25 de Janeiro de 2015, 12h30
Não consegui resolver o problema. Pelo contrário; quanto mais escrevo, pior fica. Desta vez, não consigo conter as lágrimas e escorrem-me pela cara e pelo pescoço abaixo.

25 de Janeiro de 2015, 4h00
Fecho os olhos. Vou tentar dormir quatro horas. Estou deitado no chão, entre pessoas que já dormem e outras que tentam dormir, como eu; uns ressonam, outros gemem. Acho que estou a enlouquecer; por momentos, parece-me que estou a ouvir vozes; “acalma-te, acalma-te”, digo para mim; “respira fundo”. Inspiro. Expiro. Inspiro, mais lentamente. Expiro; mais lentamente; muito mais lentamente. “Tu consegues”.

25 de Janeiro de 2015, 6h30
Sou acordado pelos seguranças da Universidade Lusófona; o barulho que fazem lá fora sugere que estão a chutar bolas contra portões metálicos. Não podiam querer saber menos de estarem pessoas a dormir na sala ao lado ou não. A sala tem metade das pessoas de há bocado, que ainda dormem.

Neste momento, encontro-me no meu carro poeirento a registar esta nuvem de pensamentos e memórias se apoderou de mim; e apodero-me eu agora dela, não quero perder esta oportunidade; não é a primeira vez que tento escrever sobre game jams; nunca cheguei a publicar nada no Rubber Chicken sobre o tema por causa de uma série de acidentes infelizes; a último foi um ficheiro que ao gravar ficou corrompido no disco. Mas fiz muitas entrevistas ao longo deste, e tenho algumas guardadas no computador, por editar; quando chegar a casa e terminar esta coleção com um artigo final, que estou esgotado e talvez já escrevi mais do que devia, incluirei a a voz dos próprios game jammers.

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O que é que achaste do tema?”, perguntou-me Ivo Capelo, neste (passado) fim de semana. Dei-lhe a minha opinião. “A nossa preocupação era que fosse estimulante para vocês. Estivemos horas a escolher o tema, acredites ou não”; achei a palavra “preocupação” interessante. “Obrigado por nos terem arranjado puffs”, disse-lhe; “deve ter sido complicado convencerem o pessoal do Instituto Superior Técnico a concordarem com isto tudo”; puffs, uma sala para descansarmos, micro-ondas, máquina de café; “esse material não foi cedido por eles; é tudo da Miniclip; nós é que trouxemos tudo. E sim, foi complicado, nem imaginas”. O Instituto Superior Técnico é uma universidade complicada, dirigida por pessoas complicadas. “Também queríamos trazer uma mesa de ping-pong, mas não deixaram”. Apontei para o pátio vazio do pavilhão, que em certas alturas do ano é usado como espaço de trabalho para alunos, “eles não deixaram usar o pátio para a jam?”. “Não; disseram-nos que não estava disponível”. “Pois; estou a ver”. “Não, nem estás; se não fossem os nossos contactos na SINFO, nem vos tínhamos conseguido arranjar uma sala de descanso; e que é só de ‘descanso’; teoricamente, nenhum de vocês pode dormir lá”.

As salas do Instituto Superior Técnico estavam quase todas vazias naquele pavilhão; as salas que a universidade cedeu à Miniclip não tinham janelas para o exterior, e “não foram fáceis de arranjar”. A palavra “preocupação” é de facto interessante; há quem se preocupe em dar uma oportunidade aos videojogos em Portugal, e há quem não demonstre o mínimo de interesse.

Conheci Ivo Capelo na primeira edição da Innovation Awards da SINFO. Éramos ambos participantes. O prémio, se não me engano, era uma viagem à Gamescom. Ivo e a sua equipa ganharam. Tenho seguido o seu percurso de forma acidental, encontrando-o por vezes em game jams e noutros eventos sobre videojogos, desde então até à sua chegada à Miniclip Portugal, onde trabalha hoje. Ivo Capelo foi um dos jurados da última edição do Innovation Awards, juntamente com Miguel Vicente e dois representantes da Faber Ventures. Encontrei muitos dos jogos que foram apresentados no Innovation Awards também no Pizza Night da Microsoft.

