Tenho o direito de gostar de boas ideias. E tenho ainda mais esse direito quando provêm de uma das Galinhas favoritas, o meu protegé insanamente criativo que é o Isaque Sanches, que na semana passada encontrou uma forma de solucionar o atraso que os jogos medianos nos causam. É que os jogos bons são rapidamente resolvidos porque o nosso entusiasmo impele-nos a escrever rapidamente sobre eles. Os jogos maus sofrem do mesmo problema: é catártico destilar o ódio que sentimos por eles e muito rapidamente saem artigos sobre eles. Os jogos que nem aquecem nem arrefecem, os jogos André Sardet, os jogos água-da-torneira, ou como o Isaque os apelida – os jogos meh são bem piores. Não nos entusiasmam nem nos irritam e por isso caiem no limbo da não escrita. Esta semana consigo de uma assentada resolver três jogos que me estão aqui entalados.
Mais uma vez obrigado Isaque.
Airscape: the Fall of Gravity demora a cair e fica a pairar no ar
Uma boa ideia para um jogo pode, em muitas situações, não resultar num bom jogo. Airscape: the Fall of Gravity não é um desses casos. Temos aqui um jogo de plataformas e puzzle bastante bem-conseguido, desafiante, cujo tema central nos coloca a controlar um conjunto de polvos na tentativa de salvarem o seu mundo de uma horda de alienígenas invasores. Esteticamente muito bem conseguido com um visual cute que poderia facilmente adornar um livro infantil. As mecânicas base permitem-nos girar o ecrã quando estamos dentro de água, e é essa a forma frenética como temos de resolver muitos puzzles.
Airscape é extremamente frustrante de tão desafiante que é. O nosso pequeno polvo morre ao primeiro toque e temos de conseguir desviar-nos de todo e qualquer inimigo, utilizando a rotação do ecrã. Então se é visualmente bem-conseguido, está bem-executado, é desafiante, então porque é que o acho tão mediano? Porque apesar da boa ideia subjacente a todo o jogo, há um certo aborrecimento que me fez deixá-lo cedo. É daqueles casos para afirmar “não és tu, sou eu”, e parece que sou mesmo. Airscape: the Fall of Gravity é um bom jogo com o qual eu não me consigo divertir muito tempo. Não sei se é culpa do excessivo “ar mobile” que o jogo tem, mas a realidade é que não me conseguiu seduzir para um relacionamento mais sério. “Não és tu, Airscape, sou mesmo eu”. Se estivéssemos a jogar à bola a Diversão tinha acabado de sofrer um golo da Qualidade. Tantas vezes falamos de jogos divertidos sem qualidade que este é o inverso.
Com um movimento digno de um bailarino checo pego no Isaque com os dois braços e projecto-o contra Airscape que é destruído no impacto, deixando uma nuvem-cogumelo a iluminar o cenário.
Meh-gry Birds
Clones existem e nada há que possamos fazer contra isso. Seja Pedro Silva Pereira que sempre se assemelhou a um José Sócrates menos sorridente, ou os Smarties, os irmãos bastardos dos M&Ms com muito menos charme. Clones de Angry Bird existem à resma no mercado mobile porque todos sabemos que uma das grandes características do ser humano é tentar reproduzir casos de sucesso na vã expectativa de obter sucesso fácil. E enquanto escrevi isto saíram 3 cópias do Clash of Clans na App Store.
Cute Things Dying Violently chegou-me para análise há 2 semanas e admito que à primeira vista fiquei conquistado com os screenshots apresentados na página da loja no Steam. O primeiro problema, e um dos maiores, é que o jogo parece extremamente bonito e bem-executado (graficamente) na resolução em que as imagens estão publicadas. Se jogarmos numa resolução muito alta conseguimos ver os fios e as costuras do jogo: o que aparentava ser um jogo bonito demonstra-se afinal como uma série de assets amadores, e que deixam antever a qualidade visual expectável num protótipo, e não num jogo totalmente lançado (ainda que ele custe apenas 2,99€).
O aborrecimento e a mediania vêm depois: ainda que exista alguma piada em vermos as criaturas (que mais se assemelham a uma espécie de prole-girino do Gil da Expo 98) em serem degoladas, esventradas e exsanguinadas , o apelo do jogo morre mesmo aí. Com mecânicas simples retiradas de Angry Birds (que por sua vez foram buscá-las a Worms) de arremessar as criaturas com movimentos próximos das fisgas, e fazê-los entrar numa porta. Ainda que existam muitos obstáculos diferentes pelos diversos níveis, a grande aura de mediania e amadorismo de Cute Things Dying Violently matam-me todo e qualquer possível entusiasmo que eu pudesse ter com o jogo. E fica a nota para futuros game developers: invistam um pouco nos vossos artistas, ou correm o risco de ter um jogo que seria aceitável num projecto curto universitário e não um jogo à venda que pouco abonará ao vosso sucesso posterior.
Com uma fisga gigante construída com os cabelos de todos os backers que deram mais de 300€ pelo Kickstarter de Shenmue arremesso o Isaque a 100 Km/h, que abocanha Cute Things Dying Violently como uma pantera no cio, e desfaz num gesto mandibular o jogo para sempre.
Giana Sisters: Dream Runners e a maratona do Tejo com José Sócrates
Hoje, na rubrica Ataque dos Clones, vamos falar de Giana Sisters. Não este do qual falamos agora, mas da origem da série, num dos eventos de plágio mais famosos da história dos videojogos. Há três anos atrás alguém quis limpar a imagem de Giana Sisters – o equivalente político de ter Paulo Portas a beijar senhoras no Mercado Municipal de Marvila – quase 25 anos depois do célebre plágio, e criou Twisted Dreams, um excelente jogos de plataformas que nos fez totalmente esquecer a génese da série. Três anos volvidos e a proposta do estúdio Black Forest Games é de pegar no consensual sucesso de Giana Sisters Twisted Dreams e levâ-lo para o campo dos speedrunning platformers. Por aqui tudo bem, diria eu. Nada melhor para continuar a campanha de limpeza de imagem do que dar corda aos sapatos como o preso número 44 da Prisão de Évora fazia. O pior é que o aspecto mais desafiante de um bom jogo nintendohard que Twisted Dreams trouxe foi largamente esquecido para dar lugar às corridas multijogador. Resultado: podíamos ter uma boa sequela de um bom jogo de plataformas, e ficámos com um aborrecido jogo de speedrunning cuja possibilidade de defrontarmos os nossos amigos ou desconhecidos na internet não tornou muito mais divertido.
A Black Forest Games sacrificou o sucesso do seu jogo anterior para desbravar novos caminhos. Foi um risco calculado, mas infelizmente, um risco que não colheu bons frutos. Só mesmo pé de atleta.
Injectei o Isaque com 500 mg de taurina e mantive-o preso num picadeiro a ler análises do IGN Internacional. O Isaque irrompeu pelas paredes do picadeiro e atropelou fatalmente Giana Sisters: Dream Runners que perceberam que não tinham velocidade suficiente para escapar à fúria quasi-bélica daquele que é conhecido por muitos como o Hulk de Loures.