Ainda não saiu e já é jogo do ano há 15 anos.
Ou assim os meus dotes proféticos já o haviam declarado mais uma vez no ano passado.
É pena que Ryo Hazuki – perdão – Yu Suzuki tenha necessitado duma cunha da Sony (“vem comigo que eu apresento-te ao meu pessoal”) e de levar com o proverbial pontapé no traseiro para começar realmente a ponderar na perspectiva da possibilidade de vir a trabalhar na sequela para o “porra, o que é que vamos fazer agora depois deste final?” a.k.a. Shenmue II.
Honestamente, recordam-se do final do segundo jogo? Não admira que o homem esteja a pedir para contribuir, não só com o nosso dinheiro para financiar o jogo, como também com as nossas ideias e criatividade para o retirar do buraco que ele próprio cavou. “Queremos fazer um jogo moldado pelos nossos fãs” – bem jogado, Sr. Yu.
Para quem esteve a viver debaixo de uma rocha ou fechado numa casa em Cascais durante os últimos 15 anos, o Shenmue é um jogo saiu para a Dreamcast no ano 2000 (no Ocidente) e cuja trama é simples: no Japão dos anos 80 um mauzão parecido com o Tao Pai Pai vai a tua casa/dojo, mata o teu pai, dá-te um enxerto de porrada e rouba uma herança de família – um espelho com um dragão desenhado e do qual o teu pai nunca te tinha falado – agora, com a cabeça cheia de perguntas e um coração pesado, tens de encontrar o assassino, vingar a morte do teu pai e perceber a história por detrás daquele espelho.
Durante a tua perseguição vais enfrentar inimigos ferozes como salas de arcada ou a Sega Saturn que está no armário da televisão na tua sala (já vos disse que este jogo se passa nos anos 80?), arriscar os teus últimos ienes por brinquedos de cápsula, aperceberes-te que és um menor sem dinheiro e que por isso tens que ir trabalhar se queres chegar a algum lado (deves pensar que isto é o GTA – vai mas é trabalhar!), ter aventuras a explorar a extensa cidade, a bater coro à tua namorada Nozomi que é uma menina pura como a neve, sempre com um sorriso enternecedor e que trabalha numa florista (não podiam ter feito aquela rapariga mais querida mesmo que quisessem) e a combater bandos de motards arruaceiros porque, como já nós sabemos, todos os motards são escória e têm de ser parados.
Os pontos fortes do jogo são TUDO!! O jogo não tem pontos fracos! Banda sonora brilhante! Gráficos do outro mundo! Estava à frente do seu tempo em todos os aspectos, por isso não me venham com perguntas! Sim, até os Quick Time Events são bons! Sim, o segundo jogo também! Calem-se! NNNGGGGGGGGHHH!!!!
Dois minutos após inspiração e expiração profundas
Sinceramente, já passou muito tempo. Muito tempo desde os dois primeiros jogos que são duas obras primas no seu próprio direito. Durante anos os fãs pediram, clamaram, imploraram pelo terceiro. O fecho da trilogia. A resposta a todas as perguntas que temos sobre assassinato do pai de Ryo e toda a trama que está por detrás. Queremos ver o Ryo dar um enxerto de porrada ao Lan Di – a prova que ele está mais forte e mais maduro devido a todos os desafios que superou até agora. Podermos finalmente obter a catárse que já é um desejo crónico e quasi-irracional para quem viveu e respirou os dois títulos anteriores. Já nem queremos saber se haverá um possível twist no final, em que se descobre que na realidade o pai do Ryo era um filho da mãe e o Lan Di é um anti-herói incompreendido que está a tentar salvar o mundo; ou que Lan Di é na realidade o verdadeiro pai de Ryo, que foi roubado quando era recém-nascido, e é por isso que não o matou no início do jogo, lançando-lhe uma espécie de desafio “segue-me e cresce – tornar-te-ei mais forte”.
