Há um ano atrás falava aqui de um jogo brilhante chamado Hand of Fate. HoF movia-se nos meandros dos meus saudosos livros de Fighting Fantasy, em que cada parágrafo se desenrolava com a possível fatalidade de desembocarmos num capítulo onde o nosso protagonista encontrava uma morte agoniante perante uma horda de vampiros. Esta política do faça-a-sua-história, bem presente nestes livros-jogo foi adaptado na perfeição a Hand of Fate. Num sistema semelhante, em que um feiticeiro/cartomamante nos revelava uma a uma de uma série de cartas que poderiam significar eventos de boa-venturança para nós ou combates extremamente difíceis, o nosso destino é um misto de sorte e de habilidade. E é esta adaptação tão clara da narração dos livros-jogo adaptados a videojogo que tanto me agradou. Processualmente gerada, cada carta/momento eram uma total incógnita: ajudar um pobre mendigo tanto poderia significar uma recompensa divina pela nossa bondade como uma armadilha levada a cabo por um bando de salteadores. O combate, esse, era o pequeno condimento de um prato bem confeccionado. Equilibrava-o, dava-lhe um sabor adicional, mas não era a base de tudo.

Agora imaginem – e vou acreditar nos developers do estúdio CleverPlays – que ao mesmo tempo que o Early Access de Hand of fate é lançado, surge um jogo semelhante, com um conceito semelhante e título, bem, parecido. Foi aparentemente o que aconteceu a Leap of Fate, em Early Access no Steam desde há um mês.

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Imaginem também que esta sequência de desenrolar de cartas existe, tal como em HoT, mas que a componente muito pen and paper RPG é substituída por mecânicas de roguelike, em que o combate isométrico é a base de tudo. Retirem-lhe a vertente medieval, e despejem-lhe um pouco de Shadowrun em cima. O prato é semelhante ao de HoT mas com uma grande diferença: o combate, a pimenta que exponenciava o sabor do outro prato, é aqui em Leap of Fate a base de tudo. De todos os condimentos picantes, de longe uma boa pimenta preta é a minha favorita. O que não quer dizer que queira comer um prato que a tem como base.

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De tantos indies que já analisei, é sabido que sou um fã de roguelikes. Então porque é que não estou hiper-entusiasmado com este Leap of Fate? É que todas as componentes roguelike, e a mistura de um setting que tanto me agrada, o cyberpunk, têm tudo para funcionar. E funcionam.  Mas sabem-me a pouco.

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Leap of Fate pode estar a sofrer – e admito a minha falha – por comparação com um jogo quase idêntico e que está num patamar de execução superior, que está extremamente equilibrado porque coloca o ónus de todo o jogo das múltiplas narrativas criadas. A total ausência de um enredo, mesmo que processualmente criado, em Leap of Fate acaba por ser o seu calcanhar de Aquiles: todos os truques de caminhos por nós escolhidos não são mais do que revisitas a cenários repetitivos e monótonos. Leap of Fate cai na zona cinzenta entre as múltiplas histórias de Hand of Fate, que utiliza as mecânicas de forma sempre inovadora, e um roguelike que nos consegue manter ocupados por diversas horas. Leap of Fate tentou a sua sorte (desculpem o trocadilho) mas parece-me ter caído muito longe do objectivo. Haverá margem para corrigir isto até ao lançamento final?