Sempre que me pedem para falar de Pokémon, a coisa que me custa mais fazer é tentar ser breve. É difícil, depois de tantas horas empenhadas num só franchise, explicar o quão indescritível se tornou esta série para mim ao longo de tantos anos. Ainda mais complicado é perceber o porquê de ainda hoje o jogar. E porque raio é que não é tão apelativo para os petizes das novas gerações?! (ahah, viram o trocadilho que fiz, viram? … não? Bolas, lá estou eu a tentar parecer críptico e poético e a acabar apenas simplesmente tolo. Moving forward…)
A primeira memória em estado saudável que tenho de Pokémon, foi de ter obrigado os meus pais a ligar para a Toys’R’Us do Cascais Shopping (com os meus humildes 7 ou 8 aninhos) para reservar o jogo que os miúdos andavam a jogar feitos malucos na escola. Quando a minha mãe, enquanto ao telefone, me perguntou “Há a versão vermelha, azul e amarela” eu senti duas coisas: Primeiro, azul sempre foi a minha cor preferida; Segundo, há uma versão Amarela?! Wow!

“This is your last chance. After this, there is no turning back. (…) Remember: all I’m offering is the truth. Nothing more.”
De qualquer das formas, azul foi e o mesmo savefile manteve-se até aos dias de hoje, tendo 150 Pokémon apanhados e 151 vistos, faltando-me apenas o Hitmonchan (se alguma alma caridosa na zona de Lisboa tiver um a mais para troca e um link cable, por favor entrem em contacto!). Leitores atentos e mais dentro da série saberão que a informação que acabei de revelar pode implicar duas coisas, considerando que nenhum dos meus amigos tinha Gameshark (dispositivo para códigos) e clonagem de Pokémon era bastante arriscada: Primeiro, ou eu tinha um amigo suficientemente caridoso para me oferecer um Mew; Segundo, fui ao Japão entre 1996 e 1999 e participei num evento com distribuição desse Pokémon.
Na verdade, nenhuma delas se aplica. Com o evoluir da civilização algo chamado de Internet surgiu para mudar a vida de todos nós, inclusivamente a forma como jogamos e interagimos com os jogos de vídeo. Deve ter sido por volta de 2008~2009 que me lembrei de ir ao Youtube ver vídeos de como apanhar o Mew (confesso que todo aquele alarido com a carrinha de caixa aberta em S.S. Anne me passou ao lado) e, ironia do destino, o treinador que era necessário não ter lutado para executar o glitch encontrava-se à minha espera para batalhar com o seu Slowpoke. E esteve lá 10 anos à espera para que o momento chegasse.
Mas na altura em que toda esta história aconteceu, levantaram-se dois problemas bastante relevantes na minha cabeça de puto de 16-17 anos: Primeiro, o que é que me levou a jogar continuamente Pokémon durante tantos e tantos anos; segundo, algo relativamente ao papel da internet nesta situação deixa-me críptico e não sei o que é.
E para minha surpresa, a resposta era exactamente a mesma…
Pokémon foi, ao contrário de um universo paralelo atolado de naves espaciais cheias de parques de estacionamentos repletos de carrinhas de caixa aberta que não conseguem transportar nem mais um balde de séries que o tentaram fazer sem sucesso, o primeiro grande exemplo de um Transmedia World a funcionar.
Para aclarar as ideias dos campeões que chegaram até esta parte do artigo (muito obrigado, juro que estou quase quase a acabar), o que acontecia aos miúdos da escola onde eu andava (e a meu ver o motivo pelo qual bateu de forma tão forte na minha geração) era que nem todos tinham dinheiro para um Game Boy e nem todos tinham interesse em ver desenhos animados ou card games (como Pokémon teve o seu), mas todos os que tinham algum tipo de relação com media relacionada com Pokémon poderiam ter uma excelente e agradável conversa, tal como podiam aprender com ela! Lembro-me perfeitamente que descobri sobre quais os seguintes ginásios da série a partir do meu progresso no jogo e como Pokémon TCG me ensinou sobre evoluções e vantagem de tipo (que poison é bastante efectivo em grass, por exemplo), ao abrir carteirinhas. Tudo isto enquanto me divertia à brava! E o facto de a informação não estar disponível gratuitamente na internet (pois essa não existia) teve um enorme impacto na popularidade deste jogo, seja pelos rumores que surgiram (sem fontes para os confirmar ou desmentir), seja pela procura e partilha de informação com os meus colegas para nos tornarmos colectivamente melhores, seja por rigorosamente todos os motivos que tornaram este jogo e franchise tão glorioso como ele é nos dias de hoje. Este foi o primeiro jogo onde eu senti multiplayer no seu sentido mais puro e com um escopo tão grande como nunca antes vi! Incrivelmente, numa altura em que a facilidade de comunicação e acesso à informação em nada se aproxima ao dia em que este artigo foi publicado.
O sucesso da série pode não estar intrinsecamente ligado com os novos jogos serem bons. Na realidade, isso nem me interessa assim tanto. Mas as grandes decisões de gamedesign, principalmente as que tiveram repercussões out-of-the-cartridge, foram tão revolucionárias na forma como nós interagíamos com os outros em videojogos que nos fazem recordar nostalgicamente os momentos com os nossos companheiros (e rivais!) da vida real. E isso sente-se no amor e carinho em cada Pidgey que encontramos nas novas gerações e faz-nos sentir com que cada jornada de Pokémon pareça, na verdade, a nossa primeira.
https://www.youtube.com/watch?v=f7RZndlynRo