Sabes Nintendo, assim que o programa de ontem terminou pensei automaticamente neste poema do grande Gedeão, “Calçada de Carriche”, que por alguma razão estranha me é sempre martelado na memória pela Odete Santos a declamá-lo no Herman 99 (ou algo semelhante). Cada vez mais me lembras a Luísa do poeta, esforçada, exausta, esmagada, resistente. Parece que oscilas entre o fulgor contagiante e a apatia dos desistentes e dos conformados, e deixas-nos confusos nessas alterações de disposição inesperadas. Como quem luta contra a refulgência da resignação gravada na alma a ferro e fogo.

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Começaste bem a apresentação de ontem: o apelo aos Muppets e à memória desse génio cultural que é o malogrado Jim Henson é daquelas coisas que só tu poderias fazer. Não te levas a sério, sofres de uma espécie Síndrome de Peter Pan – assim como sofre quem te dirige, que parecem crianças japonesas no corpo de homens de meia-idade – num entusiasmo pueril que é tão contagiante quanto único. É essa criança-que-nunca-cresceu que faz de ti singular num meio tão competitivo, tão cheio de espelhos, fumo e fogo-de-artifício, e que me fez desenvolver esta amizade pura por ti em 1989 sem nunca mais parar. És a razão pela qual eu gosto de videojogos: de os jogar, analisar, reflectir sobre eles e querer desenvolvê-los. Conheço-te como não conheço mais nenhuma empresa. Não me desiludiste ontem, mas entristeceste-me: faltou-te alma, faltou-te brilho. Faltou-te o entusiasmo de outras alturas. Não tens muito a provar nos dias de hoje porque te resignaste à situação da Wii U. Mas nós não queremos que te resignes, nem que compadeças desse acomodamento. Queríamos o brilho do ano anterior onde arriscaste muito, e a meu ver, com um tremendo sucesso. Mas não, voltaste aquele lugarzinho-de-conforto onde vais frequentemente, e onde estiveste a última vez em 2013, de onde apenas o denominado (à época) Project X te acordou. Ai és a Nintendo que os que te odeiam criticam, e com razão: a companhia quase autista que parece fazer orelhas moucas ao que está à sua volta. Mas nós não lhes queremos dar razão. Nós queremos que nos surpreendas e que mostres vigor.

Parece-me que gastaste o teu maior (e único?) trunfo logo para o início da apresentação. Vermos gameplay de Star Fox Zero, uma das sequelas que todos esperávamos, foi finalmente aquela cereja no topo do bolo. Não nos surpreendeu por ser uma certeza, mas agradou pelo patamar onde o jogo (já) aparenta estar, e que é reflexo desse óptimo trabalho em parceria que tens tido com a Platinum Games. Star Fox não vai ser argumento de venda da Wii U para ninguém, mas os teus fãs estão felizes por responderes com exactidão aos nossos desejos. Se a Sony apresenta FF VII remake e Shenmue 3, tu podes, para o teu público, dar-lhes imagens de Star Fox Zero como uma prenda de Natal antecipada.

A partir daí arrefeceste, tornaste-te expectável. Apresentaste boas propostas que me agradaram, e possivelmente a muitos outros milhares (milhões de fãs?) mas que não deixaste em catatonia de emoção. Como a Sony fez no dia anterior. Como a Bethesda fez dois dias antes. Como tu também sabes fazer quando não estás circunscrita a esse círculo confortável.

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Fizeste-me soltar um grito de alegria em três momentos. E digo alegria, e não surpresa. Como aquele urro que lançamos quando estamos num concerto e a banda toca a “nossa” música, apesar de já termos a certeza que a iam tocar. O cruzamento entre as séries Mario & Luigi e Paper Mario eram uma possibilidade que quem segue as duas séries sempre equacionou, e agora vai mesmo concretizar-se. Como é que podes fazer do jogo algo excelente? Se mantiveres os argumentistas de Mario & Luigi e/ou fores recontratar os que escreveram os primeiros Paper Mario. Se fores buscar os autores do último Paper Mario vamos chatear-nos a sério. A seguir foi The Legend of Zelda: Tri Force Heroes, mais um jogo cooperativo com Link (ou Links), uma fórmula testada e comprovada que decidiste ir buscar à gaveta-das-coisas-seguras e que nos deixam felizes na mesma. Novamente: felizes, não surpreendidos, ou genuinamente orgulhosos. Não como fizeste com Splatoon e Codename S.T.E.A.M. no ano passado. E o meu último berro foi mesmo com Animal Crossing: Happy Home Designer e amiibo Festival e nem percebi bem porquê. Acho que é o Síndrome de Estocolmo a que o Tom Nook e companhia me condicionaram: vou sempre lá voltar, ficar refém quase inexplicavelmente, e depois sair embevecido pelos meus captores.

