O Rubber Chicken é paixão incomensurável por videojogos, é opinião isenta, e é também por vezes alguma parvoíce. Mas às vezes, muito às vezes, é serviço público. E urge afirmar que contrariando aquilo que muita gente pensa há algumas décadas, o genérico da série francesa Era uma vez… o Espaço (Il Etait une fois… L’Espace) não é cantada pelo mítico Paulo de Carvalho, mas sim por Pedro Malagueta, o cantor português que se notabilizou por esta música e por uma participação no Festival da OTI. Esclarecidos? Não precisam de agradecer. É para isso e para muitas outras coisas que cá estamos. E fica a lembrança de uma das séries mais pedagógicas e marcantes das nossas infâncias.

A alguns dias de partirmos para Los Angeles para assistir à E3, vamos marcar a nossa Caçada Semanal a olhar para as estrelas. Mas não apenas as de Hollywood Boulevard, mas também olharemos para cima, para a imensidão assustadora do espaço, esse vazio profundo inspirador para tantos artistas e tantos pensadores. Nesta semana debruçar-nos-emos sobre os jogos indie que andamos a jogar com esta temática e que são, alguns deles, compras obrigatórias para todos os amantes do espaço.

 

Kerbal Space Program

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Ao contrário de muita gente, o sonho de um dia ser astronauta sempre foi algo que me foi completamente desconhecido. Se pensava no espaço era apenas sua vastidão, mistério e deslumbramento. Sei que nasci na Terra e que aqui vou morrer, e que nunca farei parte desse número restrito de pessoas que pode ultrapassar as barreiras da atmosfera e ver o nosso planeta lá do alto, “redonda e inteira” como dizia o poeta. Posto isto, há-que dizer: Kerbal Space Program é um dos melhores simuladores espaciais que existem. E chamo-lhe simulador espacial à falta de melhor, porque o que ele é na realidade é um simulador de NASA ou ESA: em que tentamos construir a melhor nave/foguetão para levar a nossa raça (os kerbal) até à Lua (Mun, no jogo) e definitivamente mais além.

Todo o jogo tem um gigantesco tom de cartoon, desde os personagens, os diálogos e o próprio tom das missões, que se ajusta na perfeição a um tema tão complexo quanto a Engenharia Aeronáutica. É que Kerbal Space Program é uma espécie de Lego Technics NASA Edition em formato videojogo – na nossa missão de levar um astronauta a pisar a Lua vamos ter de fazer muitos testes, ter muitos falhanços como a Apollo XIII e ter de dar a volta à cabeça para perceber em que é que estamos a falhar para por o nosso foguetão em órbita.

Kerbal Space Program é indubitavelmente complexo, mas tem um mérito difícil de alcançar: consegue ser acessível mesmo para quem não tem formação em Física, transformando com alguma ligeireza e humor uma série de temas que são academicamente complexos, impedindo que este simulador seja exclusivo para Rocket Scientists literais. As possibilidades de design são quase infinitas, e podemos ir testando uma série de formas diferentes de conceber as nossas naves para levar os pequenos e simpáticos seres verdes pela exploração espacial.

Para além de estar desenvolvido de forma exímia, KSP tem um valor de rejogabilidade imenso distribuído por três modos diferentes de jogo. O que significa que apesar de não ter sequer coragem para ser um astronauta, ainda me sinto suficientemente confortável atrás do monitor do meu computador para desenvolver uma série de testes de lançamento espacial. Divirto-me e nem tenho de lidar com o meu medo de voar.

É enfim um jogo divertidíssimo, difícil, mas com um sentido de realização gigantesco: após dezenas de lançamentos falhados conseguir finalmente chegar à Lua e cravar a bandeira kerbal é uma das sensações mais refrescantes de sempre. Quem disse que não-Engenheiros não poderiam por um foguetão na Lua? É claro que conseguem, mesmo que tenham finalizado a vossa Licenciatura a um Domingo.

Kerbal Space Program é um exclusivo PC.

