Jimmy McNulty estaciona o carro no cimo de uma ponte e sai para observar a sua cidade: Baltimore. A expressão séria do seu rosto teima em não deixar colocar o ponto final de uma história que provavelmente não pode nunca ser fechada. Seguem-se imagens de todos os personagens e das suas histórias que nos acompanharam durante 5 temporadas. Quando a última imagem deu lugar ao negro lancei-me a ler as entrevistas que consegui com David Simon e comprei livros sobre a importância cultural de uma série como The Wire. Queria saber mais e sempre que tinha oportunidade lançava-me numa demanda de evangelizar todos os amigos e conhecidos para verem a série. Era obsessivo. E não era a primeira vez. Era aliás apenas uma de muitas.

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Neste momento em que vocês já se interrogam porque raio estou eu a armar-me com uma série de referência e culto eu explico: as séries e o cinema com narrativas densas e recheadas de metáforas para a natureza humana mexem tanto comigo que me chegam a fazer sofrer. Preciso depois de pesquisar mais sobre elas; falar e discutir sobre elas; rever e rever; contar ao mundo e tentar escrever algo parecido que nunca irei conseguir. É por essa razão que muitas vezes necessito de executar as seguintes acções que enumero de seguida:

1 – Comprar um balde grande de pipocas e uma Sprite de dimensões absurdas

2 – Sentar-me numa sala recheada de pessoas que não vão calar-se nas próximas duas horas nem deixar de consultar ou falar ao telefone.

3 – Visionar o mais recente capítulo de The Fast and The Furious.

Muitas vezes, tenho que desligar da arte visual. Não só com o cinema mas também com os videojogos. Chamemos-lhes os meus prazeres culpados – embora na verdade eu nunca sinta culpa.

Tem sido assim desde o primeiro Modern Warfare 2, em que tenho jogado todas as campanhas de todos os COD que vão sendo lançados de forma a conseguir desligar o cérebro. Na verdade, desisto sempre a meio da campanha sem a completar, mas aquelas duas horas de jogo ajudam a não pensar sobre o passado, presente e futuro da indústria; sobre a mensagem; sobre a mecânica.

As luzes fantásticas!; os reflexos!; a cidade!

As luzes fantásticas!; os reflexos!; a cidade!

Isto acontece-me com muitos jogos que pouco acrescentam e que muito repetem: Call of Duty; Assassin’s Creed; Far Cry; entre muitos outros onde se inclui: Need for Speed. Quando na Gamescom joguei o novo Need for Speed – que agora chama-se apenas Need for Speed, nesta moda de a cada 20 anos perder o número e chamar-lhe reboot, em vez de recycling – estava a jogar ao mesmo tempo 3 jogos: Need for Speed: Most Wanted; Need for Speed: Rivals; e este novo Need for Speed. Na estrada, com o comando na mão, estou a jogar o mesmo jogo de antes. Mas isso não é totalmente mau, se o meu objectivo for apenas desligar as sinapses entre os meus neurónios.

Os criadores da série afirmam que foram analisar os últimos 20 anos de Need for Speed e procurar os momentos-chave na série; as mecânicas que os fãs mais gostaram; e que tentaram encontrar a essência do que significa ser Need for Speed. Durante todo este paleio na apresentação repetida de 20 em 20 minutos, o meu cérebro teimava em repetir a mesma palavra – possivelmente pelo cansaço de tanta conversa de vendas durante três dias seguidos – Bullshit… bullshit… bullshit.

As luzes fantásticas!; os reflexos!; a cidade!

As luzes fantásticas!; os reflexos!; a cidade!

Na jogabilidade, Need for Speed é mais do mesmo. Ponto. Um pequeno melhoramento no motor gráfico para que possamos dizer: – a luz no chão pá! Olha a luz no chão pá! – o mesmo comportamento arcade nos carros (o que não é mau), a mesma absurda altura dos prédios e edifícios que nunca bate certo, um pouco mais de elevação no terreno e – para que não fiquemos saudosistas dos jogos anteriores – as mesmas quebras de framerate do costume.

Os fãs já estão agora a rogar-me pragas – Não gostas não jogues! – Mas é claro que jogo, e já expliquei atrás porquê.

A grande novidade deste Need for Speed é algo que estava na berra exactamente há 20 anos atrás: FMV, ou traduzindo para miúdos – o que já não faz sentido nenhum porque os miúdos actualmente sabem fazer mais contracção à língua inglesa do que nós – Full Motion Video. É aqui, é em Guitar Hero, é em Her Story, o FMV está de regresso em força mas com uma grande diferença que o coloca a muito mais de 20 anos de distância que o separam de 7th Guest ou Phantasmagoria: Desta vez, os actores são bons.

As luzes fantásticas!; os reflexos!; a cidade!

As luzes fantásticas!; os reflexos!; a cidade!

Os cinco personagens de Need for Speed são do mais estereotipado que existe – embora ninguém estivesse aqui à espera de um Birdman – mas são pelo menos bem interpretados. A ideia desta vez é criar com eles uma narrativa na qual vamos participando em alguns momentos na primeira pessoa. Há alguns truques bem conseguidos como o nosso carro em 3D estar integrado na filmagem vídeo, a tentar dar algum toque de novidade à narrativa, mas na verdade parece sempre que estamos no interior de uma produção de médio orçamento da versão de imagem real do Canal Disney. É assim como se fosse a versão novela do filme de Need for Speed (ora aí está outro que me desligou o cérebro de forma sublime).

O certo é que estes personagens servem para proporcionar missões narrativas e de vez em quando telefonam-nos para o carro, para nos proporcionar momentos que acariciem a auto-estima, e para nos manterem ao corrente da nossa reputação, a moeda de troca principal do jogo. Fora isto, é o Need for Speed do ano passado.

As luzes fantásticas!; os reflexos!; a cidade!

As luzes fantásticas!; os reflexos!; a cidade!

Estou a ser injusto. Há mais novidades:

  • Snapshots automáticos. O jogo vai tirando screenshots, e se os nossos amigos fizerem like aos mesmos ganhamos reputação (a malta vai fingir que não vai ao jogo).
  • Desafios diários (as mesmas coisas para repetir com uma frase diferente)
  • Costumização com sliders que permite alterar todo o comportamento do carro de forma manual ou automática (sendo que por mais sliders que existam vai ser sempre o mesmo comportamento arcade)
  • Uma action cam (uma vista que tenta dar uns ângulos mais viscerais mas que nos faz bater contra muitas paredes).
  • E a possibilidade de andar mais devagar se não quisermos ser multados (e neste momento gostaria de chamar atenção para o facto do jogo chamar-se Need for Speed).

Portanto, para concluir – e agora sem ser injusto – estamos perante o jogo do ano passado.

Curiosamente, isso não é uma coisa má. Existe sempre o momento em que baixa o preço de lançamento.