Já aqui referi várias vezes – demais talvez– a importância de quem escreve sobre videojogos destruir, ou pelo menos esconder, o fanboyismo por este ou aquele jogo. Porém, não se pense erradamente que olhamos para os videojogos como se fossemos os representantes do governo civil que vão supervisionar o sorteio da lotaria nacional – e aqui vem um aparte, que eu aprendi a adorar os apartes com o Mário de Carvalho; imaginemos que esses representantes almoçam ou jantam juntos, antes ou depois dos sorteios, e já os vemos sentados com os seus fatos saídos de uma reunião do PCP, a olharem para os seus pratos enquanto comem silenciosamente a refeição e trocando apenas três vezes tentativas de sorriso, por cordialidade e não por simpatia. Tenho medo das pessoas às quais não incomoda o silêncio à mesa.
Terminado o aparte, deixa-me lá ler atrás onde íamos… não se pense erradamente que não vibramos secretamente quando o jogo x é anunciado, que não damos gritos infantis e deitados no chão correndo em circulo sobre nós próprios, que não deliramos quando o nosso criador preferido da juventude anuncia novo jogo (GILBERT!!!), ou que não vestimos roupa de senhora e vamos malucas para a night depois de sabermos que certo jogo vai ter os DLCs todos gratuitos. Afinal, somos humanos.
Mas LEGO Dimensions vai colocar a minha ética de escrita à prova, de uma forma que nenhum jogo jamais o fez. Depois de experimentar Dimensions na Gamescom, esta foi a minha primeira reacção:
Depois acalmei e apeteceu-me o seguinte:
Fui à casa de banho, atirei água para a cara, procurei uma área isolada na zona de imprensa fora do burburinho das pessoas, sentei-me no chão e pratiquei mindfulness durante 30 minutos. De seguida, fui então pensar no que Dimensions pode significar.
LEGO Dimensions não se limita a ser apenas mais um jogo de “brinquedos vivos” com fórmulas iguais aos seus predecessores. Tenta ir mais longe incluindo novidades que eu não esperava encontrar. Para mim, quando surgiram os primeiros anúncios do jogo, seria apenas um cruzar da jogabilidade tosca mas viciante dos jogos LEGO com o coleccionismo de figuras. Porém, este não é apenas mais um jogo de brinquedos num portal.
Para começar, os vários elementos do jogo podem e devem ser construídos. Os personagens, veículos e até o próprio portal são LEGO tradicionais que trazem instruções com eles, apresentáveis no ecrã folha a folha (como as tradicionais instruções em papel). No entanto não se pense que isto é apenas uma questão de estética e que não influencia a jogabilidade. Várias vezes o jogo vai-nos pedir configurações diferentes do mesmo elemento para podermos progredir.

Fotografia tirada antes de ter corrido pelo corredor fora e sido atirado ao chão pelos seguranças da Warner.
Numa sequência que experimentei, onde precisava de usar o Batmobile, foi necessário construir uma nova configuração do carro para ter uma arma diferente no mesmo e conseguir passar uma determinada área. Surgiram então as novas instruções de montagem no ecrã e foi necessário desencaixar algumas peças e montar outras. Como é que a base NFC da figura sabe que montámos as peças numa configuração diferente é algo que para já me escapa. Much science.
O portal de Dimensions está preparado para as novas ideias que a LEGO quer introduzir no género e tem dimensão suficiente para albergar sete elementos ao mesmo tempo. Tem também três áreas distintas que servem para proporcionar várias mecânicas de jogo e é aqui que está a gimmick.
As secções da superfície do portal possuem luzes para nos dar deixas visuais sobre o próximo passo. Se a personagem está em perigo à direita do portal, é necessário colocar a mesma no lado esquerdo; ou podemos também por exemplo ter que colocar um personagem numa área para o fazer crescer, e noutra área para ficar mais pequeno, para desta forma ultrapassar zonas ou obstáculos; mas uma das melhores interacções que experimentei foi uma sala na qual tinha que usar três personagens diferentes para a completar. Ao colocar cada personagem na sua zona especifica do portal, os mesmos teleportavam-se para uma área que só eles conseguiam aceder, e cada personagem possui atributos necessários a abrir uma porta, interagir com um computador, ou arrancar um painel da parede. É o esforço conjunto dos três personagens que permite progredir no nível.
A jogabilidade dentro do jogo é igual a tudo o que já vimos nos jogos da LEGO, com o que isso tem de bom e com o que isso tem de mau. As mesmas mecânicas familiares – algumas toscas e desafinadas como sempre foram – a mesma destruição viciante e obsessivo-compulsiva para recolher studs, os níveis de missão e as zonas de mundo aberto com vários objectivos, e as trocas de personagens com atributos diferentes que desta vez são feitas fisicamente trocando as figuras no portal, assim como as trocas de vários fatos no mesmo personagem (no caso de Doctor Who são todos os Doctor que já figuraram na série).
As possibilidades de figuras e sets são infinitas se tivermos em consideração a quantidade de propriedades que a LEGO tem asseguradas, e só nesta demonstração cruzámo-nos com Regresso ao Futuro, Scooby Doo, The Simpsons, Doctor Who, e Portal. Mas sabemos que está muito, muito mais a caminho. Para quem observa na última década, a presença da LEGO nas lojas de brinquedos, percebe o potencial de franchises que conseguem ser adaptados ao jogo.
Sejamos sinceros e chatos: como jogabilidade não há nada de novo em LEGO Dimensions que não tenhamos visto ou jogado vezes sem conta e as mecânicas de interacção com a base são divertidas mas não deixam de ser gimmicks que podem gastar-se com o tempo. Com apenas três bonecos no Starter Set vão existir também mecânicas que só vão ser desbloqueadas com a compra de novas figuras, para além de tudo no jogo estar feito para que queiramos coleccionar todas as figuras que vão ser mais caras que as da concorrência (a LEGO é um produto de qualidade mas nunca foi um produto barato). Por estas razões que atrás mencionei, resta-me então voltar à condição de escriba isento, pragmático, e imperturbável.