Eu nem sequer vou tentar debater a confusão linguística que faz o termo “pré-encomenda” ou o “pre-order” (porque o termo já implica algo antecipado) mas sim o que ele implica hoje em dia no mundo dos videojogos. Hoje vou só focar-me no quanto estou farto da hipocrisia de alguns membros da indústria e de como se estão a aproveitar da paixão e da boa vontade dos jogadores para encherem os bolsos sem se preocuparem com o que produzem e vendem.
Eu não vou atacar a indústria toda, até porque ela está assim por nossa culpa, nós é que continuamos a cometer os mesmo erros constantemente e vamos propagando a situação, mas isso pode parar, e deve parar, já!
Assim como um bom amigo meu que consegue explicar tudo em analogias futebolísticas, eu costumo fazer o mesmo com relações. Qualquer situação da vida consigo metaforicamente ou com outra figura de estilo explicar com comportamentos em relações amorosas ou amigáveis, mas primeiro vou meter umas fundações nisto, criar uma base e depois explicar o problema.
Na semana passada o novo jogo da Rocksteady Studios, Batman Arkham Knight foi retirado do Steam. Pessoal, não estamos a falar de um jogo feito por um tipo qualquer sozinho em casa nas horas vagas durante 30 anos. Estamos a falar do estúdio que já nos deu alguns jogos do Batman e num nível bem elevado de qualidade. Mas este port tinha tantas falhas que foi retirado. E não foram só eles (a ser retirado, foram, quem me lembre…) já no final de 2014 o Assassins Creed Unity teve aquele belo lançamento no qual os personagens não tinham cara, só olhos e boca. E depois tinham um patch de 40 GB no dia um para actualizar. Mortal Kombat X, e outros, até parece que o Day 1 Patch já é uma instituição, é garantido como medidas governamentais em dias de jogos de futebol ou doenças venéreas por ver o teledisco da Turbinada. É tão certo como um ambulância em Campo de Ourique.
Mas vocês podem perguntar “Oh palerma, não haverá razão para isso acontecer? Não estás a exagerar um bocado?”
Não, não estou! Pensem no passado mais distante, e nos últimos anos. Recordem-se de quando os jogos eram apenas comprados num suporte físico comparado com as compras digitais, Lembrem-se duma altura em que a internet não era tão prática e nós não podíamos fazer actualizações a torto e a direito. Nessa altura nostálgica, os jogos saiam completos. Não havia cá saírem mais ou menos feitos, ou eram um jogo ou não! E uns até tinham falhas e outros eram uma bela porcaria (sim estou a olhar para ti Superman 64), nenhum era perfeito mas eram completos. Quando comprava um jogo, era um jogo, inteiro. Não comprava uma introdução mal feita. E depois tinha que esperar que me enviassem o resto por correio para jogar a maior parte. Porque depois tinha que comprar o final, em duas ou três partes.
Não vou dizer que todos nós já passamos por algo assim, (porque não faço ideia qual é a experiência de vida de cada um dos leitores do Rubber), mas posso dizer que a maioria está ou esteve numa relação em algum ponto da sua vida. E relações são complicadas, por melhores que sejam. E no fundo, nós os jogadores estamos numa relação com os estúdios e distribuidoras e como em algumas cometemos erros, mas o pior não é cometer erros, é repeti-los. Nós é que somos os culpados disto tanto como eles. A culpa nunca morre sozinha, e numa relação, especialmente nas partes más a culpa é dos dois (e aqui falo de experiência própria). No inicio há coisas que deixamos passar porque nem ligamos, achamos engraçado e tal, e há coisas que nos incomodam mas nós vamos aguentando porque gostamos daquela pessoa, gostamos do que ela nos dá e deixamos as coisas acontecerem, apesar de não nos agradar totalmente, não dizemos nada, vamos engolindo em seco e deixando andar, até ao dia, o dia em que é tarde demais e está tão entrosado na nossa vida que não conhecemos outra realidade, numa espécie de síndrome de Estocolmo em que nós não só aceitamos como gostamos desta realidade. Mas é só até ao outro dia, o dia em que nós pensamos: “*inserir palavra que não pode ser publicada*! Para mim chega! ACABOU!” E saímos porta fora, sem nunca mais olhar para trás.
No que diz respeito às encomendas antes de jogos saírem, é o que já aconteceu para mim. Eu entendo que numa altura, de um ponto de vista logístico fazia sentido. Não havia maior desilusão do que ir a uma loja buscar um jogo no dia de lançamento e ele estar esgotado e ter que esperar às vezes semanas para o ter. E fazia todo o sentido deixar um sinal na loja para garantir que iria lá buscar o jogo. Mas hoje em dia não faz sentido, nenhum. Mas nós continuamos a fazer o mesmo erro. Nós vamos dando dinheiro aos distribuidores sem eles terem um produto acabado sequer. E o que é que acontece por isso? Eles não estão minimamente preocupados com os nossos sentimentos ou satisfação. Marcam uma data com o estúdio, e quer consigam quer não (porque ninguém me tira da cabeça que os distribuidores não fazem a mínima ideia do que se passa num estúdio de produção) lançam o que estiver feito, acabado ou não. Ou então se estiver acabado, partem aos bocados para cobrar mais. E as vezes dão-nos “prendas” ou “bónus” com a compra antecipada mas isso não faz sentido nenhum. E nós continuamos a aceitar. E para mim, é ridículo, cada vez mais parvo.