Já emprestei a minha Dreamcast com o Shenmue I e II a cerca de 5 ou 6 amigos diferentes que não conheciam os jogos (todos os adoraram) e vou continuar a fazê-lo. Eu sou um fanboy orgulhoso e altruista. Gosto de espalhar a palavra. Porque acredito piamente que os jogos são realmente bons e que são para ser vividos por todos. Tive um amigo meu no liceu a chorar-me nos braços depois de jogar o primeiro a dizer-me que não queria esperar pelo segundo jogo. E pelo terceiro nem quero pensar.
Estou cansado. Estamos todos cansados, os verdadeiros fãs – aqueles que quando jogaram o(s) jogo(s) estavam na altura no liceu e agora são adultos, alguns casados e com filhos, outros a trabalhar no duro do seu dia a dia. Já não somos as crianças que eramos, Sr. Yu, e a culpa é sua porque poderá estar a chegar demasiado tarde. O terceiro jogo da saga poderá não nos cativar como os anteriores, por melhor que seja. Aliás, quase que diria que ele está destinado ao fracasso.
O Shenmue III é como a nossa antiga paixoneta de liceu, por quem tivemos um fraquinho mas que possivelmente nunca nos terá passado cartão. Ela surge através de uma chamada inesperada, diz que descobriu o nosso número através de antigos colegas com quem mantivemos o contacto e liga-nos um dia para convidar para um café, para ver como estamos e reviver os velhos tempos. Quando nos encontramos é realmente ela, mas diferente. Diferente daquilo que nós julgavamos que lembravamos dela. Aos nossos olhos não é exactamente a mesma pessoa – já envelheceu, já terá possivelmente passado por um divórcio e terá voltado a casar, com um filho de cada casamento, terá passado dificuldades durante a crise e ter saltado de emprego em emprego, pode ter descoberto que na realidade gostava de pessoas do mesmo sexo (algo perfeitamente legítimo) – no fundo, já não é aquilo que nós viemos a idealizar na nossa mente e que esperavamos que fosse.
Para se dizer a verdade, não quero saber se isto é feito através de crowdfunding ou não. Não estou interessado no sururu dos que dizem que a Sony podia ter metido dinheiro no jogo em vez de ir pedir dinheiro adiantado aos fãs intemporais de série – andamos sempre infelizes por não ter o jogo e agora temos uma oportunidade em vista: por favor, agarrem-na e parem de se queixar. Eu não quero também saber de rumores que existem idiotas a doarem orgãos a troco de dinheiro para poderem meter esse dinheiro no crowdfunding do mesmo. Isso é estúpido e se existe alguém que faça isso não merece realmente ter aquele orgão – sugiro que doe todo o seu corpo à Ciência. Gritar ou escrever “SHENMUE 3 HYPE!!! SHENMUE IS LOVE, SHENMUE IS LIFE!!! NOZOMI IS MAI WAIFU!!! WEEEEEEEEE!!!” é tão engraçado como é triste e deveria estar reservado para weeaboos degenerados que deviam de crescer e tornarem-se otakus a sério. Bem, já me estou a desviar.
O ponto a que quero chegar é: não acreditem no hype; não sejam negativos e não se queixem por tudo e por nada; agarrem numa oportunidade quando a têm à frente. Isto devia ser óbvio e lamento se soa a conversa de life coach.
Como já dizia no outro dia a um amigo meu, “Com problemas de primeiro mundo posso eu bem, mas raios – estamos a falar do Shenmue!”.
Por isso é que queria terminar dizendo, e não sei como por isto de outra forma:
鈴木さんは、私の子供たちを負担してください!
Ou em inglês:
MR. YU SUZUKI, DON’T FUCK THIS UP!
Todos abordo do comboio da moderação!
Comments (2)
Continuo a acreditar que o crowdfunding foi mesmo um “market research” da Sony para saber se havia publico para o jogo. Não sabiam se realmente havia desejo pelo jogo e queriam confirmação em modos que não deixassem duvidas. E acredito que tiveram a resposta :)
Caro Ricardo, e que resposta! Também quero acreditar no mesmo e que estavam apenas a testar as águas. Seja ou não uma sondagem de mercado disfarçada da Sony, não esperaria outra coisa que não este apoio avassalador dos fãs que querem ver isto acontecer, dê por onde der.