 

Steredenn

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Quase três anos de Galinha ao peito, no coração, e só agora percebi que é possivelmente a primeira vez que falo de um jogo de um dos géneros que cresci a jogar. Seja nas máquinas de arcadas ou na minha NES, os shoot’em ups sempre foram dos jogos mais desafiantes que tive a possibilidade de jogar, e que parecem ter ficado circunscritos apenas a uma geração que os jogou na infância/adolescência. Mergulhar neste Steredenn, um retro shmup dos Pixelnest Studios é em muitos aspectos regressar aos melhores jogos do género que joguei em 8 bits: desde Abadox, Macross, Forgotten Worlds, Gradius e terminando no sempre clássico R-Type.

Steredenn não vem reinventar o género, ou apresentar-se como o último bastião dos shmups. Mas é um jogo de nicho, que homenageia muitos dos jogos que nos colocaram os batimentos cardíacos ao ponto da quase taquicardia, e que contribuíram para que a nossa coordenação olho-mão e reflexos fossem sobejamente aumentados. Não sei conseguiria acertar no buraco da agulha da Deathstar, mas graças a muitos destes jogos eu teria decerto os reflexos de um gato no manche. Não me sentiria confortável era mesmo a pilotar sem ter os pés assentes na terra.

Voltando a Sterdenn que ainda está em Early Access, e que se apresenta como um dos mais bem-conseguidos retro shmups que vi chegarem ao mercado. Com a sua pixel art colorida e esteticamente brilhante, e que é adornada por uma surpresa ao género (e a grande parte do mercado indie). O expectável nos dias de hoje é ouvir bandas-sonoras compostas por bandas-sonoras ou por 8-bit music. Steredenn arrisca, e na minha opinião, com sucesso: para jogar com todo o caos deste shoot’em up temos faixas de metal, que nos conseguem fazer sentir o entusiasmo de destruir o entusiasmo de destruir dezenas de naves inimigas enquanto nos esgueiramos por saraivadas de tiros inimigos.

Ah, que saudades já eu tinha de bons shoot’em ups!~

Steredenn é um exclusivo PC.

 

Devouring Stars

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Para finalizar esta viagem ao espaço encontramos um dos jogos estilistica e conceptualmente mais curiosos que tivemos oportunidade de experimentar. Antes de mergulhar na luta narrativamente cósmica deste Devouring Stars, um RTS aparentemente simples onde controlamos uma série de entidades estelares que devoram estrelas e as usam como munição na batalha divina contra outras entidades. Há aqui na génese deste jogo algo que me relembra automaticamente o panteão cósmico da Marvel Comics. Eu sei que para alguém que leu quase tudo o que existe da editora há sempre comparações possíveis com enredos/personagens existentes. Uma pessoa a comprar um gelado? Ah, sim, como naquelas história do The Incredible Hulk da fase David/Keown. Uma carta das Finanças? Fez-me mesmo lembrar os problemas financeiros do Captain America quando trabalhou como ilustrador na era do John Byrne. E aí por adiante. Mas regressando a este Devouring Stars, que apesar de ainda estar em Early Access conseguiu tornar-se um dos jogos mais criativos e interessantes a correrem no meu PC na semana passada: há uma analogia quase imediata com Galactus, o Devorador de Planetas na forma como consumimos os astros, e os Celestials, a raça “cultivadora” universal que usou planetas e sóis como armas de arremesso (lembrando a Infinity Gauntlet Saga).

Mais parecenças com a Marvel? Nenhumas. Devouring Stars é depurado, quase infográfico, e é esse aspecto quase acético que esteticamente lhe confere uma identidade e uma força próprias. O que à primeira vista parece apenas um jogo simples quase ao estilo do mercado mobile, vem revelar um RTS complexo, desafiante, com um enredo poético a sustentar uma série de escolhas criativas.

Devouring Stars é, sem dúvida, um dos exemplos que me faz semanalmente mergulhar no mercado independente à procura de jogos que poucos media vão escrever. Devouring Stars é diferente, inteligente e subtil. Tal como quase todas as coisas interessantes da vida.

Devouring Stars é um exclusivo PC.