Vamos pensar que queremos comprar um livro, eu adoro ler os do Neil Gaiman, portanto vou usar o próprio como exemplo, com todo o respeito que lhe tenho e ele merece. Eu vejo um anúncio para o novo livro de Neil Gaiman “American Gods IV – Generic Novel” para sair dia 13 de Novembro de 2015, e que posso comprar já, antes de estar acabado, mas vou pagar já e recebo-o no dia de lançamento. Não só recebo o livro, como ele vem com mais descrições de roupas e duas páginas adicionais de descrição de uma casa onde se passa alguma da acção. E eu largo a nota, pago logo, assim que vejo anunciado! Chega dia 13 de Novembro eu recebo o livro (digital ou físico não importa agora). Mas faltam palavras, há paginas inteiras em branco, às vezes parágrafos têm a mesma coisa escrita sem parar durante linhas, e outras falhas. Mas tem um aviso. Eu posso fazer um download e imprimir os bocados que faltam (ou combinar no ficheiro digital), e ler tudo daqui a 7 a 10 dias, mas uma ou duas páginas tenho já no dia 13. Fico mais descansado, e faço-o. Leio o livro todo de rajada, já com menos falhas (quando posso), mas ele acaba…? Quer dizer, acaba, tem uma página final, mas a história não está bem completa. Ah… esperem, posso comprar os últimos dois capítulos à parte, claro que o vou fazer… Não só o faço, como repito com outros autores, ano após ano, vez após vez.
Se fosse assim, algum de nós comprava livros? Eu não acredito que o fizéssemos. Então porque é que permitimos que isto aconteça com jogos? Porque é que nós aceitamos e propagamos esta falha na indústria que só está interessada em fazer dinheiro à nossa custa?
E este não é um problema só nos videojogos, uma das minhas bandas favoritas, os Muse, lançaram um álbum novo recentemente. Chama-se Drones, e vi muita gente em fóruns, páginas de redes sociais e afins a criticar que a banda lançou 6 singles antes do lançamento do álbum, e se soubessem que as músicas iam ser assim não tinham comprado o álbum antes de ser lançado, e que os Muse são uns vendidos, e já não fazem músicas como nos primeiros dois Origin of Symmetry e Absolution.
Bom… para essas pessoas tenho algumas respostas: Primeiro Origin of Symmetry e Absolution são o segundo e terceiro, o primeiro álbum de Muse é o Showbizz que a maior parte das pessoas se esquecem e acham que as duas ou três músicas mais conhecidas são de um dos outros mencionados antes. Segundo, algumas coisas evoluem, e não é por isso que ficam más, mas a cultura hipster está cada vez maior e eu não quero divagar sobre isso, por isso… só naquela… tentem ouvir os seguintes álbuns Sheer Heart Attack e A Night at the Opera e comparem com A Kind of Magic e Innuendo, são de uma banda pouco conhecida chamada Queen, são diferentes, e são todos bons, todos eles. E o meu ponto final é “Porque compraram o álbum antes de sair?” Eu sou um fã gigantesco, vou aos concertos todos e nunca, mesmo nunca comprei um álbum antes de sair. E há algo que as pessoas podem nem pensar, os Muse são conhecidos pelos temas activistas deles. Portanto o próprio nome e capa do álbum Drones não é uma crítica social? Estaremos nós tão programados e que fazemos compras sem pensar ou protestar independentemente do que vem parar às nossas mãos no final? Quantas coisas aceitamos comprar hoje em dia antes de as vermos?
Eu não sei quanto a vocês, e não estou a incitar um boicote à ganância ou a uma revolta apesar do titulo do artigo. Mas eu… eu vou-me revoltar. Aliás, já o comecei a fazer há uns tempos e assim vou continuar.
https://www.youtube.com/watch?v=ZuL3GsnhbdE
Nota adicional: Eu gosto imenso deste álbum de Muse, assim como todos. Primeiro estranho-os e depois entranho-os.
Comments (3)
Bom artigo!
Eu redigi um texto parecido sobre a pré-encomenda e concordo com grande parte do texto. E embora os exemplos do Day 1 Patch sejam bem expostos (porque não passava de uma correcção de erros que nunca deveriam de ter chegado ao mercado) existe uma boa razão para implementar o Day 1 Patch ou até nos dias a seguir. Mas porquê?
A pirataria está cada vez a tornar-se maior, e existe até algumas formações para tentar prevenir a pirataria na indústria gaming.
Uma das soluções é a uilização dos patchs, exemplificando temos a situação do FOV no Far Cry 4, e creio que existe um dev que aplica patches nos seus jogos quase todos os dias durante um mês, e isso enfurece os crackers e etc. claro que essa tendência na redução da pirataria num jogo enquanto ele leva patches não é eterno, mas consegue haver uma redução da pirataria.
Portanto nem tudo é mau nessa prática, e penso que por vezes esses lançamentos todos buggados são feitos com intenção.
É um bocado chato para ambas as partes, sem dúvida e só favorece uma das partes, a dos developers. Para o consumidor já é algo que é chato ter que estar a instalar patches sem fim, para depois ler as novidades e elas serem unicamente: -Bug fixes. (É uma das maiores desilusões de sempre, embora seja sempre positivo o jogo não ter bugs)
Ia-me esquecendo, no texto em que redigi, o nosso tema é igual, mas temos pontos parecidos e outros que não são referidos no meu e vice-versa (eu enviei esse texto para o e-mail da Rubber Chicken faz já algum tempo) e acompanho-te na tua revolta contra a pre-order! Iremos derrubar este sistema!
Obrigado, eu entendo a ideia de lutar contra a pirataria, mas não acho que seja por isso, há outras medidas que podem ser implementadas. Nos casos que falo e me chateiam é mesmo de os jogos sairem incompletos e cheios de falhas.