Por vezes uma tecnologia atrasa o progresso. Um caso célebre foi o caso do Fax (ou o facsimile) do qual dependemos infelizmente durante demasiados anos. Quando a tecnologia de fax se massificou durante os anos 80, já existiam tecnologias de transmissão de dados muito mais avançadas. Não sei se foram pressões de grandes grupos como a Xerox, não sei se foi um processo de manufacturação muito barato (o mesmo que atrasou o vídeo com o VHS), ou outra razão, mas o problema é que o fax vingou. E durante três décadas ficámos reféns de um sistema lento, com uma resolução de tanga, impresso num papel que desaparecia passado uma semana.
A tendência principal de jogos mobile dos últimos 3 anos está a fazer o mesmo para a indústria dos videojogos que o fax fez para as comunicações. É certo que grande parte destes jogos está a trazer milhões de novas e novos jogadores que de outra forma não gastariam o seu tempo a jogar (o meu pai por exemplo e o seu clone mau de Puzzle Bobble), mas estes não são jogadores que estejam a ser “treinados” a experimentar novos jogos e novos géneros. Em vez disso estão a ser habituados a mastigar frequentemente jogos medianos, ou simplesmente fracos, como se de uma pastilha elástica se tratasse: só têm algum sabor presente no início, sempre muito doce para ser sensorialmente mais forte, mas que rapidamente se esgota e depois já nem sabemos porque continuamos a mastigar.
Ski Safari é um desses jogos. Quando foi lançado no iPad foi um jogo que me viciou rapidamente mas que, ao fim de um ano, foi sendo transformado sem eu, sinceramente, não perceber imediatamente o porquê de as minhas sessões de jogo se estarem a tornar cada vez mais agridoces. Continuava a jogar, mas largava sempre o iPad com um sentimento de não querer repetir. Depois percebi qual era o problema: o grau de dificuldade do jogo estava a ser progressivamente diminuído e com o tempo, cada run se tornava cada vez maior e aleatória. Foi redesenhado assim, para ser uma descida de ski entre 5 a 10 minutos que depois se larga para voltar a pegar no dia a seguir, e com a óbvia implementação de microtransações. Uma pastilha fabricada, como a maior parte do ecossistema mobile e tablet para rápido consumo e que atrasam a evolução da indústria.
Alto’s Adventure é uma lufada de ar fresco no iPad e iPhone. Um endless runner (ou neste caso um endless skier) que conseguiu equilibrar quase na perfeição o nível de dificuldade com a duração de cada run. O jogo apresenta-se como um desafio constante, para o qual não existem atalhos, e onde tudo depende da nossa destreza e raramente da sorte ou de algoritmos aleatórios. Maior do que as rápidas sessões de Canabalt, mas não demasiado longo para não deixarmos de querer carregar novamente no start. Mais importante, em Alto’s Adventure, como nos grandes jogos, uma sessão para tentar alcançar mais uns objectivos pode tornar-se em várias horas de jogabilidade sem conseguir parar.
Para além de uma jogabilidade tão viciante como desafiante, a arte do jogo é das mais belas criações visuais presentes na App Store. Cenários idílicos nos Alpes com uma forte componente de ilustração minimal passam velozmente por baixo dos nossos skis, enquanto efeitos dinâmicos de tempo fazem o dia transitar para a noite, a calma da brisa dar lugar a uma forte tempestade, ou um belo nascer do sol encadear-nos temporariamente. O resultado é uma curiosa mistura de um enorme sentimento de calma que nos é passada pelos ambientes, com uma constante tensão da dificuldade em conseguir atingir os objectivos.
A quase perfeita jogabilidade (que só não é perfeita porque acabamos por recorrer muitas vezes à mesma personagem que está mais afinada que as outras) resulta também de uma afinação entre a física real de um esquiador e do comportamento dos skis na neve, com um ligeiro fantasiar de capacidades nos saltos entre penhascos, no griding por cima de cordas e telhados, ou no passar através de pedras depois do arranque de velocidade que nos é concedido a seguir a um bom combo de truques. Tudo isto com apenas o toque de um dedo, o único controlo usado no jogo.
Felizmente, este é também um jogo pago, em que pagamos para que tudo o que possamos desbloquear seja conseguido a jogar. Daí que os 180 objectivos e os 6 esquiadores que podemos desbloquear com atributos diferentes são feitos através do acto de jogar e nunca com compras adicionais. Como os jogos eram; como os jogos devem ser.
Em Alto’s Adventure a única coisa que nos persegue por vezes é um ancião montado num lama. Isto porque um dos nossos objectivos é dar palmadas nos lamas que fugiram, enquanto os perseguimos com os esquis. Caso não consigamos despistar o ancião, este atira-nos ao chão enquanto surge a mensagem: respeita os mais velhos. Alto’s Adventure respeita os mais velhos: os jogos que tentavam sempre acrescentar algo novo. Mas é radical o suficiente para tentar caminhos novos. E com isto consegue dar um grande salto.