As pessoas que tenho destacado nestes artigos são só algumas entre as muitas das responsáveis pela comunidade portuguesa de criadores de jogos estar tão cheia de vida; cada luta que ganham contra uma Lusófona, ou um Instituto Superior Técnico, ou uma Microsoft sopra mais ar para os pulmões da comunidade, e torna a indústria nacional uma realidade cada vez mais palpável; há-de chegar o dia em que estas instituições pedir-nos-ão para lhes darmos a nossa atenção.

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Não posso falar de toda a gente, é impossível, mas pelo menos falo de alguns, que merecem pelo menos nossa gratidão; algum tipo de recompensa. Outra cara que quero aqui deixar é a de Diogo Vasconcelos, co-fundador da Nerd Monkeys, co-organizador da Game Dev Meet, co-muita-coisa, um homem que está sempre envolvido quase em tudo o que diz respeito a videojogos em Portugal. A Banana Jam de 2015 começou no início de Março e terminou no início de Maio; quase no fim do evento virtual, comentei com alguém que tinha pena de ter andado tão atarefado e de não ter tido tempo para participar numa competição daquela dimensão; essa pessoa disse-me que eu estava sempre a tempo de fazer um jogo e deu-me o endereço de Skype de Vasconcelos; pouco depois de o ter contactado, e ele ligou-me imediatamente aos canais principais do evento, deu-me conselhos, sugeriu-me membros com quem fazer grupo, deu-me os contactos dele, desejou-me boa sorte e mostrou-se disponível para me ajudar e tirar dúvidas quando eu precisasse.

As pessoas que se dedicam desta maneira estão, sem dúvida, a fazer a escolha certa; e serão, sem dúvida, recompensadas.

25 de Janeiro de 2015, 18h30
Limpo as lágrimas da minha cara. Chegou a hora de apresentar. Não tenho nada. Não consegui. O meu projeto nem sequer compila. Quero acreditar que pelo menos aprendi qualquer coisa, que estas 48 horas de sacrifício tiveram algum significado, que não as desperdicei; mas não consigo. Não consegui. Tudo o que tenho para mostrar são screenshots do meu ambiente de trabalho. Sinto-me derrotado; vazio. Criei uma coisa que morreu, que nunca viveu. Era uma parte de mim. Inspiro; lentamente.

24 de Maio de 2015, 18h40
Bato palmas. Batemos todos. Os jogos que vi têm uma qualidade muita elevada, de um modo geral. Sinto uma ligeira inveja saudável. Provavelmente, não vou ganhar prémio nenhum, mas sinto-me bem com isso; prefiro não ganhar nada pelo facto dos restantes jogos serem bons, do que ganhar por ser o único a apresentar algo decente.
Disseram o meu nome, é a minha vez de apresentar. Levanto-me. Estou introvertido, magoado; as mãos tremem-me; dói-me algo que ainda não compreendi; ecos pavlovianos.

25 de Janeiro de 2015, 19h30
Uns tentam consolar-me dando os parabéns pelo meu esforço, outros explicando que por vezes “acontece”. Não há automatismo nas palavras; são palavras de pessoas que já lidaram com o fracasso de uma forma ou de outra; palavras afetadas por memórias parecidas. O apoio que me é dado é reforçado por uma honestidade transparente. E finalmente, é então que percebo que para todos os efeitos, não estive a fazer um jogo sozinho.

24 de Maio de 2015, 18h41
Está-me a custar olhar para a assistência nos olhos; não é costume; não são só as minhas mãos que tremem, agora também são os braços e os joelhos; estou exausto, absoluta e transversalmente; tudo o que me compõe está exausto, partícula a partícula; sinto um vazio familiar.
Mas a nuvem dissipa-se. Sem mais nem menos. Estive dois dias seguidos com aquelas pessoas. Pelo menos dois dias. Lembro-me do apoio que recebi e que dei. Enquanto estão a olhar para mim, nesse fragmento de segundo, e lembro-me que teria valido a pena de qualquer maneira, fosse o jogo bom ou mau, estivesse completo ou incompleto. Olho-os nos olhos e reencontro companheiros de guerra. Tentei. Vale sempre a pena.
Estou pronto para outra. Começo a falar.