A Ubisoft re-apresentou Assassin’s Creed: Syndicate ao mundo, desta vez com gameplay à mistura. Mais ou menos.

Vamos abrir com um vídeo dos nossos queridos amigos do IGN.

“O problema de Unity é que era demasiado ambicioso, era demasiado fantástico; tomámos alguns riscos; as pessoas não deram crédito suficiente ao nosso trabalho, pareciam crianças que faziam bullying, a chamarem nomes feios ao nosso jogo, a julgarem-no superficialmente.

“Trabalhámos no duro quarto anos, e a Internet anda por ai a passar imagens dos nossos bugs? É muito injusto; mas por outro lado até percebemos se, por algum motivo, de algum modo, o jogo não correspondeu às expectativas dos nossos fãs.

“Mas o nosso próximo jogo vai ser excelente. Nós sabemos aperfeiçoar-nos, analisar os nossos erros, e recriar os nossos sucessos, melhorá-los até. Pensamos muito nos jogadores. Este próximo jogo vai ser histórico.

Que fofos.

Isto foi em 2015, uns dias antes de sabermos que Syndicate se ia chamar “Syndicate”. Regressemos a 2012. Um edifício no Canadá. Uma sala. Um homem de fato e gravata entra na sala, segura papéis numa mão, e uma cópia de Assassin’s Creed III na outra.

“Quem é que foi o [censurado] que se lembrou da revolução colonial Norte Americana? Juro-vos, é com cada [censurado]! Ninguém aqui se lembrou que as casas lá tinham quase todas dois andares, três no máximo? Isto não é um jogo de parkour, seus [censurado]?”.

Ele está a espumar.

“Escalar edifícios, saltar de telhados? Não? É para fazer parkour nas árvores, minhas bestas?! Hã?! Parkour nas árvores?! Eu mato-vos!”.

Está mesmo capaz de matar alguém, nem é um exagero. E vai matar.

Tu! Anda cá…”.

O argumentista dá uns passos medrosos na direção do homem. Leva um soco no abdómen, e outro na cara. Vai matar.

Porque é que mataste o protagonista? Hã? Aliás, não, espera: fiquei a saber que alguém teve a brilhante ideia de destruir o Mundo! Quer dizer, temos Assassin’s Creeds agendados até 2020; ainda não te entrou na cabeça, seu [censurado], que é para fazermos Assassin’s Creeds até, sei lá, para sempre? Quer dizer, já se entrou na pre-produção do Assassin’s Creed IV e tudo e tu decides que afinal toda a gente morre?! Tens algum problema mental?

“É o sexto…”.

Diz?!!”.

“Chefe, este Assassin’s Creed, apesar de ter lá um “III”, é o quinto, sem contar com os jogos mobile. O próximo é o sexto, não é o quarto”.

E matou. Estrangulamento.

Vários anos passaram e a Ubisoft manteve a sua promessa de 2009: continuou a fazer Assassin’s Creeds todos os anos; e continuará.

É sempre um prazer falar sobre esta franchise, nunca me canso, é uma fonte inesgotável de comédia.

Por exemplo, Syndicate. Unity foi um desastre. Mesmo que tivesse sido corrigido por patches na semana seguinte ao seu lançamento, continuava a ser inadmissível ter sido lançado naquele estado. Mas os bugs estavam lá na semana seguinte, e na seguinte a essa, e tanto quanto sei continuam lá, a maioria deles, porque são problemas de raiz. Não é um bom trabalho com mau acabamento aqui e ali; é um freakshow que abriu a gala de 2014 dos AAA cheios de bugs, com uma dança pomposa que mostrava a todos os outros estúdios e publishers: “olhem, vocês podem lançar qualquer porcaria no pior estado possível, o público admite, compra, e até dá dinheiro extra; são uns otários”. E no meio da coreografia descoordenada que o público pagou para ver, sessenta e tal euros ou dólares por bilhete, a Ubisoft pára, desavergonhada, e estende o chapéu; “não é esmola, são ‘micro-transações!’”, grita, para quem lhe faz perguntas, “não precisam de pagar; só pagam se quiserem!”.

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Foi por essa altura, enquanto os jogadores de Assassin’s Creed III ainda estavam em negação, enquanto ainda pensavam que aquela catástrofe em forma de jogo podia e ia ser resolvida com patches, enquanto aguardavam estes mesmos patches, que saíram os primeiros screenshots de Syndicate.

Também estou apático com Assassin’s Creed, como o Ricardo Correia, mas a minha relação com a série é muito diferente, e as minhas expectativas por Syndicate são muito mais baixas. Esta apresentação só prova isso.

Lembram-se da “demo” de Watch Dogs da E3 de 2012?

