…mas com muito, muito humor
Na nossa caçada semanal vamos dar alguma atenção a alguns jogos lançados nesta, ou nas semanas anteriores, e cujos ambientes giram em torno da escuridão húmida das masmorras. Nós sabemos que depois do sucesso de 50 Shades of Grey qualquer referência a masmorras cria uma alusão quase pavloviana com BDSM, mas na realidade do que queremos mesmo falar é de RPGs, roguelikes e dungeon crawlers indies que podem estar a passar debaixo do vosso olhar.
The Weaponographist
Às vezes falamos de jogos cujo visual destrói por completo a experiência de jogo, resultado de equipas reduzidas constituídas apenas por programadores ou pela teimosia de zés-dos-sete-ofícios que se consideram melhores artistas do que são. The Weaponographist cai no extremo oposto, e assemelha-se demais a um jogo desenvolvido por uma série de artistas, brilhantemente ilustrado, mas deficitariamente afinado.
Neste jogo vivemos o papel de Doug McGrave, um intrépido herói amaldiçoado por uma feiticeira, e cujo feitiço provoca a deterioração de todas as armas que ele empunhe. Na prática deu-lhe um toque de Midas inverso, tal qual aqueles amigos desajeitados que todos temos e que em muito contribuíram para nos diminuir o serviço de louça em casa. Copo na mão é copo no chão.
Apesar do conceito ser interessante, e de trazer um twist diferente aos top-down dungeon crawlers, a maravilha visual que este jogo constitui esbarra directamente com os seus controlos. Desde sentirmos que o Doug escorrega pelos níveis, a problemas de falta de afinação nos ataques, há uma série de pequenos ajustes que faltam fazer e que acabam por estragar um pouco a experiência de jogo. O que é uma pena, porque o tom humorístico do jogo, a diversão de o jogar (quando não interrompida por falta de controlo do personagem), a exímia qualidade visual e das animações fazem deste jogo da Mastertronic um verdadeiro eye-candy, mas cuja programação tem tanto a aprender com The Binding of Isaac.
The Weaponographist é um exclusivo PC.
Pixel Heroes: Byte & Magic
Os RPGs já percorreram um longo caminho. Desde os pen & paper RPGs que alguns ainda teimam em jogar (como grande parte aqui da equipa do Rubber), passando pelas text adventures dos primórdios dos videojogos e pelos livros choose your own adventure, e atravessando os primeiros videojogos com interface gráfico e com jogadas por turnos, terminando nos dias de hoje em mundos gigantescos, abertos e com conteúdo de dezenas e dezenas de horas.
E depois temos os casos corajosos como este Pixel Heroes: Byte & Magic, da Headup Games, que mistura na perfeição uma viagem moderna aos primeiros RPGs com interface gráfico, com um audiovisual tão retro e tão bom que somos transportados para o melhor do que era produzido no final dos anos 1980. Pixel Heroes é auto-referencial, parodia-se e parodia o género com um humor que alegrará o maior habitué dos RPGs, e começa, de forma cliché, com o recrutamento de uma party numa taberna. Quantos de nós, em volta de uma mesa, não tivemos a apresentação de personagens que se conhecem “em jogo” durante um serão de copos e pugilato? E quantos outros videojogos nestas últimas décadas não tiveram também esta premissa?
Esta viagem retro aos RPGs clássicos é a derradeira homenagem que o mercado indie poderia fazer ao género. Num jogo desafiante, quase cruel por vezes, simples, ainda que difícil, em que cada sucessão de combates para atingir o boss de final de quest são verdadeiros suplícios. E um jogo onde facilmente revisitaremos esse amigo de longa data o TPK (o total-party kill), o que nos levará a começar o jogo de novo.
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Pixel Heroes: Byte & Magic é um exclusivo Android, iOS e PC.
Dungeon Crawler HD
Apesar do título de Dungeon Crawler HD da Drowning Monkeys Games ser tão literal quanto jogarmos um FPS chamado First Person Shooter 2012, ou um RTS chamado Real-Time Strategy 1080p, há muito mais para além da sua aparente simplicidade do que podemos assumir nos primeiros momentos. A começar pela sua notória vontade de homenagear os Ghostbusters com humor, referências a personagens, e pelo facto dos autores encararem esta Dungeon Crawler HD como um Ghostbuster dungeon crawler medieval. E já repeti tantas vezes a expressão dungeon crawler que quase me esqueci de indicar algo: este jogo não se remete apenas a dungeon crawling, mas também a RPG de estratégia.
Mecanicamente simples, o que justifica a sua existência em plataformas mobile, Dungeon Crawler HD é perfeitamente directo no que temos de fazer: conduzir a nossa party típica (um tanque, um mago e um curandeiro) por uma série de masmorras, derrotando criaturas e bosses, recolhendo o usual loot e aprendendo novas habilidades. Simples não é? E muitas vezes o mais simples é mesmo o mais divertido e mais cativante. E é claro, não falhando o tom das nossas caçadas anteriores, também este jogo está repleto de referências humorísticas. Será que o género já amadureceu tanto que a abordagem possível e viável é a auto-paródia?
O melhor de tudo deste divertido jogo com cerca de nove horas jogáveis é mesmo o preço. Desde 1,99 para mobile e 3,99€ (em promoção no Steam), é uma das melhores propostas que encontrámos esta semana no rácio horas de diversão/preço.
Dungeon Crawler HD está disponível para PC e iOS.
Flame Over
E é neste momento que as poucas pessoas que lêem sobre o mercado indie param de ler o artigo e perguntam “o que é que este gajo fumou para por num artigo sobre dungeon crawlers e afins um jogo sobre um bombeiro?”. E eu compreendo perfeitamente a questão. Mas quando recebi um e-mail da editora Ghostlight a anunciar este Flame Over como uma espécie diferente de dungeon crawler, e denominado-o como um “pyroguelike”, automaticamente as minhas orelhas de elfo (se as tivessem) se ergueram bem alto em direcção ao céu.
A primeira característica em que este Flame Over me surpreendeu e que tem em comum com os demais roguelikes é mesmo o desafio. O jogo atira-nos literalmente para o meio do fogo, com algumas básicas informações de controlos, e tudo o resto terá de ser “desenrascanço” nosso. E o que parece fácil: utilizar a mangueira para apagar fogos e o extintor para extingui-los, torna-se um osso duro de roer, ou uma costeleta difícil de assar. Instantaneamente o meu pessimismo em relação a um jogo em que controlamos um bombeiro foi sendo lentamente diluído pelo crescente desafio que as minhas sucessivas mortes iam criando. Apagar fogos, fazer a melhor pontuação possível, salvar pessoas e gatos das labaredas e conduzi-los à salvação, enquanto geria da melhor forma os meus reservatórios de água e CO2.
Flame Over é um pyroguelike, e é um aparentemente simples twin-stick shooter. Mas é acima de tudo viciante, divertido e criativo. E ficou para o fim de uma semana de boas surpresas em torno de RPGs e dungeon crawlers pela abordagem totalmente distinta de qualquer coisa já feita até aos dias de hoje. Genial até diria, de uma criatividade ardente.
Flame Over está disponível para PS Vita e PC.