O ambiente é pesado, largo é o tempo entre hoje e aquele em que a casa faz de nós rotina com o organizar e desorganizar dos seus pertences. Faltam 12 minutos para chegar, depois de vários dias fora de casa, e o sol pinta-nos o rosto com tinta de sua temperatura depois de penetrar pelo vidro dianteiro do carro. Silêncio. A ânsia é imensa e manifesta pelas não palavras provenientes dos lábios cerrados de cada individuo que molda os estofos do carro à sua forma. Espera. Aguarda.
Acabámos de chegar e o carro está imobilizado (dentro dos possíveis: maldita rotação terrestre, ominosa expansão do universo). Um a um, sacos de viagem fazem-se sentir como fardos de palha, ou sacos de trigo, ou tudo aquilo que nos faça sentir o corpo pesado de toda uma quantidade de tempo ou momentos, finita mas bem grande (se tal noção existe), fora daquilo a que chamamos lar. Muito se passou, pedaço de nós esqueceu-se de quem era e nós também o esquecemos.
Sentado no sofá exausto da viagem, o corpo faz-se sentir como milhares de quilos, mais do que as nossas pernas conseguem aguentar. Em frente, a televisão. No braço do sofá, o computador com a internet, ligando-nos a tudo o que desligámos, carrega com a ajuda da tomada estampada na parede. De volta à televisão, ou melhor, junto a ela, pequenas luzes vermelhas dão o seu ar de graça, como se uma foto de aviões no céu nocturno se tratasse. Tudo é imóvel. As paredes, as mesas, os assentos. Tudo é silêncio. O chão, o ar e o vazio. Tudo excepto as ideias na minha cabeça e as coisas em que estou a pensar, as coisas que tenho para escrever e as coisas que tenho de lembrar. E do nada, devido a uma pequeníssima parte temporal da minha vida isolado de mim e do meu mundo, tudo se tornou clássico mas, de forma coerente, também fresco. Sentir a casa é diferente, sentir a casa é um retorno ao que se perdeu e que nos era tão querido.
Deixando a cara tombar sobre o ombro, manifesto do cansaço, o ângulo de visão rodou com a velocidade de um piano a cair do terceiro andar. Involuntariamente, os olhos vincam a silhueta de um artefacto alienisna sobre o sofá, adequado para se segurar e com montes de botões e peças estranhas. Aguarda. Espera. Eu sei o que é, diversas são as memórias que se aclararam na minha cabeça. Como nada me travasse, o aclarar sucessivo de bons momentos faz-me agarrar no comando como se de uma animação de stop motion se tratasse. Assim, uma das luzes vermelhas é agora verde. E com ela, uma tela de cores e movimentos se constroi na televisão. Comando. Consola.
Ironia.
Depois da consola ligar, o que joguei fez-se sentir como exactamente outro objecto qualquer de minha casa. Clássico, fresco, mas, ao mesmo tempo, velho. Desinteressante. Um estranho sentimento de que apesar de tudo o que joguei me fez aprender, em nada se equipara a ver a vida que jaz além carcaça de televisão ou mesmo além quatro paredes.
São só isso: Jogos. E as histórias? As notícias? A eterna ânsia do coleccionador? O eterno amor por uma série ou um developer? São só aquilo que realmente são. Mais nada.
Mas isso não me fez parar de jogar.