Her Story é a mais recente criação de Sam Barlow, o lead designer de Silent Hill: Shattered Memories. É um jogo de horror; mas de um tipo de horror pouco convencional. É um jogo de puzzles, mas estes também são muito inconvencionais. Para resumir: não é, de todo, um jogo convencional. Jogámos a versão para PC.
Vale a Pena Comprar Her Story?
Não.
Doravante será assim, começaremos pelo veredicto; é simples, e direto ao assunto. Não vos queremos fazer perder tempo.
Se quiserem saber porquê, continuem a ler.
Análise a Her Story, a negrito.
Menti.
Vale a pena comprar Her Story. É um jogo tão desafiante para alguém que nunca jogou um videojogo na vida como para o mais hardcore dos gamers. É difícil traçar um padrão, e o único que vejo é este: Her Story é para curiosos; para quem gosta de descobrir sempre mais um bocado, e por vezes surpreender-se; para quem um “não” não basta, para aqueles que não fecharam esta aba; para quem precisa dos detalhes todos.
Se chegaram aqui, vale a pena.
Este jogo está a receber bastantes elogios da crítica, demasiados na verdade, e acho que isto não vai acabar bem. A hype vai prejudicar o jogo, mais cedo ou mais tarde. Não quero estar a contribuir para isso. Her Story é brilhante, mas simples; é sobretudo brilhante pela sua simplicidade; peço-vos que tenham isso em consideração, e que não criem expectativas demasiado altas.
Os jogadores encarnam uma personagem que tem acesso a um sistema informático com vídeos; esses vídeos são entrevistas relacionadas com uma investigação policial. A polícia destacou uma série de excertos em cada entrevista; embora os jogadores tenham acesso ao sistema, não têm acesso aos vídeos; só aos excertos. O sistema vem equipado de um motor de busca; se os jogadores escreverem um conjunto de palavras, o motor devolve-lhes uma lista com todos os vídeos cuja transcrição contenha essa(s) palavra(s); no entanto, só pode ver os primeiros cinco vídeos dessa lista.
À primeira vista, isto não parece nada de especial. E não seria, se não fosse pelo guião.
O guião foi escrito como um puzzle: em cada excerto há sempre uma ou duas palavras-chave que formam uma espécie de teia de aranha lógica; uma pesquisa puxa a outra, e lentamente os jogadores vão encaixando as peças, e formando uma imagem mental não só daquilo que ocorreu, mas de como e porquê. No entanto o que é mais impressionante acerca do guião é que apesar de ter sido escrito com propósitos mecânicos, de um ponto de vista de game designer, também faz sentido do ponto de vista de personagem; é extremamente fluido e natural.
O resultado é um jogo narrativo com voice-acting mas que não é linear nem recorre a branching-story. Numa sala com cem pessoas que chegaram ao fim de Her Story, é quase impossível que duas tenham gerado o mesmo playthrough; o enredo é sempre apresentado de forma singular, porque cada jogador decide como este lhe é contado.
O resultado também é um jogo de puzzles que se geram de forma procedimental, sem lógica obtusa, e que não obrigam o jogador a pensar como o game designer; um jogo de puzzles que é desafiante, sem ser punitivo, o que é bastante raro.
O resultado é um jogo de exploração psicológica que não recorre a metáforas visuais, o que ainda é mais raro, não só em videojogos como em muitos outros mediums.
O resultado é, portanto, simples e brilhante.
Este cão aqui acima para além de ter mau feitio, tem raiva. Chama-se Spoiler.
É quase impossível falar do enredo do jogo sem ser mordido pelo Spoiler.
Ao escrever as próximas linhas, tentarei ser o mais vago possível.
O tema principal em Her Story é auto-aversão, ou, por outras palavras, o ódio que uma pessoa pode ter por si mesma.
O jogo apresenta-nos um crime, e uma série de entrevistas realizadas pela polícia a uma mulher. Ficamos a conhecer essa mulher, o seu marido, a família do casal, os seus vizinhos, as suas rotinas, o dia-a-dia; a vida deles, não só presente como passada; vamos colecionando várias pistas na nossa mente, objetos, locais, padrões recorrentes. Esta é a história dela; a sua versão dos acontecimentos.
Tudo se torna claro, eventualmente; a meio do jogo, a maioria dos jogadores já terão resolvido o crime. Mas nem tudo faz sentido. O jogo pergunta-nos, à sua maneira: queres continuar, ou já acabaste de jogar? Recomendo a toda a gente que continue; quem estiver satisfeito com o que já sabe poderá ficar insatisfeito com a experiência.
Há um excerto de vídeo, por exemplo, que quando comparei com outro, quando juntei a informação de ambos, provocou-me arrepios; é algo que envolve uma espécie de código Morse, e mais não digo. Fez-me lembrar Paranormal Activity; só vi o primeiro filme da série, e não sou fã; a história do jogo não é sobrenatural (embora possa parecer que sim à primeira vista), mas funciona de forma semelhante. Estava a ver o filme com amigos e depois de demasiados minutos de aborrecimento, arrepiei-me; só eu; notei algo que mais ninguém notou, um pequeno pormenor insignificante: a voz de uma personagem mudou subtilmente por breves momentos. O meu sangue gelou, senti uma descarga de frio pela espinha abaixo; disseram-me que estava pálido. A descoberta acidental intensificou o efeito, agravou-o. O elemento de descoberta joga a favor do jogo e do seu impacto.
Outro elemento que joga a favor de Her Story é Viva Seifert, a atriz que interpreta a protagonista; para além de ser talentosa, esforçou-se; humaniza a personagem e ajuda-nos a empatizar com esta: não é só uma personagem de jogo, é uma pessoa real; não está a ler um tele-ponto à espera do cheque, como por vezes acontece em jogos com este orçamento; quando ela sofre, quando as pessoas que são próximas de si sofrem, quando conhecemos não só os demónios dentro de si mas os demónios à sua volta, sofremos também.
Mas esse é o fundamento de todo o horror, não? Empatizar-se com as personagens principais, e sofrer através destas.