Só sei escrever com emoção. Sou incapaz de escrever sobre coisas que ainda não experimentei ou senti. Não sei viver com o que não é verdade. Não sei estar com o que não é transparente. Não sei muito bem estar no indefinido. Mesmo com os videojogos, não consigo jogar e apreciar aquilo em que não invisto emocionalmente. Sim – há aquelas coisas em que pegamos pela piada, mas para mim geralmente, a piada não dura mais do que umas muito limitadas horas.

Sentir é o que me move em tudo – e os videojogos não são excepção.

Hoje instalei finalmente uma televisão na casa onde agora vivo – o espaço que estou a construir para mim. Depois de 6 anos a partilhar o espaço e a vida com outra pessoa, é algo estranho e ao mesmo tempo libertador, construir um espaço sozinha.

A primeira coisa que fiz quando liguei a Televisão foi instalar a minha PS4. Já tinha saudades dela e de me perder nos mundos alternativos que encontro. Disseram-me que, neste momento da minha vida, deveria sair. Afinal, uma separação, segundo me dizem, pede para não ficarmos sozinhos e isolados, não vá a depressão chegar quando menos se espera. Mesmo quando uma separação é feita com respeito e amor (um amor diferente e transformado), é sempre algo que mexe com todas as partes que nos constituem. Sentimos que houve um fracasso. Algo não resultou. Poderíamos ter feito algo melhor. Na vida não há Load ou Resume game, nem tão pouco um regressar ao save point. A vida é uma espécie de eterna cut scene onde, muito subtilmente, temos os quick time events para agir e reagir a tudo o que nos rodeia.

Na arrumação das coisas que fui transportando ao longo da minha vida, reparei que aquilo que é fundamental carregar comigo são os meus livros e jogos. Como gosto de pensar e reflectir sobre tudo, dei por mim a sorrir e a perceber que cada livro e jogo são uma parte do meu DNA – não pode ser vendido nem trocado, pois caso isso aconteça deixarei de ser eu. Mas pode ser partilhado e explorado com alguém …trocar o meu DNA com outro e construir um novo gene resultante de vivências, experiências e interesses comuns. E principalmente aprendizagens.

Ao arrumar a caixa dos jogos da minha muito amada Playstation 2, peguei num jogo que me fez sentar no chão, parar todas as arrumações e recordar porque se quer, enquanto ser humano, partilhar a vida com alguém.

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Lembram-se de Ico? Criado por Fumito Ueda, Ico é uma verdadeira obra-prima de simplicidade, textura, inocência e aventura. Para além de tudo – Ico é verdadeiramente romântico, mas do romance que eu valorizo e procuro – aquele que não precisa de flores nem jóias ou jantares a luz das velas, só da luta e conquista a cada momento. Para quem não teve ainda o prazer de se deliciar com a subtileza deste diamante da Sony, Ico conta a história de um miúdo que é exilado e preso numa espécie de masmorra de pedra, apenas porque é diferente. Ico nasceu com chifres, e quando o conhecemos está a ser transportado por um cavaleiro que o prende dentro de um totem de pedra. Mais nada sabemos dele para além disto. Depois de um tremor de terra que quebra a pedra, Ico encontra-se liberto e aqui começamos a explorar o nosso mundo.Na sua exploração, encontra Yoda, uma criança feita de luz, tornada prisioneira por uma Feiticeira que cobiça a sua magia. Ele liberta-a e juntos começam a sua viagem.

Esta introdução simples traz-nos uma viagem de Amor para qual eu não estava preparada.

Yoda, a criança feita de luz, é perseguida constantemente por seres de trevas que a tentam roubar de Ico. Para que isso não aconteça, adivinhem o que temos que fazer…. nunca, em algum momento, poderemos afastar-nos muito dela e o ideal, para que os monstros não a transportem, será nunca largarmos a sua mão. Quando Ico não sabe para onde ir, Yoda aponta o caminho e chama o seu nome. Quando Ico tem que lutar, Yoda corre a seu lado tentando protegê-lo. Ainda no tempo dos save points, apenas conseguimos gravar o jogo se sentarmos Ico e Yoda, de mão dada, nos Bancos de Jardim que vamos encontrando. E no confronto final, quando Ico finalmente mata a bruxa, a ilha destrói-se, Ico é atingido por uma pedra e Yoda, agora ela mesmo a salvadora, transporta o seu amado ao colo para a segurança de um barco que o levará para longe da destruição. Yoda….fica para trás. Tudo acompanhado por cenários que parecem aguarelas dos nossos sonhos, numa banda sonora mágica.

Este resumo do jogo passou pelos meus olhos e memória quando arrumei a caixa de jogos nesta mudança de vida. Lembrou-me como um simples videojogo pode ser a metáfora e espelho perfeitos para aquilo que acredito que existe e que é o Amor – a eterna descoberta e luta (um pelo outro) entre dois seres. Ico não larga a mão de Yoda e Yoda diz-lhe para onde ir quando ele não sabe. Ico luta e Yoda traz a luz. Depois, sentam-se lado a lado disfrutando o conforto do silêncio que diz Tudo.

Desculpem este artigo tão pouco objectivo e tão pouco comum numa gamer… os jogos são tatuagens e com eles descubro-me cada dia mais um pouco. Os jogos e livros, controem o meu DNA e com isso, transportam a seiva que une as minhas cicatrizes.

Disse-vos que no final, Yoda transporta Ico para um barco e fica para trás. Não vos posso descrever o quanto chorei ao presenciar a separação. Ao entender o sacrifício que ambos fizeram. Os créditos finais corriam, a música tocava, e eu, entre lágrimas, acompanhava Ico na sua viagem de barco à deriva. Os créditos terminam –  Ico encontra uma praia. Há silêncio. Suspeitamos que afinal, o jogo não acabou. Levantamo-nos e exploramos. Encontramos Yoda, desmaiada na areia. Vemos os seus dedos a mexer e os olhos a abrir. Sabemos que está bem e que, mesmo no caos, não desistiu de procurar Ico.

As lágrimas secam. Existe a esperança de outro e  novo caminho. Afinal, cada separação traz consigo um novo encontro.