecer nestas conversas, o tema seguiu para Portugal, e de como o nosso país é um péssimo habitat legal e económico para isso. Portugal e o nada. “Eu provavelmente vou emigrar”, disse-me; a esmagadora maioria das pessoas da minha idade ainda vive cá por amor a um país que faz questão de deixar claro que nos odeia.
Fecho este texto com esta frase, e continuo na próxima página. O artigo de amanhã vai ser escrito hoje, mas terão que ler tudo à conta-gota, para que não vos saiba a spam, e porque o meu sono é tanto que mal se percebe o que escrevo; vai custar a transcrever.