Há vários programas de hacking no telemóvel, o homenzinho seleciona um, e desliga a rede das pessoas que estão à entrada da galeria; assim, o segurança sai de onde estava… e ele pode passar à frente?
Esperem, isso não faz sentido nenhum; sempre que ele corta a rede, as pessoas saiem do sítio onde estão, é? Quando ele estava a por-se ao pé da entrada, o segurança não estava a falar ao telefone; e se ele tivesse cortado a rede nesse momento? E se o jogo é assim tão subtil, esse método cortar na fila não é um bocado parvo?
Esperem aí; se ele seleciona o programa no telemóvel em tempo real, como é que isso funciona em cenários de ação, tipo tiroteios, e fugas de carro?
Esperem, está alguém a falar para ele da televisão? Isso significa que há um trigger na porta, e que só dá para entrar no nível daquela forma? Será que dá para entrar a disparar? Se der, a cutscene que nos apresentaram já não faz sentido nenhum; será que gravaram várias?
Esperem, isto dá para ver a identidade dos NPCs… mas resume a vida deles em duas frases? É demasiado conveniente, não? Se a lista tivesse que ser maior, cabia no ecrã?
Não, não, não, esperem; ela descobriu o homezinho, e está a telefonar a alguém; como é que isso funciona? O homenzinho está a escutar a chamada de telemóvel dela, no preciso momento em que ela fala dele; foi coincidência? Era possível ela falar do homenzinho sem o jogador estar a ouvi-la? Isso não seria confuso? Então só acontece como trigger? E se o jogador escutar um segundo, e fechar o menu de escutas? Faz reset à conversa?
Esperem, o homenzinho pode sempre usar slow-motion quando dispara? Só às vezes? Como é que isso funciona também?
Calma aí, esperem um pouco; o jogador fez hacking aos semáforos, e causou um acidente dinamicamente. E se o carro do alvo ficasse entalado entre dois carros, e não desse para abrir a porta? Porque é que há tanta gente com metrallhadoras espalhadas pelo acidente? Os guardas do alvo vinham todos em carros de direções opostas?
Esperem, ele acabou de entrar num carro e ligou-o, assim sem mais nem menos… Fez hacking ao carro?

No fim de contas, quando Watch Dogs foi lançado estes “esperem” passaram a fazer sentido; há uma enorme discrepância entre essa “demo” e o jogo, porque na verdade não era demo nenhuma, era um filme de ação renderizado em tempo real; uma peça de teatro que decorreu no motor de jogo, ou que teria decorrido, se aquele fosse sequer o mesmo motor, que nem é.

Vejamos agora a “demo” de Syndicate desta E3, com a mesma lupa:

O alvo fugiu. O homenzinho corre atrás da carroça a aparece outra carroça aleatória, e ele toma posse desta. Esperem, como é que era suposto o jogador saber que ia aparecer a carroça? É suposto aparecer sempre? Isto não é um sandbox?
Então a carroça vai sempre atrás do alvo, mesmo quando o jogador não a está a conduzi-la? Isso não é um bocado parvo? Porque é que o homenzinho não ficam em cima do telhado, e espera que a perseguição acabe?
Esperem: outra vez? Aparece um comboio aleatório num timing conveniente? É suposto aparecer sempre o comboio? Se sim, significa que os comboios não seguem horários fixos? Implicaria que o jogador não pode depender destes para se deslocar pela cidade, não?
Esperem, mas agora a visão raio-x é em slow-motion, e está activa enquanto o homenzinho se desloca e faz coisas? Isso não é um bocado overpowered? Pode-se usar sempre? Como é que funciona?
Mau, esperem aí, se o homenzinho em vez de ter caído num telhado de carruagem, tivesse caído na ligação entre carruagens, como é que era? Morria? Era a mesma coisa? E quem são estas pessoas que estão a subir para os telhados? Porque é que querem lutar com o homenzinho? Como é que sabem sequer que ele está lá em cima?
Esperem, esperem, esperem; o quê? A locomotiva afinal desliga-se das carruagens, mas no timing certo para o homezinho ainda conseguir apanhá-la; que pontaria! Como é que isso funciona? E se o jogador demorar a reagir, e não começar a correr imediatamente? E se o jogador tiver a camera a apontar para trás? Quer dizer que no final da perseguição, o jogador tem uma alta probabilidade de falhar e ter que recomeçar tudo de novo?

Não é uma demo. Nem é um jogo, porque ainda não há jogo nenhum. Só há ideias soltas. Mecânicas, sistemas, causa e efeito, são tudo coisas demasiado foleiras para uma empresa tão cool como Ubisoft.

Muito gostam eles de ir todos os anos às E3 mostrar setpieces gigantes disfarçadas de sandboxes, sem quaisquer paralelos traçáveis com o jogo final.

Nem os censuro. O público fica excitado, gosta é disto.

Eu, por outro lado, só voltarei a comprar um Assassin’s Creed quando fizerem um com dinossauros, ou passado no espaço. Já imaginaram, saltar para um fardo de palha no espaço? Deve ser fantástico.