Sou fã confesso de jogos japoneses. Sou-o porque eles me surpreendem. Surpreendem pelo descaramento que têm em não colocar limites na sua imaginação e na líbido – ou até na imaginação inspirada pela líbido (não é a regra absoluta, mas é a mais comum). Pela ousadia despegada que têm para nos colocar em situações inexplicáveis, que não fazem sentido nenhum. Ora vejamos…

Imaginem que, por alguma retorcida reviravolta do destino, dão por vocês no Inferno e onde uma mulher fardada, uma versão feminina de Otto Von Bismarck, vos dá as boas-vindas com uma valente chicotada e uma tarefa: liderar as almas de sete raparigas delinquentes que estão a cumprir pena no Inferno até à sua redenção. “Redemption Program”, chamam-lhe. Com isto o Inferno espera combater a sobrelotagem das suas prisões infernais, certamente, dando uma segunda oportunidade às almas dessas raparigas que perderam o seu caminho e lá foram parar por causa disso.

Vivemos num tempo de constantes mudanças. Ora adormecemos no mundo real, ora acordamos no inferno. É por essas e por outras que esta época será para sempre conhecida como a época do WTF???

Vivemos num tempo de constantes mudanças. Ora adormecemos no mundo real, ora acordamos no inferno. É por essas e por outras que esta época será para sempre conhecida como a época do WTF???

Mas afinal como é que vamos redimir essas almas? Através de terapia do sono e hipnose conduzida pela Dra. Lúcia Ferro? De trabalho comunitário nos jardins de Sátan? De uma conversa amigável com um esbirro empático? Claro que não. Imagino que a conversa tornar-se-ia aborrecida após o décimo “Está calorzinho, não está?” A solução está em fazê-las passar por uma série de desafios que as levem à catárse: enfrentar os fantasmas do passado, aquilo que as levou ao crime e coisas do género.

O problema é que nenhuma das raparigas está muito a fim de aceitar as nossas ordens, insubordinando nossa liderança e reagindo mesmo agressivamente à nossa presença. Para poder progredir é necessário colocá-las na linha e motivá-las a cooperar. Sim, isto leva à parte do jogo que poderá ter gerado alguma controvérsia – raparigas semi-desnudadas e em poses sugestivas a serem espancadas até à submissão. “Oh meus amigosze-e-ze…” – alguns de vocês poderão dizer – “Não havia necessidade.”

It's getting dark in here, so take off all your clo-oth-grng-cough-coff!

It’s getting dark in here, so take off all your clo-oth-grng-cough-coff!

Esta sequência de mini-jogo de tortura motivacional é potencialmente menos ofensiva do que pode soar (diria que é quase inofensiva) dado que foi consideravelmente censurada na sua versão anglo-ocidental. Para além de ajustes de guarda-roupa, foi-lhe adicionado um fumo cor-de-rosa, mais ou menos denso, que reduz a visibildade e cobre algumas partes mais sensíveis – tornando estas sequências menos reveladoras que o original japonês. Não é uma solução perfeita para os puritanos, mas é uma solução com alguma classe que tem o propósito de minimizar algum potencial backlash (sejamos honestos, muitos jogos japoneses ainda são de niche e as actuais gerações necessitam envelhecer mais 10/20 anos até os começarem a aceitar como são). O propósito mecânico destas sequências, esse, permanece o mesmo.

That's about as good as it gets, folks!

This is about as good as it gets, folks!

Este é um JRPG de combate por turnos, simples na sua essência, mas com uma mecânica original. O nosso personagem apenas age como um general e não participa activamente no combate – isso é deixado às raparigas. No início de um turno de combate cada rapariga vai dizer aquilo que ela quer fazer ou que quer a party faça nesse turno e cabe a nós escolher qual das sugestões o grupo vai seguir, numa espécia de “Agora Escolha” em versão JRPG. Aqui voltamos à questão acima referida da insubordinação – se as raparigas não estiverem motivadas ou não aceitarem a nossa liderança, vão apresentar opções desfavoráveis ou podem mesmo não fazer nada. Estando motivadas elas apresentam propostas optimizadas que fazem mais sentido. Por exemplo: o boss está a fazer charge em preparação para um ataque massivo que pode derrotar a party todo de uma só vez? Uma rapariga motivada pode sugerir utilizar aquele skill que duplica a defesa do todas ou então pode sugerir usar outro que durante o próximo turno todo o dano dado é redirecionado para ela, salvando as outras – ao revés, uma rapariga desmotivada pode sugerir simplesmente fazer um ataque normal ou não fazer nada.

