Estava cheio de fome, tanta fome que parecia mendigar todos os pacotinhos de bolachas e demais rebuçados e chupa-chupas que adornavam as bancadas do Business Center. Caminhava a encruzilhada de booths que formavam um labirinto curioso, e cujos caminhos, desvios e atalhos já parecia conhecer au coeur. Viro a esquina, ainda esfomeado, e vejo um grande urso com óculos escuros, gabardina e válise. Olha para mim e segreda-me: “o templo em Vladivostok nesta altura do ano é extremamente agradável”. Percebi, a dica, com o fato preto e camisa branca a deambular pelo certame fui confundido com um agente secreto ou uma Testemunha de Jeová. Apostei na primeira, porque no Reino de Deus não entram ursos. Ripostei um: “se nevasse em Tunguska tínhamos um ringue de patinagem do caraças”. A resposta estava errada, percebi isso pelo ar incrédulo do urso que me olhou de soslaio. A probabilidade de estar certo rondaria os 0,075%. O número foi atirado ao calhas, e a resposta também. Ouvi a barriga roncar, não existia urso nenhum. Deviam ser alucinações de estar esfaimado e de apenas meter para ao buxo bebidas alcoólicas. Parece que faz mal.
Alucinações à parte, encontrar-me com a pequena equipa do estúdio russo The Lazy Bear foi sem dúvida a maior surpresa que tive na Gamescom. Uma salinha muito pequeno onde mal cabíamos os três, um rato que era um comando de Famicom, uma série de autocolantes colados pelas paredes da sala, e lá arrancámos para Punch Club. Tinha conhecido o jogo quando ainda se chamava VHS Story, em homenagem a todos os pedaços de cultura pop dos anos 1980 e início dos anos 1990 que povoam o jogo. Com um visual retro, que nos leva a pensar que vamos jogar um side-scrolling beat’em up clássico da NES, mas que no primeiro minuto nos desengana: estamos a jogar um life simulator/job tycoon e streefighter management game. Assim que começa o jogo acordamos na garagem onde vivemos e podemos fazer o que quisermos. Como estamos a jogar uma espécie de adaptação de um filme de acção dos 1980s sabemos que vamos ter de treinar muito para chegar ao topo. Façamos a pausa para entrar no espírito
estamos de volta.
A garagem que vemos tem uma televisão, um sofá, material de musculação. A minha primeira pergunta aos developers?
– Posso clicar no sofá e passar o dia a dormir?
– Sim –responderam eles. E assim o fiz.
Em Punch Club podemos fazer tudo o que quisermos. E quando digo tudo é mesmo verdade. O jogo não tem game over e durará o tempo que quisermos que dure. Podemos passar o dia “no ferro” a aumentar as nossas estatistíticas, mas isso deixar-nos-á tristes. Podemos apenas andar a divertir-nos mas vamos ficando mais “flácidos” (de repente a TV Shop invadiu a minha mente. Felizmente que tenho Survivor em repeat desde o parágrafo anterior). Temos de arranjar emprego, porque vá, o nosso personagem tem de ganhar dinheiro para comer. Assim que chegamos à pizzaria reconhecemos automaticamente o gerente: é o Steven Seagal. Procuramos emprego e lá somos contratados como entregadores de pizza. A nossa primeira entrega é interrompida numa tampa de esgoto de onde temos um confronto com um crocodilo-ninja chamado Steve.
Aí percebemos como funciona o combate através de gestão (tal como teríamos num Championship Manager por exemplo). Não escolhemos o que fazer nem controlamos o personagem. Mas à medida que ele vai “evoluíndo” temos de nos especializar em agilidade, força, ou resistência, e isso terá implicações para o nosso dia-a-dia, assim como para o combate. Simples, sem complicações, e divertido.
Não querendo avançar muito dos pequenos easter eggs que fui encontrando, porque considero que estraga parte da mística do jogo, Punch Club é, sem dúvida, o melhor jogo que joguei na Gamescom. É um jogo apaixonado feito por duas pessoas com as mesmas referências culturais que nós temos, que pulvilharam essa paixão e essas memórias nostálgicas pelo jogo, fazendo-nos esboçar um sorriso em quase todos os minutos. É um jogo despretencioso, criativo e divertido. Foi a grande surpresa que tive, e foi o entusiasmo dos seus criadores que me fez automaticamente perceber o espírito de Punch Club e o facto de ele ser uma das melhores jóias para o nicho a que pertence: os nascidos nos anos 1970 e 1980. Punch Club é uma divertida ida ao baú dos nossos brinquedos em formato de filme de domingo à tarde.
Ah, e o vilão final chama-se Ivan…Zangief. Desculpem o spoiler.