Vocês estão sentados numa esplanada com uma amiga vossa e com um conhecido recente de ambos. Chamemos Jocelino ao conhecido – que isto da prosa vive de personagens e histórias – por ser um nome que escapa à dúvida sobre se estamos a mencionar alguém em especial.

O Jocelino segue com atenção a vossa animada conversa em que debatem os jogos que marcaram a indústria através de mecânicas originais nunca antes experimentadas. As referências; os nomes; os criadores; os momentos. Tudo baila por cima da mesa entre os olhos abertos da Catarina – e a rapariga acabou agora de receber nome, mas não contem que venha a ter importância na narrativa – e as vossas mãos que desenham no ar gestos enaltecedores daquele momento especial.

É então que acontece. Vocês atiram com a mecânica de escalada em Shadow of the Colossus e, virando-se para o Jocelino, perguntam: – Não achas? – Ao que ele prontamente concorda. Só que vocês – não sabendo que vão cometer um grande erro, que não é culpa vossa mas sim do Jocelino – perguntam de seguida: – Qual foi o Colosso que mais gostaste?. É então que o Jocelino se mexe muito no lugar, mostra pequenos sinais de nervosismo e atira com: – o segundo – para depois mudar rapidamente de conversa para o momento em que apareceram as cabines arcades móveis do After Burner.

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Na linguagem corporal de Jocelino vocês descobriram que ele nunca jogou a criação de Fumito Ueda, mas como também ainda não têm para com ele muita confiança, resolvem fechar o assunto e não apresentar o vosso caso de mentira ao tribunal das relações ocasionais. Foram os pequenos gestos e as mudanças subtis de expressão no rosto que denunciaram Jocelino.

Agatha Christie: The A.B.C. Murders (não confundir com o jogo DS com o mesmo nome) possui exactamente essa mecânica; a de tentar perceber com os pequenos sinais quando alguém está a mentir. Foi essa componente que me fez logo ficar interessado no jogo, quando a Microïds nos mostrou o mesmo durante a Gamescom.

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Na escrita, caso esta seja cuidada, nada se escreve por acaso. Não foi pois por acaso que aquilo que vocês, a Catarina e o Jocelino debatiam era a história dos videojogos. A Microïds é parte integrante da história dos videojogos. Formado em 1985, o estúdio está este ano a comemorar o seu trigésimo aniversário e para isso quer voltar a ser um estúdio de referência, como o foi no passado. A Microïds sempre fez parte de nomes como Lucas Arts, Sierra Interactive ou Revolution Software – entre outras – que rimavam com aventuras gráficas e jogos de qualidade.

Mas nos último anos a Microïds foi perdendo o foco e tornou-se um publisher de jogos medianos ou casuais PC e Mobile. A estratégia da empresa passou a ser quantidade, em detrimento da qualidade. A empresa quer agora esquecer essa fase e no seu alinhamento contam-se bons jogos como Syberia 3, Yesterday Origins e, claro, este novo Agatha Christie.

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Agatha Christie: The A.B.C. Murders, no qual jogamos como Poirot – a famosa criação da escritora – é uma aventura gráfica adaptada para a jogabilidade moderna e para o controlo com comando. Num estilo gráfico 3D cel shading – que me fez lembrar a maravilhosa mas quase desconhecida aventura gráfica: 1954 Alcatraz – e que a Microïds insistiu não ser ainda a arte final, podemos controlar livremente o personagem nos vários cenários, nos quais vamos encontrar vários assassinatos. Cada assassinato é um caso que temos que resolver. O como, é a pérola do jogo.

Como qualquer jogo de detectives, temos que reunir o máximo de pistas possíveis. É possível rodar em 3D qualquer objecto que apanhamos, e isso vai muitas vezes conduzir a uma nova pista. Mas é ao falar com os suspeitos, testemunhas e envolvidos que encontramos a mecânica de tentar descobrir nos pequenos gestos das mãos, no suor no rosto, no sorriso forçado, ou na voz trémula se estão a falar a verdade ou a esconder algo. E nesses momentos, baseados nesses sinais, podemos dirigir o “interrogatório” em várias direcções.

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A partir de tudo o que vamos recolhendo vai-se desenhando um gráfico num menu separado com todas as nossas pistas, no qual podemos fazer ligações entre os elementos para descobrir novas relações e possivelmente chegar à conclusão de quem era o assassino. Se fizermos todas as ligações correctas, resolvemos o mistério. Em caso contrário, precisamos de reunir mais provas e experimentar outras relações entre as várias pistas recolhidas. O Jocelino não foi, posso-vos garantir. Esse é apenas mentiroso.

Agatha Christie: The A.B.C. Murders está previsto para Janeiro do próximo ano e estará disponível em PC e Mac, PS4 e Xbox One.