O curioso é que quase nenhuma destas opções que nos é dada pelas raparigas é imediatamente clara e objectiva, obrigando-nos a interpretar o que elas querem dizer. Conseguimos perceber se estão a sugerir algo como Attack, Skill ou Support, mas o resto é mais subjectivo. Se a Ran (a nossa tank) está a dizer “Come at me, I dare you” como uma acção de Support com um custo de MP, devemos supor que vai fazer um taunt ou, por exemplo, se uma rapariga qualquer está a dizer “Come on, twintails!” como uma acção de Attack x2 devemos assumir que ela quer atacar com a Kisaragi (a rapariga loira de tótós). Cada rapariga tem uma forma diferente de se referir a outra. Este pequeno jogo de interpretação é menos complicado do que parece e adiciona uma vertente refrescante ao género – depressa nos habituamos a perceber o que cada rapariga quer dizer.

Todas ao mesmo tempo não, por favor! Tenho um cérebro monotarefa!

Todas ao mesmo tempo não, por favor! Tenho um cérebro monotarefa!

Infelizmente, e apesar do sistema de combate original e das personagens interessantes, as histórias individuais que vamos desvendando de cada uma das mesmas são o ponto fraco deste jogo. Não querendo spoilar a narrativa, posso dizer a razão/pecado para a maioria das raparigas ter vindo parar ao Inferno após a morte é desapontante – não esperem grandes crimes ou tramas de proporções épicas. O dungeoncrawling também sofre de um problema sério de backtracking – o Inferno é pouco mais que uma dungeon relativamente extensa composta por vários andares, que vai exigindo que andemos para trás e para a frente para cumprir objectivos (os pontos de save servem também de pontos de teleportação e minimizam este problema). A banda sonora é negligível e, para além do CG, visualmente o jogo também não é impressionante, em muito devido ao facto da maioria dos grafismos terem sido importados directamente do jogo original para a PSP que havia sido lançado em 2010.

De facto, Criminal Girls: Invite Only é um remake para a PS Vita do Criminal Girls original desenvolvido pela Image Epoch para a PSP e que não havia saido no ocidente. É um jogo extremamente interessante e que merece um olhar para além daquilo que está à superfície, que tende a divergir opiniões. Este título funciona como uma antítese à maioria dos JPRGs, em que controlamos e escolhemos as acções dos nossos personagens a cada turno – em Criminal Girls: Invite Only não temos 100% controlo das acções dos nossos personagens e estamos de facto dependentes das suas sugestões. Retirar-nos este controlo absoluto e objectivo, colocando em vez disso uma série de sugestões subjectivas pelas quais temos de optar para poder progredir a cada turno, tornam o sistema de combate deste jogo inovador duma perspectiva até quasi-feminista. “Ouve as mulheres e o que elas têm para te dizer, segue os seus conselhos e toma bem conta delas”. É isso ou tenho de parar de escrever textos às 3 da manhã.

1ª a 3ª. vão andando para casa, crianças. O que julgam que estão aqui a fazer? 4ª e 5ª, apresentem-me os vossos cartões de cidadão. 6ª e 7ª, apresentem-me os vossos números de telefone.

1ª, 2ª e 3ª. vão andando para casa, crianças. O que julgam que estão aqui a fazer? 4ª e 5ª, apresentem-me os vossos cartões de cidadão. 6ª e 7ª, apresentem-me os vossos números de telefone.

Nota final sobre a censura: O título original para a PSP nunca chegou a ser fan-translated, mas é fácil perceber que a adaptação para inglês não censurou apenas aspectos visuais. O jogo original já tinha os menus em inglês e é possível ver que este se refere ao mini-jogo em que “motivamos” uma rapariga a cooperar como “Punish” e não como “Motivate” – de facto, caso tivessem mantido o wording dessa opção como “Punish” poderia ser tão (ou mais) prejudicial do que usando a palavra “Motivate”, mesmo que a diferença semântica entre ambas as palavras seja tão díspar como referir-se a “tortura” como “enhanced interrogation technique”. De facto, e para quem conhece o trabalho de censura nas adaptações da NIS America para o público ocidental, esta até foi relativamente inócua quando comparada, por exemplo, com a que sofreu Monster Monpiece.

Censorship with NSA's seal of approval

Isto sim, é censura aprovada pela NSA!

Criminal Girls: Invite Only é um exclusivo PS Vita.