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Não sendo urros de alegria ainda me fizeste soltar um ou outro sorriso. Um controlado, porque a ansiedade em torno de Xenoblade Chronicles X, Fire Emblem Fates, Genei Ibun Roku #FE e YO-KAI WATCH são dados adquiridos: sei o que espero, sei que a priori são apostas certas e que serão dos melhores títulos que jogarei nos próximos meses. O que resta? Tê-los nas minhas mãos. Só isso. O urro não foi mais eufórico por auto-controlo: aqui estão presentes os vossos próximos exclusivos cujos agregadores estabelecerão como os top games das vossas plataformas. Esta é uma certeza minha, não é um rumor. Sabes que não gosto de rumores.

Conseguiste tirar-me dois encolheres de ombros desinteressados e algo enfadados. Mario Tennis: Ultra Smash e Hyrule Warriors: Legends foram os momentos inócuos, os minutos André Sardet da apresentação que não aqueceram nem arrefeceram. Nada de novo a Oriente? É triste. Esperávamos uma maior energia da tua parte. Não me canso de dizer.

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E depois a aparente polémica que já deu direito a petições, manifestações e daqui a pouco, a hackings ao site da Nintendo – Metroid Prime: Federation Force. Não, querida Nintendo, quando te pedimos um Metroid pedimos-te para conversares com o Yoshio Sakamoto, e com a supervisão dessa entidade cósmica criadora que é o Miyamoto de fazeres o regresso da Samus que ela, e nós, merecemos. E tu sabes bem disso. O que apresentaste parece ser engraçado, mas não é o que pedimos. Mas não nos vamos zangar um com o outro por lhe chamares Metroid. Tu fizeste tanta coisa pior e nunca deixámos de ser amigos.

E já que falamos deste Federation Force deixa-me dar-te os parabéns: estás a apostar em força no cooperativo online. Percebeste que as críticas que sempre te fizemos de estares presa na década de 1990 eram verdade e que afinal sabias fazer bons jogos multijogador online. Voltamos a falar de Splatoon, parece que desde o ano passado todas as nossas conversas vão invariavelmente cair no teu shooter. Andas a arriscar, e isso é bom. Mas estás desanimada.

Nem te vou falar do Super Mario Maker ou do momento verdadeiramente histórico de teres o Miyamoto e o Tezuka a falar do game development do Super Mario Bros., com verdadeiras preciosidades históricas como plantas e planos manuscritos, em que relembraste a toda a gente que te quis ou(ver) que é no fundo por culpa tua que andamos todos cá. Mas isso é matéria para outro artigo, mais logo. E aproveito, é claro, para dar os parabéns à tua mascote que assim como eu chegou à terceira década de vida. Estamos mais maduros, diria eu. E crescemos literalmente um com o outro.

O que é que me parece Nintendo, e sendo-te extremamente honesto, como sabes que sou: eu acho que tu na prática desististe da Wii U, declaraste oficialmente o pedido de morte assistida e estás a desenvolver os paliativos. The Legend of Zelda e o hipotético Super Mario do Miyamoto que acompanha todas as gerações (e as revoluciona) poderá ficar omisso desta tua consola, que tem um catálogo de exclusivos tão bom, tão bom, que é tão injusto vê-la morrer assim. Mas esta morte anunciada tem uma série de culpas da tua parte que já muitas vezes te disse. Precisas de repensar a tua estratégia para as consolas domésticas. E acredita, adicionar uma letra ao fim do nome de uma consola não chega para que o jogador comum, o casual, aquele que te permitiu vender Wiis como se não houvesse amanhã, perceba que Wii U não é apenas um periférico em relação à antecessora. Não confies em excesso nos teus fãs, eles são uma rede segura mas não são o suficiente para te dar a disseminação que deverias alcançar.

Só me resta a esperança que o nosso próximo encontro, que ocorrerá daqui a menos de dois meses em Colónia te traga com outro espírito. Menos confortável, mais arrojada, mais arriscada, mais viva. Para não ficares com problemas de auto-estima posso-te garantir que não estiveste mal ontem. Mas não estiveste excelente. E tu devias obrigar-te sempre à excelência. Não é isso que apregoas?