Preciso de fazer a devida separação: o meu problema com MMOs não é culpa tua Final Fantasy XIV, é minha. Não és tu, sou eu. Eu é que dediquei largas centenas, e alguns milhares de horas ao género muito antes de existires. E ainda que não tenhas culpa também temos de convir: não há nada em ti que me fizesse mudar de ideias ou de me re-apaixonar pelo género.

A minha experiência no género começou há mais de uma década, ainda nos tempos de Licenciatura, em que a “boa vida” universitária me dava alguma margem de tempo livre para me aventurar em mundos multijogador. E ainda me lembro desse primeiro jogo, chamava-se Conquer Online. Olhando para trás, não percebo o apelo que o jogo teve nem as centenas de horas que ali passei, naquilo que é o equivalente de um MMORPG chinês de um idle game. Literalmente. Foram quase 2 anos onde conheci algumas pessoas (algumas delas conheci na vida real, e poucas tornaram-se amigos próximos), onde conversei, onde travei amizades, onde destruí ratos de tanto clicar no botão direito.

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WoW? Qual WoW? Em 2004 o que rendia era o Conquer Online.

O apelo morreu finalmente quando um amigo me ofereceu  o Guild Wars. Consegui influenciar umas doze pessoas (das quais a minha mulher, o meu primo e dois amigos próximos são os expoentes máximos) a virem para Tyria comigo. E aí sim, passei alguns anos. Sim, disse bem, anos. Como muita gente na década passada, também passei um par de milhares de horas a jogar o mesmo MMORPG. Ainda hoje acho que no género as pessoas dividem-se muito pelo jogo ao qual se entregaram e acho pouco frequente que alguém possa abraçar mais do que um jogo da mesma forma. Um MMO subentende uma entrega e um investimento que não são possíveis de duplicar noutros jogos em simultâneo. Quase como um segundo emprego, se pensármos nas centenas de horas que alguns jogos exigem para obter este ou aquele item lendário.

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À medidade que a minha vida profissional e pessoal caminhavam noutros sentidos, e evoluíam, também eu fui lentamente largando o GW. Tinha feito tudo, ou quase tudo o que era possível e os dois últimos anos em que lá andei foram simplesmente a “trabalhar” para um título. Daí a esperar pelo Guild Wars 2 foi apenas um passo. E aí sim, reside o meu actual bastião do género. O jogo da NCSoft soube reinventar o género, mascarar os problemas inerentes aos MMORPGs e a todos os clones de WoW, tais como os quest logs intermináveis que não são mais do que fetch quests de “vai ali e apanha aquilo e traz cá”, para além de ter criado mecânicas que “obrigavam” ou aliás, facilitavam um verdadeiro sentido de comunidade e entre-ajuda aparentemente desprendido. Mas isto é história para outro artigo.

Pelo meio fui experimentando outros jogos do género, nomeadamente Aion e World of Warcraft. Sim, é verdade, apenas há pouquíssimo tempo é que pude experimentar o jogo da Blizzard que não sendo de todo o primeiro do género, é o jogo que todos querem ser, que querem imitar e que todos tentaram recriar sem sucesso. Não me agarrou, por já ter jogado GW 2. Eu sei que fiz o caminho ao contrário, que devia ter mergulhado no WoW antes de conhecer tudo o resto. Percebo o que o jogo da Blizzard faz de bem, o mercado que criou e que sempre dominou, e que lhe permite ainda hoje ser um dos únicos a poder cobrar mensalidade aos seus jogadores sem que estes se queixem. Mais um paradigma que muitos tentaram mas todos falharam, e hoje são invariavelmente free to play. Mas WoW não me apelou também por estar num patamar dos MMORPGs que me parece desactualizado. Que me perdoem todos os jogadores de WoW, que bem percebo a vossa paixão, mas infelizmente já não tenho disponibilidade para dedicar a jogos multijogador. Com uma pequena excepção…

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As nossas vidas mudaram, ou pelo menos a minha e das pessoas de quem me rodeio. A entrega que um MMO nos pede não é compaginável com o ritmo das nossas vidas, de trintões, com emprego, e que acabaram por substituir o apelo dos WoWs, GWs e Runescapes desta vida com os MOBAs. Mas isto também é matéria para outro artigo.

(Parece-me que hoje não me dou ao luxo de terminar assuntos)

Não percebo a insistência de algumas empresas em tentarem roubar o trono ao WoW. Nem percebo a insistência, em 2015, de haver esta casmurrice em criarem-se MMORPGs pagos. O ano passado experimentei 2: um que é de longe um dos mais criativos que joguei, Wildstar, e outro que é um dos maiores desperdícios de banda larga que gastei, The Elder Scrolls Online. Ambos tentaram seguir o modelo da subscrição e caíram no resultado que todos os outros já cederam. Teimosia?

Calhou-me agora jogar Final Fantasy XIV: A Realm Reborn – Heavensward e percebi de forma derradeira que o pouco apelo que tinha dentro de mim para os MMORPGs morreu de vez. Não sei se culpa de ter jogado o jogo na PS4, e de ter percebido que as consolas não são de todo a melhor plataforma para o género, se de ter percebido que os game developers da Square Enix olharam para o WoW como inspiração, o que significa que a base de desenvolvimento é sem dúvida o rei dos MMORPGs, mas não propriamente o mais inventivo nos dias de hoje. Sem WoW não existiria Guild Wars 2 por várias razões, seja pelos devs que pertenceram à Blizzard e que fundaram a NCSoft, quer seja pela gigantesca evolução que o jogo constituiu para o próprio género. Heavensward é um MMORPG passado no ambiente de Final Fantasy. E isto tanto pode ser positivo por resumir sucintamente o jogo, como é extremamente negativo por significar que esta é uma mera skin dos MMORPGs que abundam às centenas pela internet. Fetch quests, matar faisões e ratos nos primeiros níveis, falar com NPCs com quilómetros de texto genérico e desinteressante, quests que pouco ou nada nos impelem a jogar mais.

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O texto é tão interessante que para mim até parece japonês

Tenho dúvidas se os MMORPGs morreram definitivamente no mercado, tendo o WoW como uma espécie de toxicodependência para os seus jogadores a manter-se estoicamente em pé, ou se sou eu que está num comprimento de onda completamente distinto da entrega que o género obriga. Muito provavelmente é mesmo a minha recusa em ter um emprego virtual adicional, a somar aos três reais que já possuo. A culpa é mesmo minha Final Fantasy XIV, não é tua. Só te culpo por não teres o brilho que me permitisse mudar de ideias. Mas estas coisas acontecem mesmo assim.